Bruno Wendel

Por cinco anos, o aluno do bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade Igor Leonardo de Santana Torres, 24 anos, subiu e desceu a escadaria da Avenida Edna, no bairro do Nordeste de Amaralina. Os 50 degraus levaram o rapaz para além dos muros da Universidade Federal da Bahia (Ufba): Igor passou seis meses no Canadá para fazer um comparativo entres os movimentos LGBTQ de Montreal e de Salvador. O resultado será apresentado como trabalho de conclusão de curso – ele ainda tem a proeza de falar fluente os idiomas francês e italiano e arranha no inglês.

Com todas essas qualidades, Igor se tornou motivo de orgulho no bairro. E para eternizar a conquista e motivar outros jovens, os vizinhos resolveram pintar, nesse domingo (11), a escadaria nas cores da bandeira do arco-íris, símbolo do orgulho lésbico, gay, bissexual e transgênero (LGBT) e movimentos sociais LGBT desde a década de 1970. Igor é gay. 

“Estou muito feliz com tudo isso. Espero que outros jovens também consigam seus objetivos, que cada degrau desse colorido simbolize a escada dos sonhos de cada um”, disse ele nessa segunda-feira (12).

A ideia de pintar a escadaria surgiu com a mãe de Igor, a salgadeira Sidneia Ferreira Santana, 43, e, posteriormente, abraçada pelos vizinhos, que somam 17 famílias. “A escadaria tinha acabado de ser reformada, mas estava sem vida, cinza, na cor do cimento. Então, tive a ideia de pôr cores e, como tudo mundo aqui é unido, cada um foi contribuindo com o que podia. Estou até agora tirando tinta do corpo”, disse Sidneia.

Igor é o único filho de Sidneia. “Ele é tudo pra mim. Agradeço a Deus todos os dias por ter o privilégio de ser mãe dele”, declarou.

A pintura começou por volta das 6h de domingo, com o som que vinha da casa de seu Adilson Andrade, 54, o DJ da vizinhança. “Primeiro comecei com algumas músicas evangélicas, para abrir os caminhos. Depois foi à gosto do freguês: lambada, seresta, samba, reggae e por aí vai”, disse ele.

Embalados, os moradores primeiro limparam a escadaria. “Depois decidimos as cores e a forma de pintar. Tudo isso é válido. Não sou formada e ele é um incentivo para os jovens estudarem e se formarem”, declarou Rosana Cores Rosa, 31, filha do padrasto de Igor.

Enquanto uma parte da turma caprichava na pintura, outra parte cuidava para alimentar o batalhão. Como na Rua Edna residem três mulheres boas de fogão, entre elas a mãe Sidneia, coube a elas a tarefa de alimentar todos. O feijão de dona Angélica Oliveira de Conceição, 62, deu o que falar: “Sou suspeita, mas todo mundo repetiu. Foi feito com muito amor, porque cada vizinho deu uma coisa e ficou uma delícia”, afirmou. 

Além do feijão, teve churrasquinho, salgados e cerveja. Foi um dia de festa. “Foi muito bonito e meu neto merece. Aqui somos todos unidos. A dor de um é de todos, assim como a felicidade de um de nós é compartilhada para todos”, pontuou a avó materna de Igor, Maria de Lurdes Santana, 68.

Pouco depois das 19h, estava tudo pintado. A vizinha Érica Nunes, 31, foi uma das pessoas que deram o sangue, literalmente, para homenagear Igor. “De tanto subir e descer essa escadaria atrás de tinta e dinheiro para outras coisas, pisei em falso em um dos degraus e caí. Mas já está tudo bem”, disse ela, exibindo os ferimentos no joelho e no pé.

No dia 3 de novembro, Igor vai apresentar na Ufba o projeto “Conflitos e Ação Política nos Movimentos LGBTQ de Montreal e Salvador/Bahia”, orientado pelo antropólogo e professor Felipe Bruno Martins Fernandes. A defesa será virtual, e um telão será montado na escadaria. “Se anteontem [domingo] foi babado, no dia, vai ser uma fechação só”, avisou Sidneia.

14 de outubro de 2020

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