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Daniel Silveira: ‘Sobre arte, sexualidade e preconceito’

Por Daniel Silveira*

Eu tenho 31 anos, quase 32. Quando era criança eu sonhava em fazer ballet. Eu tinha uma amiga que fazia. Mas já com oito, nove anos de idade, eu disse não a meu desejo pela primeira vez. Nessa época eu já sofria bullying. Discretamente, mas já sofria. Uma tia que vivia implicando com minha “vozinha entojada”. Ela não sabe quantos complexos ela gerou em mim.

“Ballet é coisa de menina. Ou de viado”, diziam alguns e refletia meu pensamento na época. E claro, eu não era menina e não queria ser viado. Sequer confundido. Eu nunca tive nem coragem de propor à minha família tamanha loucura. Imagina como meu pai ia encarar os amigos quando eles perguntassem se o filho dele era “bailarina”?

Encaixotei o desejo de dançar. Até que a escola onde eu estudava abriu turmas de dança. Mas o Santíssimo Sacramento era um colégio religioso. Homens não podiam fazer aulas de dança. Para os educadores daquela escola homem tinha que fazer aula de futebol de salão. A dança era para as meninas. Não foram poucas as vezes que eu desejei não ter que ir para as aulas de Educação Física quando eu era forçado a estudar e praticar um esporte que eu detestava (e ainda detesto) só porque tinham escolhido assim.

Anos mais tarde, eu já tinha noção de que precisava me comportar como um menino hetero para ser aceito entre colegas. Mudei de cidade, de escola e o problema, dessa vez, fui eu quem criou. Lembro como se fosse hoje (mas já faz 17 anos): o Cefet tinha turmas de teatro e dança. Eu tive vergonha de me inscrever para fazer o teste para o teatro porque era um combo. Eu ia ter que dançar. E o fantasma da vergonha já me assustou ali mesmo. E eu já temia ser mais uma vez o “viadinho da escola” se eu dançasse.

E falei isso em voz alta na hora da inscrição. A professora de dança escutou e me falou que não me preocupasse, as duas seriam feitas em conjunto porque se completavam. Eu me inscrevi, com medo do que achariam de mim. Eu não passei na audição.

Desde então, nunca mais tinha pensado sobre isso e sobre como isso me machucava. Durante toda a minha vida fui privado de um desejo, um sonho, por medo do que pensariam de mim. Eu, com 15 anos, me inscrevendo para audição na turma de teatro da escola, pensava como minha vida seria um inferno se eu entrasse para o teatro, eu já era chamado de bicha, da voz entojada, cheio de trejeitos, desde a minha infância. E eu só queria fingir que não era nada daquilo pra todo mundo.

***

O ano é 2019. E eu me matriculei em uma turma de ballet clássico. Eu tenho um corpo de um adulto de 32 anos, minhas articulações não são mais as mesmas. Eu tenho encurtamento em quase todos os músculos do corpo, eu sou uma pessoa sedentária. Nunca me interessei por esportes porque era um ambiente inseguro e não podia fazer dança ou outra forma menos “masculina” de trabalhar o corpo por medo de sofrer bullying.

E agora eu posso. Hoje não me incomodam piadinhas sobre minha sexualidade. E eu fico super feliz quando me vejo realizando um sonho antigo. E amo quando sinto meu corpo reagindo às ações durante a aula.

E lamento ter deixado pra viver isso apenas nesta idade. Mas luto por um mundo onde crianças não sejam impedidas de dançar, jogar futebol, brincar de boneca, de carrinho, porque adultos não conseguem se controlar e têm a mania de querer encaixotá-las crianças em uma denominação de gênero ou sexualidade.

Somos nós, adultos, que inventamos nomes para atitudes delas. Que criamos valores negativos para quem não se encaixa em algum desses padrões, que damos cores, brinquedos e formas de agir, gênero e sexualidade.

Deixem o menino dançar. No máximo, o que vai acontecer é ele se tornar um ótimo dançarino.

P.S.: Uma das coisas que mais me machuca é que eu nunca vou chegar a fazer algo como o dançarino da foto porque eu deveria ter começado muito mais cedo para isso.

*Jornalista colaborou para o Me Salte, texto publicado no Medium

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