Por Luiz Mott
Prof. Titular de Antropologia da UFBA e Fundador do Grupo Gay da Bahia
“A homossexualidade está presente mesmo nas casas mais tradicionais do Brasil, só não viu quem não quis…”, declarou o antropólogo Reginaldo Prandi, autor da antológica Mitologia dos Orixás. Impera até hoje contraditório complô de silêncio nas casas de culto afro-brasileiro em relação ao “amor que não ousava dizer o nome”, oposto ao estilo do panteão dos deuses de matriz africana, como acontecia com as divindades gregas, que nunca primaram pelo celibato e voto de castidade.
Há Orixás que têm vida sexual bastante liberal e dissidente segundo os padrões oficiais da cultura sexual cristã-ocidental: Iemanjá casou-se com o irmão e foi violentada por seu próprio filho, de quem engravidou; há Orixás que são transexuais ou hermafroditas sociais, como Logun-Edé e Oxumaré, metade do ano são homens, metade, mulheres.
O próprio Oxalá também participa desta dualidade, reunindo em si o lado masculino e feminino. A antropóloga americana Ruth Landes, autora da pioneira obra Salvador, Cidade das Mulheres (1967), disse: “Iansã é uma mulher masculina, ou mesmo um homem. Esculturas antigas talhadas na Bahia ou na África, representam Iansã de calças e uma ampla e curta saia de dança: ela é mulher-homem.” Oxóssi, caçador, consta em alguns mitos antigos que manteve relação amorosa e sexual com o orixá as folhas, Ossaim. “Aló” é como no yorubá chamam às lésbicas, em alusão à pedra de moer o feijão para o acarajé, por analogia ao movimento de esfregar uma pedra na outra.
Algumas venerandas mães de santo da Bahia e de outros estados são referidas na tradição oral como praticantes o amor que não ousava dizer o nome: na Casa Branca, a equede Totônia, citada pelo Antropólogo Edson Carneiro e Raimunda Obaladê, que era saudada com a cantoria : “A bênção, Ebame do aló, Obaladê é a maior”; o Gantois, pela voz do povo era referido como “candomblé das roçadeiras”, não escapando dessa identificação a própria Menininha e sua neta a percussionista Mônica Millet; em São Luiz do Maranhão, a mais famosa Ialorixá, Mãe Andreza, falecida centenária, em 1954, idem; em Sergipe, Mãe Bilina, a mais famosa mãe de santo e líder do folguedo Taieira de Laranjeiras, era apontada como amante do belo sexo.
Tais revelações, conservadas na tradição oral, não desmerecem nem enxovalham a memória dessas respeitáveis sacerdotisas, antes pelo contrário, atestam que tais venerandas mulheres foram suficientemente fortes e corajosas para enfrentar o preconceito e não abrir mão de sua felicidade terrena ao lado de outra mulher.
Maria Stella de Azevedo Santos, Mãe Stella de Oxóssi, Odé Kayode, (Salvador, 2 de maio de 1925 – Santo Antônio de Jesus, 27 de dezembro de 2018), não escondeu suas sucessivas uniões homoafetivas estáveis nas últimas décadas com três filhas de santo: a psicóloga Vera Felicidade, a advogada Cleo Martins e sua derradeira companheira e viúva-herdeira, a psicóloga Graziela Domini, a quem Mãe Stella chamava de “meu neném”. “O amor é essencial; o sexo, acidente: pode ser igual, pode ser diferente”. (Fernando Pessoa)
3 Comentários
Não sou afeito a polêmicas porque estas, geralmente, levam a contendas e desentendimentos. Muito pelo contrário, sou da paz! Entretanto não posso deixar de perguntar: o que tem a sexualidade de qualquer pessoa a ver com a vida – pública ou privada – dela ou com as nossas vidas? Por que aflorar ou disseminar esta informação tão pessoal? Ajuda a quem ou a que?
Maria Stella Azevedo dos Santos, a grande Mãe Stella do Ilê Axé Opo Afonjá é um exemplo grandioso para a comunidade religiosa de matrizes africanas. Um exemplo extraordinário para as mulheres brasileiras e do mundo. Poucas mulheres negras no Brasil alcançaram o que Mãe Stella atingiu e não estou referindo apenas à majestosa e mais que merecida condecoração da Academia Baiana de Letras. Já li ‘Oxossi, O Caçador de Alegrias’ cinco vezes e cada vez que você ler um livro de Mãe Stella vai entender a falta que ela nos faz e vai fazer. Sem falar no sublime privilégio de ter convivido, eventualmente, com esta senhora. Atualmente vejo, no facebook, dezenas de imagens com pessoas posando e postando seus ‘selfies’ ao lado a Iyalorixa, entretanto não vi tal posicionamento dos internautas quando se julgava (e sentenciava) tanto o fato de Mãe Stella ter deixado o terreiro para viver em Nazaré – e eu postei uma imagem que dizia ‘Somos Todos Afonjá’, na ocasião. Por favor. Esta senhora deve e merece ser lembrada e homenageada sempre que houver oportunidade para tal. Nossas crianças, adolescentes e jovens devem, e merecem, conhecer a Mãe Stella (e a Stella Azevedo) que tanto engrandeceu a nossa imagem e a nossa estima. Por favor!
Mãe Stella com um currículo invejável mas, pro movimento gay só interessa colocar mais uma na confraria, ela está acima disso tudo o que vai prevalecer é o seu legado seja no terreiro, na comunidade em que viveu, nos títulos que angariou, o mais é o menos importante!
Ridículo artigo. Além de imoral com as divindades africanas, um insulto ao povo de santo.