Se Caetano Veloso visitasse a Ilha de Boipeba, que compõe o município de Cairu na Bahia, certamente a canção Três Travestis teria outros versos melódicos. Duvido que Caetano resistisse ao charme não de três travestis mas de quatro mulheres trans que vivem à beira do mar da ilha.
Exalando jovialidade, Luma, Gabriela, Samela e Alexia estão bem longe da Paris cantada pelo santamarense mas carregam no olhar a firmeza das que ele cantou em seus versos.
Seus olhares são leves – se carregam apenas no contorno do lápis de olho ou quando falam de suas dores pelo preconceito. Em toda ilha – que neste sábado (7) teve sua primeira parada LGBTQI – são só elas quarto que se entendem como transexuais.
A Ilha de Boipeba, segundo o IBGE, tem uma população de 15.336 habitantes (Censo de 2010).
Alexia Santos, 18 anos, foi a primeira a chegar. Na verdade, ela sempre esteve aqui. Nativa da ilha, decidiu iniciar seu processo de transição de gênero há três anos quando ainda era a única trans na ilha.
” Eu vivo aqui desde sempre. Demorei a ter coragem de me assumir como trans por medo . Não sabia se teria o acolhimento da minha família”, relembra Alexia que é estudante do Ensino Médio.
Apesar de viverem numa ilha, infelizmente, elas estão conectadas justamente pelo medo com tantas outras mulheres trans. Afinal, o Brasil é o país onde mais de mata transexuais do mundo. A expectativa de vida dessa população é, em média , de 35 anos.
“Aqui as pessoas nos tratam bem e com respeito mas como em todo lugar do mundo sempre tem situações de preconceito e transfobia. Lutamos para não virar estatística em qualquer lugar que estamos” , conta Alexia que sonha em ter uma casa para morar sozinha. “Minha família me aceitar a mas quero meu canto”, fala a moça de riso tímido.
A aceitação da família é algo que Luma Oliveira, 22 anos, busca para acalmar seu coração. Natural de Valença (BA), aportou em Boipeba há dois anos.
Somente depois que chegou na ilha que começou a respirar de uma forma que pudesse se sentir livre para assumir para si mesma que era uma mulher trans.
“Demorei muito para me entender como trans. Minha família é evangélica e isso torna as coisas mais difíceis. Há sete meses comecei o processo de transição de gênero e enfrentei muitas barreiras. Perdi até o emprego” , relembra Luma.
Ela foi demitida do restaurante em que trabalhava quando começou a usar roupas ditas femininas. “O pessoal do restaurante não aceitou e me me mandou embora. Fiquei triste mas consegui logo depois um emprego como ajudante de cozinha em outro restaurante da ilha”, conta Luma que com seguiu o emprego na Casinha Latina um dos empreendimentos comerciais da ilha que tem como proprietário uma pessoa LGBT.
Luma quase não sorri. Diz que o sorriso lhe deixa tensa. “O mais difícil para mim é a questão do nome. As pessoas ainda me chamam pelo nome masculino para me agredir. Quero para a minha vida ter mais força para encarar o mundo e não desisti (…) Não é fácil o preconceito. A ilha é receptiva e mais tranquila mas é difícil sair e se sentir segura”.
Há seis meses Luma ganhou como colega de trabalho a super extrovertida Samela Queiroz, de 18 anos. Há um ano ela, que é natural de Valença (BA), desembarcou em Boipeba. Veio para curtir, mas acabou se encantando com a região e com a possibilidade de viver em paz.
Conseguiu emprego, também no restaurante Casinha Latina, como garçonete. “Esse trabalho me faz bem. Sinto que estou tendo uma oportunidade”, reflete Samela.
Ela, contudo, pondera que a situação da transfobia não deixa de circundar a ilha. “Infelizmente eu acho que é igual aos outros lugares. Tem muita xurria dos homens. Eles são muito machistas e preconceituosos”, explica Samela que não deixa isso abater seu bom humor e gosto pela dança – comum às quatro, inclusive!
A irreverência também é a marca da quarta ponte desse quadrilátero de transexuais em Boipeba. Gabriiella Cardim, 20 anos – ou Gabriiella Taila Aiala (chupa chupa e não se entala – veja o vídeo) – tem apenas dois meses morando em Boipeba. Dona do grito de Kiu mais poderoso de Boipeba, Gabriiella desembarcou na cidade com o objetivo de dar um norte na sua vida e se tornar uma mulher bem sucedida.
“Esse é meu grande sonho. Poder dizer que sou uma mulher bem sucedida meu meu trabalho. Hoje, trabalho como cabeleireira e fazendo salgados. Eu quero ser cozinheira ou cabeleireira. Acho que o trabalho é o que vai me deixar forte. Eu demorei para me aceitar, mas, hoje, me aceito e não ligo para o que as pessoas dizem”, diz.
Gabriiella destaca que quando encontrou as outras mulheres sentiu que poderia, na ilha, ter o acolhimento que sempre buscou para se empoderar. “Somos quatro mulheres trans que se fortalecem. Juntas, somos mais fortes”.
*O Me Salte viajou para Boipeba para a I parada do orgulho LGBTQI a convite do Grupo da Diversidade de Boipeba.