Em quem você deu o último abraço sincero e com compaixão? Tente responder essa pergunta para você mesmo e perceba o quão é difícil sair das falas de redes sociais e por em prática o famoso ‘amor ao próximo’. Nas últimas duas semanas quando o médico Drauzio Varella – durante uma entrevista ao Fantástico – deu um abraço na detenta transexual Suzy, que alegou que estava presa desde 2012 sem receber visitas.

Desde então o Brasil se dividiu entre aqueles que se sensibilizaram pela detenta e os que ignoraram. Ontem, depois que o site O Antagonista, divulgou que Suzy havia sido presa por estuprar e matar um menino de 9 anos tudo virou. A rede de solidariedade que se formou em prol do acolhimento de Suzy ruiu. ” Atenção para a PAUSA da “solidão”. Merecia sentença de morte. Isso sim”, escreveu uma usuária do Twitter.

O apedrejamento virtual sobrou até para o médico Drauzio, que tem um trabalho social de décadas com presos. Não vou entrar no mérito do crime que Suzy foi condenada e pelo qual está presa. Afinal, está presa. Foi julgada, condenada e está cumprindo pena pela lei vigente no país.

Mas fiquei refletindo sobre o quanto esse linchamento virtual seria diferente caso Suzy não se identificasse com uma mulher transexual. Será que se Drauzio abraçasse um homem branco – hetero – condenado por homicídio teríamos o mesmo rebu? Duvido!

Leia também: O crime de Suzy não foi estuprar e matar o menino

Pela lei dos ‘juízes das redes sociais’ ser presa é pouco para Suzy. A divulgação do seu nome de registro civil, por exemplo, tem sido feita de forma intensa – inclusive por sites e jornais. A partir do momento que foram divulgados seus crimes a compaixão virou ódio. O tribunal da internet começou a fazer um levante de violências contra ela – inclusive, quanto à sua identidade de gênero. Vale destacar aqui que um crime não anula o outro.

Não, não estou passando pano para ‘bandidxs’. Acredito nas leis e acho que quem cometeu crimes tem que cumprir penas. Tive, entre os anos de 2003 e 2005, a oportunidade jornalística de passar dois anos produzindo um documentário dentro do Conjunto Penal Feminino. Conversei com muitas mulheres – heteros, lésbicas e trans – e até hoje sempre reflito sobre a solidão que elas viviam.

Aquelas dos crimes de menor grau ofensivo acabam tendo mais tranquilidade no cumprimento das suas penas. As presas de crimes hediondos – especialmente contra crianças – vivem no cárcere um calvário. É o que Suzy vive, certamente. As leis da cadeia são muito mais severas. Mas será que essas pessoas não merecem compaixão? Vi, nos últimos dias, muitos relatos e postagens de pessoas que se dizem religiosas e seguidoras do Cristianismo condenando essas pessoas à morte.

Pelo que conheço de história e religiões Jesus Cristo não tinha esse perfil de comportamento. Quantos abraços em bandidos e criminosos Cristo deu? Não creio que ele tenha sido seletivo na sua compaixão.

O caso de Suzy, creio eu, revela uma outra vertente nessa compaixão: o fato dela ser uma mulher trans, que não se identifica com o sexo biológico atribuído no nascimento.

O goleiro Bruno, condenado pela morte de Elisa Samúdio, saiu da cadeia com status de celebridade. Ela foi esquartejada e devorada por cachorros. Quando ele saiu da cadeia tinha até fã clube. Será que haveria comoção diante um abraço de Drauzio Varella nele? E Guilherme de Pádua, que foi condenado pelo assassinato da atriz Daniella Pérez? Hoje, tem milhares de seguidores nas redes sociais. É um digital influencer. Creia!

Será que ser homem é o único critério capaz de despertar a compaixão? Suzy não merece essa compaixão só por ser transexual? O Brasil culturalmente é preconceituoso com as pessoas trans. O abraço de Drauzio em Suzy deixou isso evidente. Será que temos a mesma raiva quando um político elogia um criminoso? Vamos pensar nisso?

Por meio de uma carta, divulgada pela advogada dela, Bruna Castro, Suzi afirmou ter ciência de seus atos e que está pagando por eles. “Errei, sim, e estou pagando cada dia — cada hora e cada minuto aqui neste lugar. Antes, não tive essa oportunidade, agora eu estou tendo. Apenas quero pedir perdão pelo meu erro no passado”, escreveu.  Será que ela merece perdão? Ou por ser trans está fadada ao condenamento eterno?

Vamos fazer um exercício? Esqueça, agora, Drauzio e Suzy. Te pergunto: quantas pessoas trans você já abraçou na vida? Quantas pessoas travestis já foram dignas de seu apoio? Você já teve empatia com uma mulher trans em algum momento da sua vida? Se você, sinceramente, respondeu negativamente para alguma dessas perguntas precisa parar e pensar. A compaixão não deve ser seletiva se você quer ser um ser humano melhor de verdade – e não somente nos posts nas redes sociais.

10 de março de 2020

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