Nos últimos anos houve uma explosão da cultura da arte drag queen no mundo especialmente pela presença do programa RuPaul’ Drag Race – reality show comandado pelo ator, produtor e apresentador RuPaul nos Estados Unidos. O programa existe desde 2009 e já revelou dezenas de ótimas drag queen pelo mundo. Mas, neste final de semana, mama Ru deu uma pisada na bola dentro dessa trajetória. Em entrevista ao Guardian, ao ser questionado sobre a futura participação de mulheres e transexuais em seu reality show e RuPaul foi enfático em sua resposta, dizendo que provavelmente não apoiaria a ideia.
“Drag perde o senso de perigo e personificação uma vez que não é feito por homens, porque neste espaço é uma declaração social, é uma cultura de homens gays. Um homem fazer isso realmente é muito radical, pois é uma rejeição da masculinidade por completo”.
Sobre os artistas transgêneros ela disse: “Provavelmente não. Você pode se identificar como mulher e dizer que está fazendo uma transição, o que foi o caso a Peppermint, ela se identificava como uma mulher, mas até deixar o nosso reality ela ainda não havia feito a transição. Isso muda uma vez que você começa mudar seu corpo para aderir de vez o gênero feminino. Nós temos algumas garotas drags que aplicam injeções em seu rosto e até mesmo nas nádegas para parecerem mais femininas, mas isso não significa que estão em uma transição”.
O assunto é polêmico e a opinião da americana vai de encontro aos entendimentos sobre a REPRESENTATIVIDADE dentro da arte drag. Não podemos entender drag como as classificações antigas de que são ‘homens que se vestem de mulher para fazer shows e atividades artísticas’. O mundo mudou e as classificações também precisam acompanhar essas evoluções.
Como bem definiu a Miss Salvador Gay, DesiRée Beck, através das redes sociais: ‘Drag não é gênero… Drag é uma extensão artística de cada persona, independente de gênero, cor, idade, corpo… E não sou eu que tou dizendo isso, mas não temos como calar ou apagar a existência expressiva de tantxs artistas incríveis nessa cena! Drag é resistir”.
Um outro detalhe: RuPaul deve ter esquecido (ou não) que algumas artistas que já passaram pelo seu programa revelaram que não eram gays. Já tiveram participações artistas trans ou como outras expressões de gênero como aponta levantamento feito pelo portal Nlucon – Jiggly Caliente (uma das mais populares do programa) e até mesmo uma campeã: Violet Chachki (genderqueer). Será que a RuPaul esqueceu delas?
Salvador, por exemplo, tem ótimos exemplos que dizem que a mama Ru está equivocada. Sem citar muitos nomes para não ser injusto como dizer para Nágila GoldStar (drag queen vivida pela atriz e estudante de Direito Ingridy Carvalho) que ela não pode ser drag? E Vanusa, que foi a primeira mulher trans a participar de diversos concursos de talentos de arte transformista? Não podemos omitir a existência dessas expressões artísticas.
Essa opinião de RuPaul – que é compartilhada por muita gente também, inclusive pessoas LGBTQIA+ – deixa evidente uma coisa que tem me chamado bastante atenção – especialmente nos últimos tempos – que é o preconceito, machismo e a transfobia dentro da própria comunidade LGBTQIA+. Já bati boca com muito amigo gay que subestima a presença feminina na arte drag acreditando, assim como RuPaul, que esse deve ser um espaço ocupado apenas por homens gays.
Pelo amor de Beyoncé, minha gente, vamos deixar o papel do preconceito e as vozes excludentes para fora do nosso meio. Acho que já temos vozes para nos apontar e discriminar e não precisamos que elas ecoem dentro da nossa comunidade. Se você colocar no Google o termo drag e buscar o significa certamente vai achar dizendo que é uma prática artística feita ‘por homens gays em casas noturnas’. Ora, ora! Essas classificações estão tão ultrapassada quando pensamento de quem acha que drag ‘só pode ser feita por homem’. Inclusive, se você só vê drag pelo computador, saiba que elas não estão apenas nas casas noturnas. Tem muita drag (amém) conquistando espaços que vão além dos guetos. Olha só onde estão Pabllo Vittar, Glória Groove e Aretuza Lovi por exemplo?!
Ouvi um comentário recentemente DE UM HOMEM GAY dizendo que as mulheres cis (que se identificam com o gênero designado ao nascer) ‘poderiam’ atuar com ‘drag’ mas não poderiam dizer que eram drags, que elas deveriam usar outro nome! Há inclusive uma classificação criada para elas serem chamadas de ‘lady queen’. Oi? Criatura, melhore! Imagine só se fossemos pegar os escritos antigos para poder dizer o que poderíamos ou não fazer. Ia ter gente pegando a classificação da Organização Mundial de Saúde que ainda dizia que homossexualidade era na verdade homossexulismo (considerada doença). O mundo muda, cresce e evolue! Vamos mudar, crescer e evoluir juntxs?
Não vou dizer aqui que as mulheres cis e pessoas trans ‘podem’ ser drags. Acho que o termo ‘podem’ denotaria uma permissão que acho que ninguém precisa conceder. Acredito que cada um deve ser o que quiser ser. E, se estamos falando de arte, isso deveria ser mais evidente. Acho que esse pode ser um ponto para cada um refletir, inclusive, sobre as formas de preconceito que existe, persiste e resiste dentro da população LGBTQIA+.
Drag é arte e a arte deve ser livre para todxs! Seja você o que você quiser seja drag se o seu coração mandar!
Solte as plumas e as purpurinas – e manda um vídeo de inscrição para a mama Ru. Nada como o talento para mostrar que ela está equivocada.
Ah, e prepare o lip sync, faça aula de costura e de maquiagem rs 🙂