Por Bruno Brasil, de Madrid*
“Todas as pessoas são bem vindas, mas lembre-se que você é um convidado da comunidade gay. Se não vai se sentir confortável com isso, não entre”. Encontrei esse aviso na porta de uma boate em Madrid, mas ele poderia estar tranquilamente estampado no aeroporto da capital espanhola durante o último mês.
No início de julho, Madrid foi sede da World Pride, a Parada Gay Mundial. Segundo estimativas da prefeitura, a capital espanhola recebeu 2,2 milhões de pessoas na semana da Pride – entre 23 de junho e 2 de julho – e 1,4 milhão na manifestação do dia 1º de julho. Apesar da superlotação na cidade, o dado que mais chama a atenção é o da polícia: durante todos os dez dias do evento, foi registrada apenas UMA denúncia por LGBTIfobia.
A World Pride em Madrid foi um evento histórico para toda a comunidade LGBTI, superada talvez e apenas pela icônica noite de Stonewall, quando as drags, prostitutas, trans e gays afeminados, cansados da violência policial, resolveram reagir e encurralaram os oficiais dentro do estabelecimento símbolo da liberdade sexual. Em 2019, 50 anos depois da libertária noite, Stonewall será novamente palco de um movimento histórico quando Nova York sediará a próxima World Pride.
Dinheiro e lágrimas
Para quem saiu do Brasil, o país em que se mata mais homossexuais no mundo e pisou em Madrid no último mês foi impossível não chorar. Os panfletos entregues no aeroporto e o público nos trechos do metrô já indicavam o que me aguardava. “Ame a quien te ames, Madrid te quieres”, era o lema oficial. Durante todo o mês de junho, a cidade vestiu – literalmente – as cores da Pride. A bandeira do arco-íris podia ser encontrada nos locais mais remotos e inimagináveis. Nas padarias, restaurantes, lojas de roupas, bebidas… Na falta de criatividade para decorar bolos ou estampar bebidas, a solução era simples: uma bandeira gay na entrada da loja ou no caixa indicava que ali qualquer um seria bem vindo.
Enquanto no Brasil a parada LGBTQI sobrevive em pernas bambas com comerciantes se negando a receber dinheiro de um público disposto a gastar, todo o comércio de Madrid se adaptou para disputar o pink money. Apenas nos eventos oficiais da World Pride, foi deixado nada menos do que 115 milhões de euros na cidade – aproximadamente R$ 437 milhões. As cifras superam, por exemplo, o faturamento do turismo no Carnaval de Salvador (em torno de R$ 310 milhões). Vale ressaltar que nessa conta não entra todo o dinheiro gasto nas lojas de roupa que entraram em ‘rebaja’ – a disputada liquidação semestral – durante as datas da Pride.
No meio de todo aquela celebração do orgulho e contra a violência, ao ver as ruas cheias de famílias de todas as possibilidades, meu pensamento foi direto para Itamar Ferreira Souza, meu colega de faculdade, brutalmente assassinado na Praça do Campo Grande, em Salvador, vítima de homofobia. Depois da morte, outra violência: na imprensa, o assassinato de Itamar foi atribuído ao fato dele ter buscado sexo grupal com seus algozes.
Cruising
Em Madrid, um dos símbolos da liberdade sexual é, talvez, os bares de cruising. Para os desavisados, um bar de cruising é um local para beber e fazer sexo no próprio bar. Na entrada, um local como outro qualquer – exceto, talvez, pelos olhares mais vorazes. Mas é só atravessar todo o balcão, passar por uma fina cortina e já é possível ouvir e ver o real motivo de todos estarem ali, juntos ou não. E se engana quem pensa que esses bares fazem parte da cena underground da cidade. As propagandas estão nos jornais, revistas, metrô e o maior deles ocupa duas esquinas de um dos principais bairros turísticos de Madrid: a Chueca.
Aos que narrei a experiência, duas reações: a vontade de conhecer e / ou o escândalo pela “libertinagem”. Mas qual é a diferença entre um bar de cruising e os inúmeros ‘puteiros’ espalhados pela cidade com outdoors estampando uma nova garota na semana? A resposta é simples: a orientação sexual de quem frequenta. Enquanto aos heteros tudo é permitido; aos gays resta uma histórica carga de preconceito e discriminação pelo mesmo comportamento.
Se nos libertássemos dos nossos falsos pudores e moralismos, talvez Itamar, a travesti Dandara e os outros 340 LGBTI’s mortos no ano passado pudessem ter presenciado esse momento histórico vivido em Madrid e, assim como eu, terem se emocionado com o simples fato de poder ser quem você é, sem vergonha e sem medos.
* Bruno Brasil é jornalista e escreveu esse texto para o Me Salte depois de sua temporada em terras espanholas.
Veja abaixo alguns cliques que Bruno fez durante a viagem>>>