Um LGBT foi morto a cada 20 horas no Brasil em 2018; Bahia ficou em 3º lugar
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Seremos sementes, Jean Wyllys!

Meu coração ficou travado. A boca amarga. As pernas bambas. Foi difícil digerir e entender a decisão do ativista LGBTQIA+ e deputado federal Jean Wyllys, 44 anos, de abrir mão do seu mandato e sair do Brasil por medo de morrer. Quando li o relato que ele fez nas redes sociais e em entrevista à Folha de S. Paulo percebi que o medo que ele sentia não era de agora. É a angústia de uma vida inteira.

O exílio de Jean, forçado pelo crescimento das ondas de conservadorismo em terras brasileiras, reflete os isolamentos que nós LGBTQIA+ vivemos nossa vida inteira. Desde a infância, a sociedade nos obriga a ‘esconder’ nossos trejeitos afeminados, nos impede de viver nossa sexualidade e nos obriga a existir atrás das máscaras da heteronormatividade.

Nosso exílio ganha força diária na escola, no trabalho e na rua. Não podemos pegar na mão da pessoa que amamos em público sem ter na mente o receio de que a qualquer momento sermos alvo de algum tipo de violência.

Não, isso não é o que chamam de ‘mimimi’. Nos escondemos a vida inteira para sobreviver. Vivi isso na escola quando tive que ‘me declarar’ apaixonado por uma menina chamada Vanessa, no recreio. Coitada de Vanessa, coitado de mim. Os projetos de machistas escrotos nos seguraram na hora do recreio. Fomos obrigados a nos beijar e eu a dizer que queria namorar com ela. Eles não aceitavam que eu fosse ‘feminino’ e Vanessa ‘masculina’. Nos exilaram naquele momento. Passamos o resto do ano escondidos, em fuga no recreio, fingindo sermos namorados para sobreviver em paz à 6ª série.

Ontem, percebi que Jean estava buscando uma Vanessa. Buscando algo em algum lugar que lhe permita sobreviver diante de tanta opressão e do risco de sua vida chegar ao fim. Sim, precisamos estar vivos para continuar lutando em tempos sombrios.

Wyllys vive com escolta policial desde que sua colega de partido Marielle Franco foi assassinada, em março do ano passado. Na entrevista à Folha, ele lembra de uma conversa que teve com Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai. “O Pepe Mujica, quando soube que eu estava ameaçado de morte, falou para mim: ‘Rapaz, se cuide. Os mártires não são heróis’. E é isso: eu não quero me sacrificar”, disse o deputado.

Meu coração sangrou quando li essa frase. Afinal, não vivemos num território de paz. Apesar de ter havido uma redução de 6% na comparação com 2017, o Brasil segue sendo o país do mundo onde mais ocorreram mortes violentas de pessoas LGBTQIA+. De acordo com dados divulgados nesta sexta-feira (25) pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), a cada 20 horas um LGBT morreu em 2018 no país de forma violenta vítima da LGBTfobia.

A quem interessaria ver Jean morto? Certamente, haveria festa no covil dos lobos. Jean lutou – em nome de muitos de nós – com forças poderosas. Afrontou, apontou e colocou o dedo na ferida. Sim, as escolhas de Jean o levaram para a situação que ele está hoje. Ele deu a cara a tapa e com isso está sofrendo, infelizmente, as consequências de ter levado para o cenário nacional as discussões sobre os Direitos Humanos e questões ligadas à população LGBTQIA+.

Os raivosos que comemoraram a decisão de Jean não entendem o que de fato aconteceu. Nas redes sociais, vociferam palavras e xingamentos homofóbicos para justificar a ‘fuga de Jean’. Falta empatia. Falta humanidade nessas pessoas. É bom mesmo que Jean saia daqui e vá oxigenar a mente para voltar mais forte. A diferença é que Jean está conseguindo ser maior do que isso. Felizmente, ele teve o tempo que Marielle não teve. Conseguiu perceber que estava sendo ameaçado nas suas liberdades individuais e decidiu buscar abrigo em segurança. Infelizmente, Marielle não teve a mesma sorte.

Sempre admirei Jean desde a sua simbólica participação no Big Brother Brasil. No BBB, programa que ganhou, Jean também se exilou ao lado de Grazi Massafera, Tatiane Pink e Sammy Ueda. Viveram isolados. Foram acuados, oprimidos, mas venceram. Jean é um cara sábio. Daquele momento em diante ganhou minha admiração e inspiração. Sim, às vezes, o exílio é uma estratégia maior para conquistar a guerra.

Jean já trabalhou no jornal Correio (quando ainda era Correio da Bahia), é jornalista, é gay e nordestino. Jean sempre foi para mim um espelho, uma admiração. Agora, com essa difícil decisão que tomou, isso só aumentou. A nossa existência incomoda. Ter uma bixa em lugar de destaque incomoda.
Querem, através do medo, apagar nosso brilho, mas isso é impossível. Não é possível exilar ideias. Não é possível colocar de volta no armário centenas de milhares de pessoas que só querem viver sua orientação sexual em paz. O exílio forçado de Jean é o maior exemplo disso. Ele saiu de cena estrategicamente e acabou reacendendo a chama da luta.

No Congresso, Jean sai de cena e entra David Miranda, ativista, gay, negro e favelado. Jean virou semente. Assim como Marielle (que poucas pessoas fora do Rio conheciam antes da sua morte) virou ainda mais referência. É isso que os algozes de Jean não devem ter calculado. Quando tentam matar Jean, vocês estão dando mais combustível para que milhões se unam nos propósitos que ele defende.

Pensam que ele, estando fisicamente longe do Brasil, estará sem pegar nas nossas mãos. Acham que ‘ele soltou a nossa mão’. Ledo engano: para tocar mãos unidas pelo amor elas não precisam estar juntas. Nossas mãos se unem em um propósito e são conectadas pelos corações das pessoas que só querem o respeito à diversidade. Para isso pouco importa se estaremos aqui ou no Japão.

Jean, seremos sementes! Um dia, sem dúvidas, caminharemos novamente nesse jardim de luz e paz.

Jorge Gauthier
Jorge Gauthier
Jornalista, adora Beyoncé e não abre mão de uma boa fechação! mesalte@redebahahia.com.br

3 Comentários

  1. Sérgio Silveira disse:

    Já vai tarde!

  2. Carla disse:

    Nossa! Que texto fechação. Eu também admiro muito o Jean. Fiquei sentida por ele ter que abandonar a sua carreira, seus planos e sonhos aqui no Brasil. Por outro lado, isso fará o mundo lá fora ver o quanto somos pequenos aqui dentro, o quanto vivemos de fachada, querem mostrar lá fora um Brasil que não somos aqui dentro. Vivemos num país preconceituoso, hipócrita e mesquinho. Ninguém se preocupa com nada e nem ninguém, cada um só olha para si. Pobre, negro, gays e lésbicas, bissexuais e tantas outras classes, são atacadas a todo momento. Não podemos nos calar diante desse assassinato pisicologico , sim, Jean e tantos outros sofrem isso a todo momento, quando você fala da Vanessa, eu conheço muitas pessoas que eu sei que são gay e inventam namorado e namorada que não existem, eu sei que não existem, mas não assumem no ambiente de trabalho por medo da aceitação, dos comentários, vivo isso dentro do meu ambiente de trabalho. Eu, sinceramente, tenho vergonha de tudo isso que o Brasil é. E agora, politicamente, será bem pior.
    Bem, obrigada pelo lindo texto e espero que eu tenha dado uma simples opinião, diante das sua palavras.

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