Daniel Aloísio*
Fechação, shorts curtos e muito protesto invadiram os corredores do supermercado Walmart, da rede Big Bompreço, no bairro de Itapuã, em Salvador. O local, que foi palco de uma cena de preconceito com repercussão nacional, na qual um segurança tentou impedir o estudante de Psicologia Pascoal de Oliveira, 25 anos, de entrar no estabelecimento por causa do tamanho do seu short, se tornou, na tarde desta quinta-feira (24), um espaço de memória da luta LGBTQIA+.
“A partir de agora, toda bicha que entrar nesse supermercado vai lembrar do que aconteceu aqui e vai ter um sentimento de resistência e de luta”, explicou o ativista da causa, Onã Rudá, em discurso feito para os cerca de 50 presentes.
A manifestação chamou a atenção de muitas pessoas que estavam na rua ou dentro do mercado, fazendo compras.
“Toda quinta-feira eu venho fazer as compras da semana e fui surpreendido com essa manifestação. Eu moro atrás do mercado. É bom que as pessoas não se calem quando sofrem preconceito, até mesmo para evitar que isso volte a acontecer”, disse o designer Wendel Moura, 35, que estava com a sua tia, Valdice Moura.
“Eu achei esse protesto maravilhoso. Temos que acabar com essa descriminação. Tanta mulher que entra nesse mercado de biquíni na época do verão. Esse foi um caso de racismo e homofobia”, defendeu a senhora.
Já a ambulante Zete Borges, 50, que trabalha na frente do supermercado, disse que no estabelecimento não entram pessoas com traje de banho. Ela conhecia o segurança envolvido na polêmica.
“Eu achei errado o jovem ter sido barrado, pois ele realmente usava um short e não uma sunga. Mas também não concordei com o afastamento do segurança. Conhecia ele de vista mesmo”, comentou.
Conscientização
Uma possível demissão do profissional foi também criticada por militantes que estavam no protesto.
“A gente fala em educação e inclusão. Adianta demitir o funcionário e não qualificar os outros? Não adianta. A empresa está querendo passar uma imagem de que ela se preocupa com a inclusão, quando na verdade ela poderia mesmo era qualificar esses funcionários”, disse Onã Rudá.
Em nota, o Grupo BIG confirmou que solicitou o imediato afastamento do funcionário terceirizado e disse que buscará o apoio de instituições ligadas à causa LGBTQIA+ para intensificar os treinamentos de equipes e terceiros, para que situações como essa não voltem a se repetir. Você confere a nota completa da empresa no final do texto.
O CORREIO procurou o estudante Pascoal Oliveira para comentar o protesto, mas ele disse que não está mais autorizado a falar sobre esse assunto por questões jurídicas.
Lacração
O protesto começou por volta das 15h e foi organizado nas redes sociais pelos militantes da causa. “Desde que o vídeo se tornou público, a gente começou a conversar sobre a necessidade de se fazer um ato e isso foi ganhando força. Isso daqui é muito mais do que um short. É sobre nossos direitos, o empoderamento”, explicou o ativista Genilson Coutinho, 41. Ele estava acompanhado pelo amigo Franclin Rocha, 40.
“Nós queremos falar sobre a nossa existência e o silenciamento dos corpos LGBT e dissidentes. Como a nossa liberdade pode ser ceceada a ponto da gente não poder entrar num mercado e consumir? A questão não estão no short e sim no corpo gay, negro. É no ódio que exite contra a gente. Estamos cansados dessa invisibilidade”, desabafou Rocha.
Os também amigos Luan Oliveira, 22, e Marcio Santana, 19, foram para o ato motivados pela necessidade de ocupar esses espaços. Eles realizaram compras no mercado, conscientes de que o estabelecimento é um local que pode ser frequentado por qualquer pessoa. “Nós viemos exigir o nosso direito. Eles usufruem do nosso dinheiro e também por isso precisam nos respeitar”, disseram.
Não foram apenas homens gays que participaram do ato. A primeira mulher lésbica presidente da União dos Estudantes da Bahia (UEB), Layane Cotrim, lembrou que as mulheres também querem entrar nos supermercados – e em outros estabelecimentos – sem sofrer assédio.
“Precisamos mudar essa cultura de violência e opressão”, disse. Mile Lopes, 22, que faz panfletagem na região do mercado e viu o protesto, concordou com isso. “A gente entra no mercado com a roupa curta e as pessoas ficam olhando, querendo descriminar. Nós percebemos e não gostamos disso”, disse.
Fechação
A drag queen Petra Perón não foi apenas com short curto, mas também salto alto, maquiagem, peruca e uma máscara com as cores do arco-íris, símbolo da luta LGBTQIA+. “Vim preparada para dar muito close para imprimir a nossa arte e a nossa estética”, disse.
A mulher lésbica Rafaela Garcez também esteve no protesto, por já ter sido vítima de preconceito. “Precisamos dar visibilidade a essa luta e que a justiça aconteça contra os crimes cometidos contra a nossa população”, afirmou.
Já o professor de capoeira Almiro Vicente, 35, mais conhecido como Zebu, foi para o protesto com as filhas e alunas. Ele não faz parte do movimento LGBTQIA+ e sim do movimento negro. “Isso foi uma questão de racismo. Se o estudante fosse branco, poderia ter entrado com mais facilidade. Esse episódio afeta o corpo preto”, explicou.
Após desfilarem pelos corredores do supermercado, os manifestantes ligaram uma caixa de som na entrada principal do estabelecimento e fizeram discursos e performances. Uma certa aglomeração foi registrada nesse momento. Todos utilizavam máscara e haviam pessoas distribuindo álcool em gel para os presentes.
Os funcionários do mercado em nenhum momento impediram a manifestação. Alguns até apoiavam. “Quero ver vocês aqui todo dia, comprando na minha loja”, dizia uma das funcionárias para os presentes. Antes de entrar no mercado, todas as pessoas tiveram a temperatura aferida.
Confira a nota completa do Grupo Big sobre o caso:
O Grupo BIG informa que o fato ocorrido no supermercado de Itapuã, no último sábado (19/09) é inadmissível e não corresponde aos procedimentos e valores da empresa. O grupo está em contato com o cliente, colocando-se à sua disposição para toda assistência necessária nesse momento. A empresa reitera que esse tipo de situação é inaceitável e reforça o seu pedido de desculpas.
Assim que tomou conhecimento da ocorrência, o Grupo BIG solicitou o imediato afastamento do funcionário terceirizado.
Consciente da importância da causa e da gravidade do problema, o Grupo BIG buscará o apoio de instituições ligadas à causa LGBTQIA+ para intensificar os treinamentos de equipes e terceiros para que situações como essa não voltem a se repetir. Por fim, a empresa reforça que o seu código de ética não tolera nenhuma forma de discriminação.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.