Por cinco anos, Paulett Furacão juntou silenciosamente dinheiro para realizar o sonho de poder se olhar no espelho e se enxergar como realmente ela é. Foram R$ 10 mil, reunidos com muito sacrifício, para fazer a cirurgia de adequação de gênero nas mamas. “Quando me olhei no espelho nem acreditei de tanta emoção. Sinto que o espírito está voltando para o corpo”, conta Paulett, que é do bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador.
Em novembro de 2012, Paulett entrou para a história ao se tornar a primeira trans feminina a ocupar uma função em secretarias estaduais no estado da Bahia. Foi a segunda em todo país a alcançar esse posto. “Sempre fui militante desde os 15 anos. Fiz teatro, participei de grupos de jovens com recorte na cidadania. Como tran a gente sofre muito preconceito”, conta Paulet que atualmente é representante do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social.
Hoje, com 30 anos, Paulett reflete que os preconceitos aparecem a todos os instantes e que a luta contra eles deve ser contínua. O acesso à saúde da população trans, segundo ela, é um dos principais pontos de sofrimento. “Quando fiz minha cirurgia de mamas busquei profissionais que respeitassem minha identidade de gênero. Me senti muito bem com o respeito que todos tiveram. Mas é uma luta constante. Esses dias fui na Unidade Pronto Atendimento de Itapuã para o dentista e tive problemas com um funcionário que insistia em me chamar pelo nome do registro civil e não pelo nome social”.
Em 2017, Paulett sonha em fazer a cirurgia de transgenitalização. “Quero fazer tudo com muito cuidado e calma. Sou muito medrosa com essas coisas de médico e cirurgia. Nós trans temos essa busca pelo corpo adequado ao gênero e muitas meninas se perdem nisso. Muitas se desesperam. Tive uma amiga que já morreu por conta disso”, explica Paulett.
Nascida em uma família com outros 4 irmãos, Paulett conta que a família sempre achou que era seria gay. “Sempre me senti feminina desde criança. até quando eu usava roupas masculinas sempre me senti feminina. Eles tratavam até com naturalidade, mas depois que foram verificando que eu era trans tive alguns conflitos que são até esperados. Hoje, eles me respeitam e me amam. Tenho muita sorte nesse sentido”, explica.
Nome forte
Paulett não usa o sobrenome Furacão à toa. Juntos, eles simbolizam força e luta conta a transfobia. “O nome Paulett me representa e o furacão muito mais. É um nome forte. É um nome de trans.Essa é a nossa identidade. Nós estamos nos distanciando na mulher biológica. Eu não gosto de ser chamada de mulher. Eu gosto de ser chamada de trans feminina. Meus filhos, quando eu adotar, vão levar o Furacão. Eu quero que eles se orgulhem da mãe deles por ela ser uma trans”, defende.
A construção da sua identidade foi toda feita no bairro do Nordeste de Amaralina. “A sociedade tem muito preconceito com o nosso bairro, que é periférico. Mas aqui todas as trans são respeitadíssimas. A comunidade nos abraça e não só os LGBTs”, explica Paulett. O bairro tem um simbolismo de resistência na vida de Paulett. “Quando era mais jovem reuníamos todas as trans na praça do Colégio Estadual Manuel Devoto (foto abaixo) que é um espaço de resistência que começamos a usar depois que uma trans foi assassinada no outro lugar que nos reuníamos para conversar”, relembra Paulett.
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