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24 de julho de 2018
‘Cu é lindo me faz sair do pecado’, diz autor de polêmica exposição
24 de julho de 2018

O que eu vi na polêmica exposição Cu é Lindo

Após fechar as portas por conta de uma manifestação convocada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) contra a exposição Cu é Lindo, assinada por Kleper Reis, no último sábado (21), o Goethe-Institut (Instituto Cultural Brasil Alemanha – Icba), localizado no Corredor da Vitória, abriu as portas normalmente nesta segunda (23). Quando cheguei lá, por volta das 11h, o movimento era fraco. “A gente recebe mais gente entre 17h e 21h. É a hora que as pessoas saem do trabalho”, me disse o diretor do Icba, Manfred Stoffl.

Entrando no casarão amarelo, logo à direita, está a mostra. Um letreiro preto com a frase “Cu é Lindo”, em rosa choque, anuncia a sala da exposição, que faz parte do Devires – projeto artístico que propõe um exercício de desnaturalização das relações sociais relacionadas a sexualidades, gênero, visualidade, raça e poder.

(Foto: Taylla de Paula/Divulgação)(Foto: Taylla de Paula/Divulgação)

Além do nome, em letras garrafais, uma cortina com fuxicos coloridos abre alas para a instalação gratuita do artista de 36 anos, que começou no dia 12 deste mês e segue até dia 12 de agosto. As portas brancas abrem feito janelas, convidando o público a adentrarem naquele universo público-particular. Cheia de fotografias, desenhos, mensagens, colagens e frases, a primeira impressão que tive foi que havia muita informação. Fiquei perdida. Até no chão tinham papéis espalhados e, no centro, garrafas de vidro quebradas e missangas de colares.

(Foto: Taylla de Paula)

(Foto: Taylla de Paula)

Uma monitora, porém, me guiou: “Comece por aqui”, instruiu, acrescentando que poderia lhe perguntar se tivesse qualquer dúvida ao longo do processo. Fiz, então, o caminho no sentido horário. Percebi, ali, que precisaria seguir uma narrativa. Talvez, se tivesse começado por outro ponto qualquer, não entenderia o caminho percorrido pelo artista.

O primeiro conjunto de fotos, à esquerda, mostra um pouco da infância dele. “Juventude adormecida”, escreveu, ao lado das imagens. Apresenta, nesse início, o contexto de sua obra. Filho de militar, ele nasceu no município de Corumbá, Mato Grosso do Sul. Negro e gay, Kleper sofreu muitas discriminações e violências por conta da sua orientação sexual.

Chama atenção a divisão da história em capítulos e versículos – como na bíblia. Dá para perceber, então, uma clara crítica a fundamentos religiosos radicais e posicionamentos conservadores. A partir daí, mais fotos, cartazes e frases compõem a exposição. Estão aí seus primeiros trabalhos, em que já ressignificava o corpo nu.

As fotos de ferramentas, como martelo e chave de fenda, introduzidas no cu – que vieram logo depois – não chocaram. A sensação que passa é que aquilo me pareceu muito pequeno, perto do que ele passou – as fotos foram feitas como resposta à uma série de violências físicas que o artista sofreu entre 2012 e 2017. A dor era outra.

Entre um desenho e outro, Boletins de Ocorrência (BO) revelam algumas das situações que ele vivenciou. Todos crimes de origem homofóbica. Doeu muito mais, pensei. Com lágrimas nos olhos, me dei conta que os papéis espalhados pelo chão eram todos de denúncias de crimes de origem homofóbica. Como não olhei antes? Me questionei. “O buraco é muito mais embaixo”, ecoou em minha mente.

Depois, também há frases religiosas e até um ebó. Fotos dele praticando yoga se misturam com espelhos, que nos fazem questionar sobre o nosso papel diante disso tudo: “Voltar ao passado para ressignificar o presente e o futuro”, li, ali no meio. A essa altura, os pênis e ‘cus’, que aparecem em outras cenas de formas mais discretas, já estão mais que naturalizados. Nem mesmo uma animação, com várias pessoas mostrando o ânus, em uma TV grande, chocou.

Uma foto maior – dele usando um facão apoiado no ânus – talvez seja a que mais impressiona. Uma flor, no mesmo cu, em outra imagem, bem perto, ressignifica o papel do ânus. “Tudo isso faz parte do processo de cura”, me disse a monitora, que pontuava informações importantes ao longo da minha jornada.

Mais adiante, um conjunto de fotos com a frase “Cu é lindo” mostra as proporções que esse movimento tomou. Segundo a monitora, boa parte delas foram enviadas para ele por pessoas que também se apropriaram daquela luta. Ou seja: ele não está só. Juntas, as fotos formam uma lágrima. Terremoto de resistência?

(Foto: Taylla de Paula)

(Foto: Taylla de Paula)

As fotos que finalizam esse processo envolvem o artista e um parceiro. Eles se abraçam, dormem juntos e se amam. “Cu é cura”, escreveu. Naquele momento, tudo me pareceu o fim de um grande desabafo cheio de significados e metáforas. Ao mesmo tempo em que questiona padrões e tabus da sociedade – como a repulsa ao corpo nu e a associação do cu a algo ruim ou sujo – Kleper expõe a emoção de lidar com a censura, as memórias das violências e dos espancamentos sofridos. Também mostra as discriminações e os preconceitos sociais, as imagens do inconsciente por meio da arte.

Assim como ocorreu com outras exposições de cunho artístico reflexivo sexual, tanto em Salvador quanto em outras cidades brasileiras nas mostras La Bête e Queermuseu, Cu é Lindo – que discute justamente a liberdade da diversidade de corpos existentes – está dando o que falar, seja pelo seu título polêmico ou pelas imagens, que retratam de forma crua o corpo humano.

“Ninguém é obrigado a ver a exposição”, destacou Manfred. Como amplamente divulgado nos canais da mostra, nas comunicações sobre ela e no local, a mostra tem classificação indicativa de 18 anos. Só na porta, são quatro avisos quanto ao cunho do trabalho.

(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Logo na saída, encontrei a agente de saúde Danusa Sousa, 47. Apesar de garantir que não acha ânus, em geral, bonitos, ela disse que achou a exposição interessante. “Ouvi na rádio, estava passando aqui perto e resolvi parar para ver. Não vi nada demais. Talvez, para uma família tradicional, seja chocante, porque entra em questões de tradição e nos padrões e tabus, que estamos acostumados. Desde pequenos a gente vê o negócio como algo sujo, feio e até o próprio sexo como algo sem pudos”, destacou.

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Denusa achou a exposição interessante; foi por conta da polêmica que ela ficou sabendo da mostra (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Wemerson Prazeres, 23, estudante de artes visuais, por sua vez, chegou assim que eu estava saindo, por volta de 12h20. “Vim porque sei que é uma afronta. Ultimamente, com o cenário atual conservador, é preciso falar sobre o nosso corpo e questionar padrões. Essa exposição é apenas um pequeno passo pra gente avançar”, opinou.

(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Ao contrário do que muita gente tem espalhado por aí, Cu é Lindo não tem apoio financeiro direto a ela. Segundo o Goethe, o custo total é de R$ 1 mil, incluindo frete de transporte, impressões, materiais, montagem e desmontagem da exposição, o que representa 0,7% do investimento total do projeto Devires.

Mas, enquanto jornalista, ressalto que, enquanto a arte não mexer com sua liberdade e com seus direitos individuais, ela é legítima. Importante ressaltar também que cada indivíduo faz do cu o que bem entende. Vale a reflexão: que tal olhar para o cu de forma menos pejorativa e mais natural?

Em nota, o Goethe-Institut ressalta que o projeto propõe um exercício de desnaturalização das relações entre sexo, gênero, visualidade, raça e poder: “Em nenhum momento foi intenção do projeto ou do Instituto ofender. Respeitamos todas as crenças, manifestações e liberdade de expressão. O Goethe-Institut, como instituição cultural presente em mais de 90 países, dialoga intensamente com as sociedades locais e fomenta o debate, participação e atuação artística e cultural. Lamentamos manifestações que incitem o ódio e as ameaças à liberdade de expressão. Continuaremos com nossos esforços de incentivo à discussão e ao intercâmbio entre culturas, visões artísticas e diferentes formas do pensar. Continuamos a acreditar que a melhor forma de lutar contra a intolerância é a educação e a promoção do diálogo”, afirmou o Icba, por nota.

Devires
Devires é um projeto artístico que propõe um exercício de desnaturalização das relações sociais relacionadas a sexualidades, gênero, visualidade, raça e poder. Reunindo artistas da Bahia, de outros estados e de fora do país, o evento apresenta performances, exposição, mesas de debate, oficinas e outras atividades correlatas, na abordagem de questões que censuram a liberdade da diversidade de corpos existentes. Devires acontece em três etapas: de 12 a 17 de julho, de 9 a 11 de agosto e de 27 a 29 de setembro, no Goethe-Institut Salvador-Bahia.

Contemplado pelo Edital de Dinamização de Espaços Culturais, tendo apoio financeiro do Estado da Bahia, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura da Bahia, “Devires” tem orçamento total, para todas suas etapas, trabalhos artísticos e infraestrutura, de R$ 131 mil, conforme aprovado no edital público, mecanismo democrático de fomento a práticas artístico-culturais de toda a Bahia.

Em sua primeira edição, a mostra teve início no dia 12 de julho e segue com diversas atividades em Salvador até o dia 12 de agosto, das 9h às 19h, com entrada gratuita e com classificação de 18 anos.

(Foto: Taylla de Paula/Divulgação)

(Foto: Taylla de Paula/Divulgação)

Naiana Ribeiro
Naiana Ribeiro
A jornalista ama Beyoncé, música pop, e é editora da PLUS, a primeira revista para gordas do país. Segue no Insta: @itsnaiana

23 Comentários

  1. Fábio disse:

    Eu irei ver com certeza. Não sei dos outros, mas, o meu cu é mesmo lindo. Eu já vi no espelho.

  2. Bruna Silveira disse:

    A repórter escreve mal à beça, valha-me, senhor. É um tal de “por conta” pra lá, “por conta” pra lá —“por conta” nada tem a ver com “por causa— e palavras repetidas no mesmo período. Querida, leia, leia, leia, pra melhorar esse repertório. Sobre o tema da mostra, que a militância insiste em empurrar goela abaixo da sociedade, custe o que custar, sem comentários. Querem a polêmica pela polêmica. E só! Sem mais!

  3. Joel Ramos Stramar disse:

    O que e arte? O que e belo? Falar em anus e fisiologia. Falar em cu e pornografia. Nascemos com orgaos especificos para relacoes sexuais para procriacao e complemento de afeto e desejo. Cu e sinonimo de cloaca. A existencia humana so pode ser harmoniosa se for orientada por padroes e valores, senao ficaria comparada a vida de animais orientados por instintos.

  4. Kleiber disse:

    O nome do Artista responsável pela exposição Cú é Lindo se chama Kleper Reis e não KepLEr.

  5. Kleiber disse:

    KLEPER REIS

  6. Kleiber disse:

    O nome do artista responsável pela criação de CÚ É LINDO, se chama

    KLEPER REIS

    e não Kepler.

  7. Gleide disse:

    O que dizer ? Falta o que mais para vermos nessa sociedade onde temos de engolir certos absurdos? Não somos obrigados a tolerar lixo .

  8. Vinícius disse:

    Meu deus, que bela de uma merda hein? Eu pouco me fodo para o que vocês querem chamar de arte, sério mesmo, podem até enfiarem uma televisão de tubo no cú que eu não ligo. Mas a partir do momento em que se utiliza 130 mil reais do bolso das pessoas afim de questionar os valores do cú, enquanto nos hospitais públicos falta gaze, é ai que eu fico revoltado. Talvez – no linguajar de vocês – eu seja um conservador de extrema-direita fascista.

  9. Vinícius disse:

    O cú é tão importante para vocês, que esqueceram de usar o cérebro.

    • Ainda, comentando sobre “o cu é lindo”, a interpretação dessa expressão não é meramente literal como se pensa com “simplismo”, mas para chamar a atenção da sociedade para os maus tratos e incompreensões sobre o comportamento dos homossexuais. Se queremos igualdade de direitos devemos respeitar o direito das minorias.

  10. Templário Astuto disse:

    Eu estou pouco me lixando pra questão se é arte, cú, ou qualquer coisa, a questão é :
    130 mil reais investido de dinheiro público, pra uma “exposição artística” com fotos, garrafas quebradas, espelhos, missangas e outras fuleragens que não vale 10 reais.. que porra é essa?!

  11. Claudio disse:

    Não sou a favor de ninguém sair mostrando foto de cu mais saibam que essa exposição não têm verbas do governo da Bahia ou algum apoio político se informem as redes sociais estão na palma da mão de todos com vários tipos de informações

  12. […] “Cu é lindo”, assinada por Kleper Reis, é destaque dentro da mostra “Devires”, projeto artístico que propõe um exercício de desnaturalização das relações entre sexo, gênero, visualidade, raça e poder.  Em sua primeira edição, a mostra teve início no dia 12 […]

  13. Moises Marques Minato disse:

    Por isso o Brasil tá uma bosta!

  14. Maria Tereza Oliveira Daufenbach disse:

    Cú, é o nome popular de cloaca, um orifício do nosso corpo, por onde saem os resíduos da nossa alimentação. Ora vejamos, se a boca é tão glamourizada, o ânus, ou cloaca, causa tanto repúdio, por que? Em épocas remotas não haviam roupas. As pessoas andavam despidas. Na primeira infância (0 a 2 anos de idade), as crianças demonstram curiosidade pelos órgão sexuais. Algumas até brincam, ou passam no rosto e na boca, as próprias fezes. Penso que, a ideia do autor, através da sua arte, é denunciar a violência sofrida por pessoas, no contexto social. São cometidas muitas atrocidades, justificadas pelos chamados “bons costumes”, “protocolos” e “regras”, o que já foi estudado e denunciado por Bourdieu e Miichel Foucault em trabalhos acadêmicos de reconhecimento internacional.

  15. Maria disse:

    Gente quanta ignorância e preconceito, misericórdia!

  16. Bruno disse:

    Eu me considero uma pessoa conservadora, porém, acredito também que a arte precisa de uma certa liberdade para existir.
    Tendo em vista que há vários avisos de que não é indicado que a mostra seja vista por menores de 18 anos, e que o custo dessa exposição em específico não passou de R$ 1 Mil, não vejo problemas na continuidade dela.
    Vivemos em um país que nos permite a liberdade de expressão e a liberdade de escolha, em outras palavras “Vai quem quer”. Se não houvesse os avisos ou se todo os R$131 Mil fossem direcionados exclusivamente a essa exposição, com certeza teria a minha revolta.

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