A maquiadora e modelo Lorena Muniz, morta aos 25 anos após ser abandonada sedada durante um incêndio em uma clínica de estética de São Paulo, deu entrada na emergência do Hospital das Clínicas como desconhecida, segundo informou a família em entrevista para jornalistas nesta terça-feira (23).

“Ela tem família, ela tem um nome: Lorena Batista Muniz. Mesmo assim, ela deu entrada como desconhecida, indigente. A gente ligava para a clínica e não conseguia notícias dela”, disse a mãe da jovem trans, Elisângela, em entrevista organizada pela vereadora Érika Hilton (PSOL-SP) e pela deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), que acompanham o caso.

Na ocasião, a deputada afirmou que, segundo relatos de pessoas presentes no local da cirurgia, “outras mulheres seriam operadas naquele dia, mas apenas Lorena foi deixada lá dentro”. A Polícia Civil e o Ministério Público (MP-SP), que investigam os fatos, devem confirmar a informação nos próximos dias, de acordo com o portal Universa, do Uol.

Isadora Brandão, defensora pública e coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria, informou que o caso foi registrado no 1º DP, na Sé, e que um inquérito foi aberto para investigar o caso. Familiares de Lorena e testemunhas do incêndio devem comparecem à delegacia nos próximos dias para prestar depoimento sobre o caso.

De acordo com a defensora, a Defensoria Pública encaminhou ao MP um pedido formal de investigação, em que destaca a necessidade de averiguar se a clínica e os profissionais de saúde envolvidos praticaram omissão de socorro e homicídio.

Além disso, Isadora pede que se verifique se o estabelecimento estava devidamente equipado e se tinha permissão para realizar procedimentos cirúrgicos. “Há relatos testemunhais de que não havia sequer extintores de incêndio no local no momento do curto-circuito”, afirmou a defensora, em entrevista coletiva, segundo contou o Uol.

O corpo de Lorena foi liberado na manhã desta terça (23) pelo IML. A família autorizou a doação de órgãos e, agora, deseja levar o corpo da jovem para ser velado no Recife, capital de Pernambucio, onde ela morava.

“Não quero ver outra mãe chorando como eu”

Sua mãe, Elisângela, se referiu à filha como uma mulher “trabalhadora, e cheia de vida pela frente”.

“Minha filha foi tratada como se fosse uma pessoa qualquer, um pedaço de carne em cima da mesa de cirurgia. A Lorena, a minha menina, era muito bonita, trabalhadora, cheia de vida pela frente. Ele [o médico] podia ter puxado a maca com ele, carregado minha filha no ombro, que seja, mas não podia ter deixado ela lá”, criticou Elisângela.

“Quero justiça por Lorena e por uma Renata, uma Rafaela, uma Bárbara. Não quero ver amanhã outra mãe chorando e passando pelo que eu estou passando. Lorena vai fazer falta, e eu quero justiça por ela e por outras meninas como ela”, completou.

A mãe de Lorena contou, ainda, que a jovem foi criada com a ajuda da avó e de duas tias, que estão no Recife muito abaladas com a notícia da morte dela.

O comunicador Washington, o Tom, marido de Lorena, passou quase toda a entrevista afastado, chorando, sem condições de falar. Quando conseguiu se pronunciar, ele contou que colocar próteses mamárias era o sonho de Lorena. Acrescentou que ela sofria transfobia com muita frequência:

“Uma coisa que incomodava é que ela saía na rua e ouvia coisas pejorativas, isso a machucava muito. Ela não podia sair na rua, estava sujeita a ataques baixos, que davam medo. Eu entendo porque ela quis fazer esse procedimento, mas não merecia passar por isso”, disse. Segundo ele, Lorena pagou R$ 4 mil reais pela cirurgia.

Caso não é isolado, dizem parlamentares

A vereadora Érika Hilton disse que, como mulher trans, se vê na pele de Lorena, e que situações de descaso do sistema de saúde com pessoas trans não são isoladas. “Nós, pessoas trans e travestis, nos vemos na pele de Lorena. Já passamos por situações que por um triz não custaram a nossa vida. Essa é a realidade de muitas pessoas trans no país, por conta da negligência do estado no que diz respeito à saúde integral de pessoas trans, e de clínicas e profissionais despreparados para realizar um procedimento que deve ser hospitalar, com uma equipe interdisciplinar de saúde, e não realizada em uma clínica”.

Questionada sobre números de morte de pessoas trans por negligência médica, Hilton falou em subnotificação de casos: “Na minha trajetória, vi muitos casos de morte e sequelas graves, mas há subnotificação. Não existe sequer um protocolo, uma política pública, para apurar casos do tipo”.

“Não tem como mensurar isso. Estou em contato com cirurgiões respeitados, que fazem implantes de próteses mamárias, e a estimativa deles é que 90% das mulheres trans que chegam a bons profissionais vêm de operações precarizadas, com situação como o implante de duas próteses em uma só mama, próteses reaproveitadas, ou infecções por resíduos hospitalares esquecidos no corpo”, alerta Malunguinho.

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