Por Gil Santos
(gilvan.santos@redebahia.com.br)

A questão é tão óbvia que nem deveria ser motivo de discussão, mas a falta de respeito e o preconceito com público LGBTQI+ nas empresas levou a Organizações das Nações Unidas (ONU) a criar um documento com Padrões de Conduta para Empresas enfrentarem a discriminação nos ambientes de trabalho.

O material foi divulgado como parte das celebrações do Dia Internacional do Orgulho LGBTQI+ , comemorado nesta quinta-feira (28), e na mesma semana em que a PwC publicou uma pesquisa que apontou que apenas 29% das empresas brasileiras têm programas de inclusão para esse público.

Para a vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos na Bahia (ABRH-BA), Margot Azevedo, ainda existe uma resistência das empresas em fazer a contratação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, pessoas trans e intersexo. Ela acredita que o principal problema é a falta de informação.

“Quando a gente apresenta a situação com o rigor de informações percebemos uma sensibilização por parte das empresas, e esse é o processo. Precisamos sensibilizar e informar primeiro para poder incluir. As empresas precisam entender que não existe inovação sem diversidade de gênero”, disse.

Entre os compromissos elaborados pela ONU para promover a igualdade está o das empresas sempre respeitarem os direitos humanos de funcionários, clientes e membros da comunidade LGBTQI+ . Acabar com a discriminação contra esses empregados, apoiá-los no ambiente de trabalho e defender os direitos dessas pessoas nas comunidades onde realizam negócios.

Atenção
Para quem vive a experiência de ser julgado pela sexualidade é necessário redobrar os cuidados e policiar as próprias ações. A jornalista Bia Mathieu, 33 anos, uma mulher transexual, contou que tinha uma preocupação extra quando participava de seleções de emprego. Ela disse que “evitava caprichar” na estética visual e tentava ser o mais básica possível.

“Infelizmente, ainda causa estranheza nas pessoas se depararem numa entrevista com uma mulher trans e jornalista. Algumas acabam desacreditando, mas é muito importante quando somos vistas como profissionais, quando esquecem o que não interessa à nossa atuação na instituição”, afirmou.

Ela comemorou a inciativa da ONU e disse que as empresas ainda não sabem lidar com pessoas trans, nem dão a devida importância às qualidades profissionais dessas pessoas. Bia afirmou que o fato de mulheres trans serem chamadas pelo nome masculino é tão ofensivo quanto uma agressão física.

Números
A pesquisa realizada pela PwC em parceria com a Out Leadership, com 231 funcionários LGBT+ de diferentes países, apontou que cerca de 85% desses profissionais se sentiam confortáveis no trabalho. No entanto, a maior parte dos empregadores ainda não aproveita todas as possibilidades para incentivar o crescimento desses trabalhadores.

Todos os funcionários disseram que a progressão na carreira é importante para eles, mas apenas 29% das empresas entrevistadas possuem programas voltados para a retenção de talentos LGBT+. Além disso, somente 12% dos empregados estão cientes de que tais programas existem na organização onde trabalham.

No total, 60% das empresas disseram que tomam medidas para garantir o desenvolvimento da carreira de pessoas LGBTQI+ , mas 43% dos funcionários acreditam que isso realmente acontece. A pesquisa revelou também que apenas 28% dos mentores integram uma das siglas.

Gestão
Para o presidente do Grupo Gay da Bahia (GGB), Marcelo Cerqueira, a solução pode ser mais simples do que parece. Ele destacou a importância da Gestão da Diversidade, uma forma de administração que permite identificar as potencialidades das diferenças dentro da empresa.

“A inciativa da ONU coaduna com o trabalho que a gente desenvolve. Há tempos falamos sobre a importância da diversidade, mas as empresas na Bahia não estão dando importância ao tema. Na Gestão da Diversidade um especialista pensa essas ações, tanto de gênero, como de raça, religião, entre outros, o que melhorar a empresa como um todo”, disse.

Para ele, os empregadores precisam estabelecer limites no tratamento entre os funcionários, além de ações voltadas para o público LGBT+ se quiserem de adequar à realidade. Na pesquisa da PwC, 99% dos entrevistados disseram que pesquisam a reputação da empresa antes de aceitar o trabalho, mas 43% dos empregadores disseram que não se preocupam com a imagem da organização nesse aspecto.

Direito
Já o superintendente de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos, da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), Emiliano José, lembrou que tratar as pessoas como iguais não é nenhum favor, mas uma obrigação de todos os seres humanos.

“A questão da inclusão LGBT é uma pauta essencial e democrática que o mundo está debatendo atualmente. A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que todo o ser humano merece ser tratado com respeito, em qualquer situação, e não pode ser julgado por seu sexo ou suas crenças”, disse.

O documento apresentado essa semana pela ONU foi elaborado após um ano de reuniões consultivas regionais, com representantes de empresas e da sociedade civil na Europa, África, Ásia e Américas. Ele oferece orientações sobre como respeitar os direitos da população LGBTQI+.

A ONU pede que as empresas manifestem publicamente o apoio a causa. No total, mais de 140 instituições já se somaram à iniciativa em Nova Iorque, Toronto, Paris, Londres, Genebra, Davos, Nairóbi, Melbourne, Mumbai, Hong Kong e Tóquio.

Consumo
Um dos cinco compromissos divulgados pede para as empresas não discriminarem clientes, fornecedores e distribuidores LGBTI, além de insistir que seus parceiros de negócios também não discriminem.

O diretor de fiscalização da Superintendência de Defesa do Consumidor (Procon-BA), Iratan Vilas Boas, lembrou que mais do que um pedido, tratar os clientes como iguais é uma obrigação das empresas e um direito dos consumidores garantido por lei.

“O Código de Defesa do Consumidor veda todo e qualquer tipo de discriminação, no art. 39, inciso 9, seja por questões de gênero, religião ou raça. Quem se coloca no mercado de consumo tem que vender para todos, a não ser que uma lei proíba, como no caso de bebidas alcoólicas para menores de idade, por exemplo”, explicou.

O consumidor que se sentir prejudicado em uma relação de consumo por conta de discriminação deve procurar o órgão através do App Procon BA Mobile ou do e-mail denuncia.procon@sjdhds.ba.gov.br. A empresa que desrespeitar a lei pode ser autuado e multada em até R$ 6 milhões.

Por mais confuso que sejam as siglas LGBTQI+, isso não dá o direito de ofender ou humilhar, por isso, o importante é respeitar. Afinal, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

Compromissos pela igualdade

Sempre: Respeitar os direitos humanos de funcionários, clientes e membros da comunidade LGBTI

No local de trabalho: Acabar com a discriminação contra funcionários LGBTI e apoiar funcionários LGBTI no ambiente de trabalho

No mercado: Não discriminar clientes, fornecedores e distribuidores LGBTI, além de insistir que seus parceiros de negócios também não discriminem

Na comunidade: Defender os direitos humanos de pessoas LGBTI nas comunidades onde realizam seus negócios

Discriminação contra LGBT impacta na produtividade das empresas

Era madrugada do dia 28 de junho quando alguns clientes de um bar, em Nova York, foram presos por ‘conduta imoral’. O ano era 1969 e havia uma clara perseguição a comunidade LGBT.

Revoltados com a ação da polícia, alguns moradores tomaram partido dos presos, e nos dias seguintes uma série de marchas foram realizadas a favor da comunidade. Elas ficaram conhecidas como Rebelião de Stonewall, e data foi escolhida como Dia Internacional do Orgulho LGBTQI+.

De lá pra cá, muita coisa mudou, mas nem tanto como a comunidade gostaria. Para Paulette Furacão, do Fórum de Políticas Públicas para Travestis e pessoas Trans, a integração dessas pessoas ainda é uma questão a de discutir.

“Temos que pensar que tipo de orgulho é esse e o que tem sido feito para se ouvir e integrar essas pessoas. O mercado de trabalho ainda está fechado para esse público, e isso precisa ser discutido se quisermos uma sociedade mais participativa e democrática”, disse.

O material divulgado pela ONU esta semana, sobre o respeito à igualdade, traz um estudo do Banco Mundial realizado na Índia em 2015 que estimou que o custo da discriminação contra a população LGBTI poderia gerar prejuízo ao país de 1,7% do PIB potencial, o equivalente a 32 bilhões de dólares.

A vice-presidente da ABRH-BA, Margot Azevedo, contou que a produção está ligada ao bem estar dos funcionários na empresa e que as organizações precisam ficar atentas às mudanças.

“A diversidade impacta nos relacionamentos, e os relacionamentos impactam na produtividade, então, discutir esse assunto é necessário para a sobrevivência do próprio negócio. A empresa que ignora isso está fadada a desaparecer”, disse.

Os dados apresentados pela ONU dizem que empresas com elevada diversidade apresentam melhor desempenho no mercado, e que funcionários LGBTI que “estão no armário” têm 73% mais chance de deixar os postos de trabalho, em comparação com funcionários que vivem a sexualidade de maneira livre.

Além disso, o poder de compra de consumidores e aliados LGBT foi de 3,7 trilhões de dólares, em 2015. “Por isso, ignorar esse mercado e excluir essas pessoas é incoerente, ainda mais em tempos de crise”, disse Furacão.

Quem precisar de intermediação para conseguir um emprego, orientação sobre como elaborar currículo ou proceder em entrevistas pode procurar o Centro Municipal de Referência LGBT, no Rio Vermelho. O local oferece apoio também a quem é vítima de discriminação, assim como o Casarão da Diversidade, na Rua 28 de Setembro, no Centro Histórico. Os atendimentos são gratuitos.

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