Violência e preconceito serão debatidos em mesa virtual da Parada LGBTQIA+ da Bahia
Vinicius Nascimento (vinicius.nascimento@redebahia.com.br)
Ser bicha no Brasil não é fácil. O país é líder em matar pessoas LGBTQIA+ de forma violenta e registrou 329 mortes em 2019. Foram 297 homicídios e 32 suicídios, de acordo com levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB). Um LGBTQIA+ morre a cada 26 horas por aqui. Ser preto no Brasil também não é fácil. O Atlas da Violência, feito pelo FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, aponta que o risco de um negro ser assassinado é 74% maior. Para as negras a taxa é de 64,4% maior em relação às pessoas brancas.
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Agora, imagine o que é ser uma bicha preta. A violência física não é a única que ocorre no dia-a-dia dessas pessoas. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, dão conta de que a violência psicológica aumentou 7,4% na vida das pessoas LGBTQIA+ entre 2017 e 2018: de 1693 para 1819 casos. Em outros tipos de violência, o aumento é absurdo: 76,8% notificações a mais em 2018, de 1.192 para 2.108. Estar na pele das bichas pretas é um desafio, e a vida delas é dedicada a uma rotina de resistência minuto a minuto.
A realidade das bichas pretas será tema de uma das mesas da Parada LGBTQIA+ da Bahia 2020, que nesta edição tem o tema “Racismo na comunidade LGBTQIA+ e será virtual. O evento acontece em 5 de dezembro, às 18h, com transmissão pelas redes sociais do CORREIO e do Me Salte. Vão debater o assunto o produtor cultural Alan Costa e o diretor da Preta Agência de Comunicação, Ismael Carvalho.
Alan Costa é uma bicha preta do recôncavo, de Santo Antônio de Jesus. Tem formação em Letras Vernáculas pela Uneb e atua como mobilizador social na “Campanha Jovem Negro Vivo” da Anistia Internacional Brasil. Também é o grande idealizador do Coletivo Afrobapho – formado por jovens negros LGBTQIA+, que utilizam artes integradas como mobilização social e estratégias de sobrevivência.
“Eu já tenho um rompimento de um padrão e quando vou dialogar essa questão racial com a construção heteronormativa sobre esse corpo, pensando gênero e sexualidade, aí que eu desvio muito mais dessa norma”, diz Alan. Ele afirma que homens negros sofrem uma pressão social para exalar um modelo de masculinidade desde muito jovens. E fugir desse padrão é doloroso.
O influenciador Cleidson Santana, ou simplesmente Baby, por exemplo, conta que na infância foi ensinado pelo pai a ‘ser macho’. Para isso, mesmo com a pouca idade ouvia coisas como a necessidade de ter um pênis grande e se relacionar com muitas mulheres. Ele cresceu e não performou o esperado. Não tem um corpo malhado, tem a voz fina e nasalada e gosta de usar vestidos. Por ser como é, se viu em inúmeras situações de rejeição: ia para baladas e era rejeitado por não ter um corpo atlético e a pele branca.
“Já passei vários perrengues em lugares que eu frequentava como boates LGBT´s de Salvador. No início eram todas viradas para o público branco, gay padrão. Sempre vamos para a boate na intenção de ficar com alguém e a gente não conseguia porque eles só ficam entre eles”, disse.
Os perrengues vão além: dentro do próprio círculo de amigos ele ouve críticas ao jeito como fala, anda e se comporta. A pressão pela heteronormatividade ainda dói, mesmo com o jovem da Cidade Baixa se impondo para ser nada além do que ele é.
Alan Costa, por sua vez, conta que apanhou na escola por incontáveis vezes por ter a voz fina e andar rebolando. Mas sofrer essas violências não é a realidade de gays que performam uma dita feminilidade logo no rosto. O estudante Matheus de Morais diz que tem rosto de boyzinho ou cara de padrão estético masculino, mas transparece feminilidade com o seu corpo. E também sofre violências diárias.
“Quem é afeminado sabe que é afeminado e sabe dos processos de violência que pode sofrer. Desde as violências sutis que nos acometem todos os dias no transporte público, nos olhares, nas falas das pessoas, até as violências da rejeição, do afeto, do carinho, que nos é negado por sermos afeminadas”, afirma.
As opressões sequer são exclusividade de homens gays. Modelo, Willy Montenegro é andrógino e se relaciona com homens e mulheres desde que tenha atração. Ele diz que já se acostumou a ver olhares tortos quando se veste com roupas femininas ou faz penteados que são convencionados como de mulheres.
Pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Cultura e Sexualidade da Universidade Federal da Bahia, Claudenilson Dias afirma que todas as pessoas que tem o que ele chama de ‘viadagem exacerbada’ são vistas de forma ruim dentro da própria comunidade LGBTQIA+, e isso se agrava quando se tratam de pessoas negras. Por conta disso, ele classifica que ser uma bicha preta no Brasil é, acima de tudo, uma manifestação política.
“Essas pessoas mobilizam e incomodam o imaginário social, que busca um ideal de masculinidade que consideramos tóxica. Bichas pretas são a expressão de uma política contrária a tudo isso”, aponta o pesquisador.
No entanto, contrariar estruturas sociais geralmente acarreta reações, que podem ser violentas e constrangedoras, como foi o caso sofrido pelo estudante Pascoal de Oliveira. Ele foi ao supermercado Big Bompreço de Itapuã comprar farinha láctea usando roupa de ginástica, após fazer exercícios físicos. Só que, para a sua surpresa e indignação, um funcionário disse que ele não poderia entrar no estabelecimento pois seu short era curto demais. Na lógica do colaborador da empresa, Pascoal é homem e não poderia estar ali de shortinho.
Fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB) e decano do movimento no Brasil, Luiz Mott afirma que nos seus 40 anos de atividade já consegue perceber algumas mudanças e vitórias para a comunidade LGBTQIA+, como a equiparação da homofobia ao racismo, legalização de casamento, uso do nome social pelas pessoas trans e a vitória retumbante de mais de 80 candidates lgbt+, sobretudo trans, nas últimas eleições.
“Apesar de mentalidades não se mudarem por decreto, esperamos que a criminalização da homofobia assuste os criminosos em relação a isso, para que não se mate tanto. A Bahia tem que rimar com alegria, cidadania e não com homotransfobia”, afirma Mott.
Além das mesas de debates, a Parada LGBTQIA+ da Bahia 2020 também terá atrações artísticas. As performances serão da atriz, educadora e pesquisadora sobre raça, sexualidade e gênero, Matheuzza; da apresentadora, transformista e realizadora de concursos de beleza, Bagageryer Spilberg; das cantoras Doralyce e Josyara; do rapper Hiran, uma das maiores representações do rap nacional; e de Malayka SN, que é DJ, visual artist e drag.
O projeto Diversidade tem realização do GGB, produção Maré e parceria e criação de conteúdo Correio/Me Salte e Movida; e patrocínio do Grupo Big e Goethe Institut.