Por Clarissa Pacheco (clarissa.pacheco@redebahia.com.br)
“O problema do feminismo é que tem muita lésbica no meio”. É claro que essa pérola não é minha. Mas, anda circulando por aí em bocas que se enchem para dizer que não são preconceituosas, nem homofóbicas, nem lesbofóficas, transfóbicas, machistas, misóginas, racistas, mas… Tem sempre um ‘mas’ para mostrar toda a contradição do discurso.
O problema do feminismo é que tem muita mulher no meio. Se a frase fosse dita assim, será que o absurdo seria mais evidente? Ou o absurdo virou um negócio tão abstrato na atual conjuntura que dá até desânimo em pensar no que se encaixa ou não nesse referencial?
Esse é um texto cheio de perguntas, mesmo. Perguntas que talvez tenham respostas prontas para muita gente, mas que para outras, especialmente para as pessoas que sofrem com o preconceito, a LGBTfobia, o racismo e todas essas atrocidades que nunca caíram de moda, acabam entaladas na garganta.
Às vezes, falta resposta para uma afirmação tosca e mesquinha como essa que eu abro o texto simplesmente porque não vale a pena. Em outros casos, não há resposta porque quem vive a dor do preconceito tem medo de se defender. É que hoje, a arma do cidadão de bem não é o argumento. É uma arma mesmo, literalmente, pronta para disparar. É o ódio que machuca, que cala.
Para cada ser humano ‘livre de preconceito’ (Ave Maria!) que abre a boca para dizer que o problema do feminismo é que tem muita lésbica no meio, convido a pensar na mesma frase com outros sujeitos:
– O problema da luta contra o racismo é que tem muito negro no meio.
– O problema do orgulho hétero é que tem muito hétero no mundo.
– O problema do Japão é porque lá tem japonês por lá. E a China, então?
– O problema da Igreja é que tem muito padre.
– O problema da medicina é que tem muito médico.
– O problema da escola é que tem muito professor…
E por aí vai. Percebe o absurdo? O tipo de gente que se incomoda com a quantidade de lésbicas no feminismo é o mesmo que acha que lésbicas só existem por falta de homem. Talvez seja a mesma espécie que acha que uma mulher assume o risco de ser estuprada ao sair com um cara. Ou que merece ser violentada pelo tamanho da saia. Ou que a moça que foi esfaqueada 69 vezes tinha mais é que morrer mesmo, porque se envolve com esse tipo de homem.
O argumento anti-lésbicas é misógino e cruel, é bizarro, é nojento, porque ao mesmo tempo ainda se acha no direito de não classificar lésbicas como mulheres. E a gente é o que, então? Esse tipo de argumento, se é que dá para chamar assim, vem, com certeza, do tipo de gente que acha que mulher só o é se for cis. É o argumento Gabriela: “Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim…”.
Então, amor, não. O problema do feminismo não é a mulher. Deus (Vera Holtz) bem disse outro dia que o feminismo é a luz desse mundo obscuro. E o problema desse mundo obscuro é ter gente demais alimentada por ódio.
Mas, não. Não vou pedir para me tirarem desse mundo, porque a gente tá aqui pra lutar, mesmo.
Salvador, 18 de março de 2019, dia 77 do ano 1 da resistência.