Quem vê a drag queen baiana Sabrina Sasha brilhar nos palcos do Super Talento, o maior concurso de atores transformistas do estado, não imagina que ela nasceu em uma instituição de ensino. Diferente da maioria dos atores transformistas da cidade, Sabrina não começou nos palcos de bares e casas de show. Foi para apresentar seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que o psicólogo Franklin Xavier, 24 anos, criou a personagem, que mistura doçura e sabedoria. Mais do que uma personalidade ou um alter ego, Sabrina é uma homenagem a uma amiga transexual de Franklin que cometeu suicídio.

“Tudo começou lá no meu 5º semestre da faculdade. Sempre escrevi sobre aceitação do corpo, sobre ser quem você é e não se importar com o que as pessoas dizem sobre você”, conta Flanklin. Em um fórum da web, o então estudante de psicologia conheceu a feirense Marina*, uma menina transexual de 19 anos. “Ela me adicionou, começamos a conversar e viramos amigos”, revela. Ele e Marina* passaram a se falar todos os dias e tornaram-se grandes amigos. “Mesmo sem nos conhecer pessoalmente, tínhamos uma amizade daquelas que parecia que nos conhecíamos a anos. Conversávamos todos os dias. Marina* me contava toda sua rotina e vice-versa”, comenta.

Nessa época, ele não tinha afinidade com temas de gênero, como transexualidade. Foi com a garota que aprendeu. “No curso de psicologia, a gente quase não ouve falar sobre gênero. Hoje, as coisas vêm mudando… Mas ela me mostrou muita coisa sobre esse universo e me ensinou demais”, lembra. Marina* o ajudou especialmente na primeira matéria do TCC. “Foi por causa dela que resolvi falar sobre transexualidade. Meu tema foi ‘Sou mulher sou menina: A construção da subjetividade de uma mulher transexual’”.

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Franklin começou a se montar na faculdade; tempos depois se apresentou em bares (Fotos: Arquivo pessoal)

A trágica notícia
Quando os dois tinham oito meses de amizade, o psicólogo recebeu a ligação de uma travesti que leu uma carta deixada por Marina*. “Ela se matou, aos 19 anos. Na carta, ela relatava todo o seu sofrimento de autoaceitação. Foi expulsa de casa, aos 14 anos, porque os pais eram evangélicos fanáticos e teve que se prostituir para manter-se viva. Foi muito explorada psicologicamente, sexualmente… É uma história muito triste. A vida era de sofrimento, de dor. Marina* sempre me falava que contava nos dedos os momentos felizes que teve”, desabafa Flanklin. Entre esses, a menina trans destacou as conversas que tinha com ele e agradeceu ao amigo pela lealdade e confiança.

Tudo isso aconteceu quando ele estava na segunda matéria do TCC. “Foi muito triste para mim. Também por isso, meu trabalho é muito poético e tem muito do que vivenciei. É um trabalho pesado, mas que tem poesia e subjetividade. Os profissionais da minha banca, inclusive, me falaram que não é apenas um artigo científico. Foi tudo por conta dessa situação”, frisa, ressaltando que a amiga o ajudou não só na construção do trabalho e na criação personagem Sabrina, uma drag trans, quanto na vida pessoal.

Em homenagem a Marina*, Franklin apresentou o TCC interpretando a drag. “Foi libertador me apresentar montada. Foi como uma homenagem. Foi como torná-la viva novamente”, afirma. O psicólogo tirou nota 10 com distinção. “Ela me ajudou demais a construir minha personagem. Ela que me deu a ideia, mas eu tinha vergonha. O nome também foi dela: Sabrina Sasha – eu não gosto desse nome, acho uó, mas mantive”. Inicialmente, a personagem seria apenas para apresentar o trabalho, mas, depois, tornou-se uma parte da vida do psicólogo.

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O psicólogo colou grau como Sabrina (Foto: Arquivo pessoal)

Psicólogo e drag queen?! Sim!
Apresentar o TCC e colar grau vestido como Sabrina Sasha, e não como Flanklin, foi sinônimo de quebra de barreiras não só na Faculdade de Tecnología e Ciências (FTC) – onde formou e hoje faz uma pós-graduação – quanto em âmbito pessoal e social. “Foi um escândalo na época. As pessoas questionavam ‘como assim, você vai ser psicólogo e está apresentando montada?’”, conta.

VAI TER DRAG SE FORMANDO EM PSICOLOIA SIM. #TBT de um dos dias mais lindos da minha vida. #GRATIDÃO #PSICOLOGIA ph;@ikaluana

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Ele não se deixou abalar e hoje, além de atender em uma clínica de psicologia e trabalhar como garçom em um restaurante, é referência em psicologia e gênero. “Depois do trabalho, a faculdade me abraçou e já apresentei o trabalho em muitos lugares. Escolas públicas, particulares, etc”, revela ele, que nasceu em Paulo Afonso e mora em Salvador desde 2004.

Tanto no seu perfil pessoal, nas redes socias, quanto nas redes de Sabrina, ele recebe várias mensagens de pessoas enaltecendo o seu trabalho e dizendo quão inspiradores são seus textos. “Uma paciente me fala que acha incrível isso de eu ter cabelo colorido, usar piercing, maquiagem, de ser diferente e de defender que as pessoas sejam como quiserem. Ela diz que isso mudou a forma dela pensar, pois jamais imaginou um psicólogo – que atende com base na psicanálise – com os esteriótipos que eu tenho”, conta. Ele adora usar maquiagem – principalmente delineador – no seu dia a dia.

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O psicólogo ama pintar o cabelo e usar maquiagem (Foto: Arquivo pessoal)

Segundo Franklin, esses elementos causam um estranhamento inicial nas pessoas. “A maioria – depois que me conhece – muda. É inovador, é libertador. Eu estou bem, isso me faz bem e é o que importa”, acredita.

Preconceito
Durante a faculdade, Flanklin também sofreu muito preconceito e ataques homofóbicos. Isso porque, apesar de ser cisgênero e identificar-se com o seu gênero de nascença, o garoto transita, fisicamente, entre o que a sociedade identifica como figuras masculina e feminina, utilizando referências de ambos os gêneros. “Sofri principalmente por ser afeminado. Eram muitas provocações, ‘xurrias’. Eu era motivo de xacota na faculdade. Sabe aquilo de você passar e ser alvo de risadinhas? Teve gente questionando como é que eu ia atender crianças sendo homossexual”, desabafa.

Mas também tiveram pessoas que sempre estiveram ao seu lado. “Uma professora me defendia dizendo que eu era homossexual, mas era ser humano. Ela dizia que algumas pessoas precisavam rever qual a psicologia que estavam defendendo”.

A amiga trans, Marina*, foi essencial no processo de desconstrução do psicólogo. Antes de conhecê-la, ele admite que era preconceituoso e confessa que se considerava um ‘viado normativo’. “Ela me ajudou a desconstruir muita coisa, não só com o ‘ser afeminado’, que sempre fui, mas com minha sexualidade. Hoje sou praticamente uma garota e não ligo para o que os outros dizem”, garante.

Talvez por isso montar-se e poder inspirar pessoas, através do seu discurso e da figura feminina, seja um dos melhores momentos da sua vida. “Antes, eu era preconceituoso e hoje acho triste, porque a gente vê muito preconceito até no próprio meio LGBT. O que podemos fazer é lutar contra isso, já que somos minorias”, pontua.

Hoje, Flanklin percebe-se como não-binário. “Estou tão lá e cá, que não sei dizer se sou isso ou aquilo. Eu não ligo se me tratam no feminino ou no masculino. Ainda mais que sou Franklin e Sabrina… No entanto, as pessoas confundem e acham que, por causa das minhas características e modo de vestir, estou em transição”. Independente disso, ele afirma que sua identidade de gênero está bem firme. “Eu me entendo como cis”.

Sabrina, então, representa resistência. Através de sua arte, Franklin luta por uma sociedade menos machista, patriarcal e sexista. “Qualquer coisa que foge da norma do ‘macho alpha’ vai ferir. A todo momento me questiono o que vai acontecer quando saio das casas de show, faculdades, lugares seguros… Meu sonhos são ter segurança e que as pessoas se amem e se aceitem. Porque, quando a gente se aceita, a gente não precisa que ninguém nos aceite. Quando a gente se aceita, a gente se liberta, quebra correntes, quebra paradigmas. A gente voa”, finaliza.

*Nome fictício


  •  Mini glossário de gêneroinfo trans

TRANSGÊNEROS Nos Estados Unidos (EUA), transgênero e transexual são sinônimos para pessoas que se identificam com o sexo oposto ao atribuído no nascimento. No Brasil, o conceito de transgênero engloba todas as formas que fogem do padrão de gênero** tido como “normal” – adotada por uma pessoa de acordo com seus genitais, psicologia ou seu papel na sociedade – incluindo os transexuais. 

TRANSEXUAL Homem ou mulher que nasceu com o sexo do outro gênero. Pode ter feito ou não a cirurgia de adequação.

TRAVESTI É termo usado no Brasil para designar quem se identifica com o sexo oposto ao do nascimento, faz alterações no corpo, mas não deseja realizar cirurgia de adequação sexual.

CISGÊNERO É uma pessoa que está feliz com a maneira com a qual foi registrada e designada quando nasceu. É considerada “alinhada” dentro do seu corpo.

DRAG QUEEN A arte drag não se encaixa em debate de gênero e sexo. O artista transformista interpreta um  um personagem – que tem suas próprias características e vontades. Esse personagem pode ser interpretado por qualquer pessoa –  homem, mulher, trans, binário, não binário. Existe o termo drag king para artistas femininas que se personificam em figuras masculinas.

GENDERQUEER Ou sexo não binário. São pessoas que não se identificam com nenhum gênero ou transitam entre eles.

CROSSDRESSER Gostam de se vestir como o sexo oposto ao designado no nascimento no dia a dia ou em  situações de fetiche, mas não se identificam com o sexo oposto.

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