“Depois de passar pelo processo todo, inclusive o pós-cirúrgico, vou cumprir a promessa de ir andando da minha residência aqui no Costa Azul até a Colina Sagrada do Senhor do Bonfim”. O compromisso firmado com as divindades por Adriano Brasileiro, 52, está mais próximo de ser cumprido porque o Judiciário acatou o pedido da Defensoria Pública da Bahia-DPE/BA e determinou que o Estado autorize e custeie a realização do procedimento de mamoplastia masculinizadora.
A cirurgia, que consiste na retirada da glândula mamária e o reposicionamento da aréola, é um passo importante para muitos homens trans, pois possibilita que se sintam confortáveis com o próprio corpo e em conformidade com a identidade de gênero. “Eu tenho todas as características masculinas. Só as mamas que me incomodam, principalmente, quando tomo banho ou as vejo no espelho. É uma grande disforia”, descreve Adriano, que aos 47 anos iniciou o processo de transição e, desde 2018, faz acompanhamento endocrinológico e hormonioterapia.
O procedimento garantido na Justiça é coberto pelo Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS). O Artigo 2 da Portaria nº 2.803 do Ministério da Saúde prevê a “integralidade da atenção a transexuais e travestis, não restringindo ou centralizando a meta terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas”.
No entanto, após, sem sucesso, tentar realizar o custeio do procedimento por meio de vaquinha virtual, Adriano resolveu buscar a DPE/BA para ajuizar uma ação por conta do sofrimento psicológico e por temer um longo tempo de espera. “Eu sabia que iria demorar muito. A equipe médica que me acompanha já havia me advertido que corria o risco de eu morrer e não realizar meu sonho porque a demanda e espera é muito grande”, conta.
Na ação de obrigação de fazer formulada junto ao Judiciário, a Defensoria da Bahia destaca que incumbe ao Estado “proporcionar os meios adequados visando proteger a saúde do indivíduo, especialmente quando observa se tratar de iminente hipótese de danos e males à saúde”. A instituição também ressalta que Adriano preenche os requisitos previstos pela Portaria nº 2.803 para realização da mamoplastia masculinizadora, uma vez que já iniciou a hormonioterapia, possui indicação específica para realização do procedimento cirúrgico e faz acompanhamento prévio há mais de 02 anos por equipe multiprofissional.
Em decisão liminar proferida no último dia 12 de julho, o Judiciário determina que o Estado autorize e custeie a realização do procedimento em hospital ou clínica do SUS, ou, não existindo credenciamento, na rede particular nas vagas destinadas ao Sistema Único de Saúde. A decisão é amparada por parecer do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS/TJBA), defendendo que, embora o tratamento seja eletivo, “diante do sofrimento psicológico e impacto negativo na qualidade de vida decorrentes da insatisfação com a imagem corporal, não convém aguardar o término da instrução processual para a análise do pleito antecipatório”.
Para o defensor público César Ulisses da Costa, que assina a ação de obrigação de fazer ajuizada para garantir o direito de Adriano, a decisão é de extrema importância não só para o assistido. “Ela abre caminho para outras tantas decisões que venham a beneficiar o público trans assistido pela Defensoria Pública em situações como essa”, argumenta. “Outro ganho com a liminar é, exatamente, compelir o Estado (seja União, Estados ou Municípios) ao cumprimento na Portaria de n°. 2803/2013, que trata do Processo Transexualizador no SUS”, completa o defensor público.
“Realizar esse sonho [de fazer a mamoplastia] é a liberdade total. Essa causa ganha é uma vitória não só para mim, mas para todos os outros garotos trans que, muitas vezes, não tem nem condições de pagar os hormônios, que são caros”, comemora Adriano.