Por Raquel Saraiva, especial para o Me Salte
O dia 29 de janeiro celebra o Dia da Visibilidade Trans. A data marca quando transsexuais e travestis foram recebidas no Congresso Nacional, em 2004, para reivindicar igualdade de cidadania. Nesta segunda-feira, militantes LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) entregaram ao Ministério Público Estadual (MPE) um dossiê com dados de violência praticados contra essa população no estado. O dossiê mostra que 25 travestis e transexuais (trans) foram assassinadas na Bahia em 15 municípios entre 2015 e 2017, uma média de um assassinato a cada 44 dias.
“Entregamos o dossiê do Grupo Gay da Bahia (GGB) ao MPE para daí eles poderem cobrar, através dos delegados e promotores dos municípios, ações efetivas com base nos dados da violência contra a população LGBT dos últimos 3 anos nos municípios baianos. Foi histórico o MP abrir as portas para gente”, diz Millena Passos.
O relatório, disponível na internet, mostra que o número de homicídios aumentou nos últimos 3 anos. Em 2015, 5 trans foram mortas em 2015; o número aumentou para 9 em 2016 e pulou para 11 em 2017. Nesse quadro de vítimas de 2017 está o homem trans Têu Nascimento (foto), morto em maio.
Mortes
Ainda segundo dados do GGB, diversas trans sofreram morte violenta e tiveram os corpos desfigurados. A Bahia repete o mesmo padrão nacional de ‘lgbtcídios’: 72% das vítimas do estado foram mortas a tiros.
“O aumento tem sido constante nos últimos 38 anos, desde que o GGB começou a divulgar essas informações. Em parte porque a violência no Brasil aumentou de maneira geral e por causa da reação dos violenta à maior visibilidade LGBT na sociedade em geral”, diz Luiz Mott, fundador do GGB. No total, 35 pessoas morreram na Bahia vítimas da homotransfobia em 2017.
Os crimes de ódio, como os que são motivados pela transfobia, geralmente têm um excesso de violência diferente do usual nos crimes comuns. “Às vezes o ódio se manifesta pela violência como o latrocida agride a vítima. Não apenas se mata o indivíduo, mas também a sua condição de negro, de gay, de trans, porque se tem ódio dessas minorias”, explica Mott.
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Desde a fundação do movimento, a criminalização da homotransfobia é a grande luta do movimento LGBT+. “A gente depende da boa vontade do policial ou do juiz para considerar crime ou não a agressão a um gay”.
Trabalho
Millena foi a primeira mulher trans do Brasil a prestar serviço em uma Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). E não é só no serviço público que faltam empregos para travestis e trans. “Aproximadamente 90% dos travestis e trans trabalham com prostituição por falta de outras alternativas”, explica Luiz Mott.
A educadora social e estudante de Direito Paulett Furacão, 30 anos, ressalta que a pressão é grande. “Sabemos como é difícil estar no mercado de trabalho – e para as trans as expectativas são ainda menores, as pessoas te tratam como incapaz. Eu doou muito mais de mim no trabalho, porque é uma responsabilidade muito grande: não posso falhar porque represento meu segmento e estou doando minha vida para quem vai chegar depois”, conta.
Paulett diz ainda que é acolhida pela família e vizinhos de Amaralina e revela o que mais a deprime. “É a transfobia que sofro diariamente. São violências sutis, como todos olhando para mim na fila da biometria. Elas mexem com o psicológico e às vezes fazem mais mal que a violência física. Por isso que a maioria das trans já pensou em suicídio. Mas continuamos na luta”.
E ela dá uma dica: se você não souber como se referir a uma pessoa trans, perguntar não ofende. “O que me incomoda bastante é a insistência de chamar pelo masculino, não reconhecer meu gênero. Temos caminhos para evitar o constrangimento e a violência: é sempre respeitando e aprendendo com o diferente”.
Perguntada sobre como é ser trans na Bahia, Paulette Furacão não hesita. “É sufocante. Você pede diariamente para respirar e não consegue encher os pulmões e relaxar. E isso vale para todo o Brasil”, lamenta.
Dados
Foram registrados assassinatos de trans em 15 municípios. Salvador concentra o maior número, seis mortes, seguida de Lauro de Freitas e Feira de Santana com três cada, Itabuna com dois e um assassinato em Porto Seguro, Valente, Cachoeira, Sitio do Quinto, Conceição do Jacuipe, Luiz Eduardo Magalhães, Teixeira de Freitas, Senhor do Bonfim, Ipiaú, Itapebi e Vitória da Conquista.
Millena ressalta ainda a questão racial envolvida na transfobia. “A carne que mais sangra é a carne negra. As trans mais vulnerável ainda é a trans negra”. Segundo o GGB, cerca de ⅔ das vítimas em 2017 eram negras (pardas e pretas).
Dentre as trans mortas, as mais jovens tinham 16 anos e a mais velha, 41. Quatro eram menores de idade, quase a metade tinha entre 22 e 29 anos e cinco passavam dos 30 anos. A idade média de vida das vítimas baianas é 26 anos, inferior à média nacional, de 35 anos.
“Eu sou sobrevivente, tenho 40 e poucos anos. É muito difícil ser trans baiana e chegar à casa dos 35, por várias vulnerabilidades, como o preconceito, racismo, sexismo e transfobia”, diz Millena.
Discriminação
Mott explica que a luta é para que pessoas do movimento LGBT não continuem sendo consideradas cidadãs de segunda classe diante da lei. “A população de pessoas travestis e trans constituem uma das minorias mais discriminadas na sociedade. Nós não queremos privilégios. Queremos direitos iguais, nem menos ou mais”.
Se ligue!
Dia 29/01 – Dia da Visibilidade Trans
Dia 17/05 – Dia Internacional Contra a Homofobia
Dia 28/06 – Dia Internacional do Orgulho LGBT+
Dia 29/08 – Dia Nacional da Visibilidade Lésbica