Sabe aquilo que a gente aprende na escola, de que se alguém nasce com pênis é homem ou se tem vagina é mulher? Nem sempre é simples assim. No meu caso, que é o de uma mulher trans, digo que nasci num corpo biologicamente masculino, mas, espiritualmente, tenho alma feminina. Não se trata apenas de corpo ou jeito. É mais interno, profundo. É algo que me define como pessoa, diz Paulett Furacão, que foi a primeira trans a trabalhar no governo do estado, mais especificamente na Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Governo da Bahia.

Paulette Furacão (Foto: Marina Silva/Arquivo Correio)

Paulette Furacão foi a primeira mulher trans a trabalhar no governo do Estado (Foto: Marina Silva/Arquivo Correio)

No caso dos homens trans, quem explica é Leonardo Peçanha: É alguém que, ao nascer, foi registrado e designado a viver de maneira diferente daquela com a qual se identifica. Por isso, isso acaba tendo uma vivência direcionada para o que o senso comum e o imaginário social leem como feminino e passa parte da vida sendo lido de uma maneira com a qual não se enxerga. Ele é coordenador nacional de pesquisas do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT).

Cirurgias, nomenclaturas, leituras visuais, roupas e aspectos físicos podem ser importantes pra uns e não significar nada para outros. Cada um sabe de sí. “É importante pontuar que não existe um jeito único de ser trans porque não existe um jeito único de ser gente. Cada pessoa vai se construindo como consegue e como deseja”, explica Tito Carvalhal, homem trans e estudante de pedagogia da UFBA. De acordo com ele, muitos homens trans optam pela cirurgia de retirada das mamas, chamada de mamoplastia masculinizadora. Mas há os que preferem o uso do binder, uma espécie de faixa que comprime o tórax e esconde os seios.

Para as mulheres trans, há questões semelhantes. A auxiliar administrativa Sellena Ramos pensa em colocar próteses de silicone. “Vou me sentir bem mais confortável depois que eu fizer a cirurgia”, conta. Mas quando alguém pergunta sobre a cirurgia de redesignação sexual, ela se recusa a responder. “É uma questão íntima, não entendo porque as pessoas insistem em querer saber. Isso não faz ninguém menos mulher”, pondera.

Para Leonardo, o processo pode começar e terminar de formas diferentes, por estar relacionado a maneira como cada pessoa se vê no mundo e de como quer expressar ser gênero. Uns fazem cirurgias, outros não. Uns usam hormônio, outros não. As transmasculinidades são plurais e costumam esbarrar no preconceito médico. Isso varia muito de acordo com a idade, local onde vive e situação financeira da pessoa. Tudo começa no acompanhamento psicológico e e psiquiátrico (que ainda é compulsório, infelizmente)  para obter a reposição hormonal e depois as cirurgias. É muito difícil porque os médicos têm resistência a nos atender, diz o pesquisador. Para além disso, tem todo um desconforto em se submeter a um “diagnóstico” e passar por um “tratamento” pra algo que não é doença. Clique aqui e saiba tudo sobre a cirurgia e a medicalização da transexualidade.

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CIS
Outra noção-chave para continuar a entender esse universo é a de cisgênero. Cis é uma pessoa que foi designada da maneira com a qual se identifica e sente, explica Leonardo. É o caso de um homem ou uma mulher que foi registrado assim e está feliz desse jeito. O conceito é importante para esclarecer outra possível confusão que pode dar um nó na cabeça dos menos esclarecidos: assim como as pessoas cis, as trans podem ser hétero, gays, bissexuais, assexuais ou quantas possibilidades a sexualidade humana comportar. Por exemplo, um homem trans pode ser gay e se relacionar com um outro homem, seja ele cis ou trans. E nada disso interfere no fato dele ser homem, exemplifica o pesquisador. Não entendeu? A gente desenhou.

Mas se ser gay, lésbica ou bissexual é orientação sexual e ser homem ou mulher (cis ou trans) está no campo do gênero, por que os trans fazem parte da sigla LGBT? Somos grupos de pessoas vulneráveis e estigmatizadas socialmente. Claro que cada um tem especificidades. Mas todos sofrem por transgredir imposições do machismo e do sexismo e por não querer pertencer aos rótulos tradicionais, explica Paulett.

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