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Justiça proibe exibição de peça em Salvador onde Jesus é vivido por uma trans

Por Carmen Vasconcelos

O espetáculo teatral  O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, que integra a programação do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC)  teve sua apresentação suspensa no final da tarde dessa sexta(27). A decisão partiu de uma liminar que saiu da 12ª Vara Cívil de Salvador e impede que a Fundação Gregório de Mattos(FGM) , administradora do Espaço Cultural da Barroquinha, onde a peça seria apresentada, a exiba em seus espaços.

Protagonizado pela atriz, professora e ativista, a transexual Renata Carvalho, a montagem questiona o que aconteceria se Jesus voltasse ao mundo na pele de uma travesti. O espetáculo – que chegou a ser exibido na noite de quinta (26) – é uma mistura de monólogo e contação de histórias em um ritual que traz Cristo ao tempo presente, na pele de uma travesti.

Histórias bíblicas conhecidas são recontadas em uma perspectiva contemporânea, propondo uma reflexão sobre a opressão e intolerância sofridas por transgêneros e minorias em geral. Amor, perdão, aceitação e reflexão. A identidade travesti é elemento chave do espetáculo, que busca a transformação do olhar diante de identidades marcadas pelo estigma e pela marginalização.

A peça é dirigida por Natalia Mallo (SP), que é uma empreendedora multiartista e cultural nascida na Argentina e residente em São Paulo.  Com 20 anos de experiência profissional, a diretora tem desenvolvido projetos de colaborações internacionais para trabalhar na interseção de arte, educação e sociedade.

Procurada pela equipe de reportagem do Correio*, a protagonista e a diretora da peça afirmaram que só se manifestariam no sábado (28), depois que se informassem melhor sobre a questão. Vale salientar que a peça também foi proíbida no Sesc Jundiaí (SP), em circunstâncias muito parecidas com as de Salvador, por liminar concedida pelo juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, atendendo a um pedido que já vinha sendo articulado há alguns dias por fundamentalistas religiosos.

De acordo com o presidente da FGM, o diretor teatral Fernando Guerreiro, 51 anos, a liminar chegou estrategicamente depois das 17h, impossibilitando qualquer movimento no sentido de derrubar a decisão. “Só na segunda-feira poderemos fazer algo para impedir a continuidade desse movimento absurdo de censura”, disse Guerreiro. Com 40 anos de carreira, o diretor se disse chocado com a iniciativa que fere princípios democráticos. “A classe artística e a sociedade precisam frear essa movimentação de censura que tem repercussões gravíssimas, não só para a classe artística, mas para a liberdade democrática”, completa.

Para o curador Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC), Felipe Assis, a ideia de uma peça como essa não é profanar. “Mas lembrar que as religiões são espaços de amor e não de ódio”, completa, ressaltando que a figura de Cristo foi um dos maiores divulgadores da tolerância.

Surpreso com a decisão, o presidente da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil Felipe Garbelotto afirmou que, numa análise preliminar e superficial, a primeira impressão é que a decisão foi mal fundamentada e pautada num caráter de censura. “A liminar estabelece uma multa absurda, especialmente para um cenário artístico local. Não sou conhecedor de religiões, mas acredito que as pessoas possuem liberdade de acreditar num Cristo que melhor se aproximar da sua fé, seja ele cisgênero ou transgênero”, completou.

Na decisão, o juiz destaca que as partes autoras “se sentiram ofendidas quanto à sua ideologia religiosa cristã” e isso teria violado seus direitos. A liminar afirma que a laicidade do Estado significa que se deve “proteger amplamente a liberdade religiosa”, na espera pessoal e também pública. “Um Estado não deve tenta impedir a vivência religiosa do povo, especialmente o Cristianismo, com uma ação hostil ao fenômeno religioso e a tentativa de encerrá-lo unicamente na esfera privada”, afirma o juiz.

Segundo ele, não se pode permitir que se eliminem “símbolos/crenças religiosos mais tradicionais do povo, com narrativas debochadas e fantasiosas, como que lhe arrancando as raízes”. Ele determina ainda que caso a liminar não fosse cumprida, a multa diária seria de R$ 1 milhão, em favor das partes autoras.

Clique e leia a decisão na íntegra

Em nota, a Fundação Gregório de Mattos (FGM) comentou a decisão. Leia o texto divulgado:

Por conta de determinação judicial emitida no final da tarde desta sexta-feira (27), a Fundação Gregório de Mattos (FGM) suspendeu a apresentação do espetáculo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” de hoje, no Espaço Cultural da Barroquinha. A peça, dirigida por Natalia Mallo (SP), integra a programação da décima edição do Festival Internacional de Artes Cênicas (FIAC) Bahia 2017, que ocupa diversos espaços em Salvador, entre 24 e 29 de outubro, com peças de teatro, espetáculos de dança, performances, críticas e atividades formativas. A FGM e a produção do Festival já estão tomando as providências jurídicas cabíveis.

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