O reencontro, depois de 27 anos, da diretora baiana Camele Queiroz sua tia Luma, que é uma travesti, é a história que guia o filme com abordagem documental e métodos ficcionais Quarto Camarim. Contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2015-2016, seu lançamento em Salvador acontece nesta terça-feira (27), às 19h, no cinema Saladearte da Ufba, com entrada gratuita.

Antes de chegar ao país, o longa-metragem havia sido projetado somente em festivais internacionais no Canadá (Vancouver), Venezuela (Ilha de Maragarita) e República Dominicana (Santo Domingo).Além de Camele, Fabricio Ramos também assume a direção. Após a sessão, o público participa de debate com Luma e os diretores, com mediação de Djalma Thürler, especialista em gestão e políticas culturais pela Universidade de Girona (ES).

A programação faz parte da temporada 2018 do projeto de difusão da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), e é realizado pelo selo independente Bahiadoc (arte-documento), em parceria com a Multi Planejamento Cultural. O longa já passou por Goiânia (GO), São Luís (MA), Florianópolis (SC) e Belo Horizonte (MG) e ainda irá paraFortaleza (CE), João Pessoa (PB), Porto Alegre (RS), Recife (PE), São Luís (MA), Belém (PA), São Paulo (SP), Natal (RN) e Rio de Janeiro (RJ) – em datas a definir, totalizando 13 capitais.

O filme
Em Quarto Camarim, o próprio cinema media a relação entre Camele e sua tia Luma, que a diretora conheceu, ainda na infância, como do gênero masculino, e que agora é cabelereira e performer. Nesse reencontro, a diretora questiona se essa busca acontece por razões afetivas ou se limita ao objetivo de fazer um filme. O afeto entre ambas vai se manifestando aos poucos, tensionado pelas conversas sinceras.

Narrativamente, as próprias tensões da relação entre sobrinha e tia constituem a estrutura da obra, tendo em vista que Luma, às vésperas de iniciar as filmagens, desiste de participar do filme para depois aceitar novamente. Por isso, na fase inicial do longa, essas tensões se revelam na forma de lacunas e buscas paralelas da diretora, diante da ausência da tia.

À medida que a narrativa avança, entretanto, assume uma crescente e sutil afetividade que se revela nas opções estéticas de Camele. O filme adquire, então, outros contornos dramáticos e estéticos, pondo em diálogo as representações da memória da diretora sobre o tio com a personalidade de Luma, e encantando-se com a sua performance íntima e seu caráter firme e nômade.

“Luma conta que foi, se não a primeira, uma das primeiras travestis a usar saia nas ruas de Feira de Santana (BA), árida em vários sentidos, geográficos e simbólicos, mas mesmo assim, uma cidade que teve momentos culturais marcantes, especialmente no campo da poesia e do cinema”, fala Camele.

Com isso, a diretora conta que, metaforicamente, viu Luma reunir a resistência e aridez do local com a vivacidade que marca a cidade em que nasceu e cresceu. “Para mim, ela se tornou um exemplo de coragem, que acabou por me inspirar por conta de sua forma de encarar as mudanças e os desafios da vida, mesmo os mais difíceis, sempre com altivez e confiança.”

“Fazer o filme me transformou. Talvez tenha transformado também a Luma, em algum aspecto, eu creio firmemente que sim”, revela Camele, que acredita essa ter sido uma de suas experiências mais marcantes e intensas, principalmente do ponto de vista da relação entre obra e vida. Quarto Camarim é uma obra que mostra um reencontro entre duas sensibilidades, de diferentes gerações e vivências.

“O fato de Luma ser travesti traz à tona dimensões sociais e políticas complexas no campo da sexualidade, das diferenças de classe, dos afetos familiares, do preconceito violento e de questões de gênero”, afirma. “Porém, a abordagem escolhida por mim e por Fabricio Ramos se situa no limite das relações entre estética e política, propõe ao espectador uma experiência cujo sentido e importância ele mesmo deverá procurar.”

“Preferimos não estabelecer de antemão ou julgar a importância que o tema do filme evoca, mas temos consciência de que, por um lado, a força dramática dele reside no fato de Luma ser travesti e ser minha tia, mas por outro, essa força vem também da expressão pessoal de minhas inquietações e das escolhas formais às quais eu recorro para expressá-las, nublando as fronteiras entre a vida e a arte, entre o documentário e a ficção, entre o fato e a memória.”

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