Todo Natal é a mesma coisa. As famílias se reúnem, comem, comem e falam mal uns dos outros. Salvo raras exceções esse é o conceito que muita gente enfrentou na noite de ontem (24) e vai encarar nos almoços de hoje (25). Mas, para nós pessoas LGBTQIA+, o buraco é bem mais profundo.
Poucos têm a sorte de ter uma família 100% acolhedora. Infelizmente existem as tias que perguntam pelas ‘namoradas’ para os gays, pelos ‘namorados’ para as lésbicas e aquelas que silenciam a existência das pessoas trans. Não só as tias mas também as primas, primas, tio e afins.
Desde ontem analisei as fotos de mais de 200 perfis do Instagram de pessoas LGBTQIA+ de Salvador e outras partes do mundo. Na sua grande maioria as pessoas LGBTQIA+ estão escanteadas nas imagens. Ao centro, normalmente, estão os patriarcas ou matriarcas rodeados dos primos heteros.
Há uma falsa sensação de acolhimento que é naturalizada. Talvez ninguém (ou não) tenha pensado isso na hora de tirar as fotos mas isso evidencia simbolicamente que as famílias não nos acolhem na nossa essência.
Não nos é dado o protagonismo. Quando ele existe muitas vezes vem camuflado do estereótipo folclórico da bicha decoradora e animadora do bingo da família. Sim, nessas horas é conveniente ‘nos aceitar’.
Quantos de nós tivemos que apresentar os nossos companheiros ou companheiras como amigos na noite de ontem? Quantos de nós tivemos que nos trancar no quatro para ligar para a pessoa que amamos e que jamais será aceita pelas nossas famílias? Se você for hetero dificilmente sabe o que é essa dor. Você pode até pensar que isso é uma bobagem ou problematização da minha cabeça mas tente, por um segundo, pensar em como é ser silenciado dentro da sua própria família.
O problema do Natal é justamente a hipocrisia que há nele. Talvez se as famílias, de fato, seguissem o exemplo de Jesus Cristo as coisas não seriam tão cruéis com nós.
O tio que me disse que ‘eu tinha que ser macho e não chorar’ é o mesmo que trai a esposa e na hora da ceia levanta a taça e faz o brinde em nome da família.
O primo que hoje ostenta mulher e filhos no estilo comercial de margarina é o mesmo que no passado iniciou a vida sexual no troca-troca de primos e sequer olha na sua cara durante a ceia.
E quantos pais e mães não abraçaram seus filhos e filhas ontem por serem LGBTQIA+? Certamente foram vários. Mas esses mesmos pais na hora da oração falaram de amor, acolhimento e seguir o exemplo de Jesus .
Acho que nessas famílias a leitura da bíblia foi bem seletiva ou há um grave problema de interpretação de texto. Afinal, Jesus é o símbolo do acolhimento, respeito à diversidade e amor sem preconceito.
Seguir o exemplo de Jesus não é nos silenciar e fingir que não existimos ou achar que ‘temos cura’. Seguir Jesus é deixar de ser hipócrita nas atitudes, falso com as famílias e amar com sinceridade.
Olhar o outro e perceber a força das atitudes preconceituosas é seguir o ensinamento cristão. Alguém que já passou uma ceia com uma pessoa LGBTQIA+ já percebeu que normalmente fugimos para o isolamento dos quartos e cantos quando começam as ações ufanistas pela ‘família tradicional? Provavelmente não. É mais fácil fingir que não existimos. É mais fácil nos escamotear. É mais fácil fingir que a família é feliz mesmo quando há bastante podridão nas cinzas da ceia.
A decisão de continuar nesse mar de hipocrisia é só sua. Não seja a tia escrota, o pai negligente ou a prima cruel. Já que Jesus é tão importante para você faça como ele fez: ame incondicionalmente quem foi colocado à margem da sociedade.
Aos LGBTQIA+, se for seguro (afinal, estamos no país onde mais morremos), aconselho que você seja bem viaaaaaaada. Seja você, não abaixe a cabeça e assuma o protagonismo.