Por Matheus Buranelli, em colaboração para o Me Salte
Durante oito anos, Alex Brito sofreu ataques verbais do vizinho por conta de sua orientação sexual. Alex deixou de frequentar mercados, restaurantes e estabelecimentos do próprio bairro para evitar o vizinho, mas não denunciou os ataques. Em maio do ano passado, o agressor tentou atropelá-lo e, tendo falhado, avançou para o jovem com um facão que levava no carro, mas não acertou o golpe.
Alex declara que, ao prestar queixa, policiais e delegados questionaram se o ataque foi motivado por homofobia, atribuindo a violência a uma briga de vizinhos, desconfigurando a natureza do crime. “Conheço outras pessoas que sofreram homofobia, mas não denunciaram por conta da impunidade. O estado é muito omisso”, comenta.
O caso de Alex ganhou notoriedade por levantar o debate sobre a realidade da homofobia após a criminalização dessa prática. Enquanto Alex espera o julgamento do caso, ele vive na mesma casa, em Salvador, e ainda convive com o agressor, que não lhe direciona mais ataques.
Combate à homofobia no legislativo
Após anos de tentativas do poder legislativo para criminalizar a homofobia, em 2019 o Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente decidiu que a homofobia pode se enquadrar como crime via Lei Antirracismo. Essa decisão alterou a Lei 7.716/1989 e inclui a discriminação por sexo, orientação sexual ou identidade de gênero na legislação. A pena para esse crime inclui multa e reclusão, que pode durar de 1 a 5 anos.
No mesmo ano foi sancionada em Salvador a Lei Municipal 9.498/2019, conhecida como Lei Teu Nascimento, que caracteriza como infração o ato discriminatório contra pessoas em razão da orientação sexual e identidade de gênero.
Apesar da proteção legal, os índices relacionados aos crimes de homofobia no país não caíram. Segundo relatório lançado na última quarta-feira (11) pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, ao todo o Brasil somou 316 mortes de pessoas LGBT em 2021. Esse número representa 33,33% a mais do que no ano anterior.
“O desafio maior dessa comunidade, no Brasil, não é exatamente a legislação, embora ainda se possam discutir melhorias e avanços nesse sentido. Mas, quando pensamos no combate à homofobia e a toda forma de discriminação contra as pessoas LGBTQIA+, vemos que, embora a decisão do STF de 2019 tenha sido uma importante conquista em termos de garantia da proteção legal, seus efeitos permanecem ainda muito simbólicos, uma vez que a eficácia da medida de criminalização deixa a desejar no dia a dia de quem mais sofre”, avalia Carolina Grant, professora da Faculdade Baiana de Direito e pesquisadora nas áreas de Direito, Gênero e Sexualidade.
Violência contra pessoas LGBTQIA+
Um caso ainda mais recente desta discriminação ganhou a mídia esse mês quando a presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, foi impedida de entrar no México, onde representaria o Brasil num evento internacional. Devido não ter seus documentos retificados após a transição de gênero, ela foi enviada de volta para o Brasil e não pôde participar presencialmente do Fórum Social Mundial da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).
Embora originalmente o termo “homofobia” se refira ao preconceito em relação à sexualidade, a palavra também é utilizada para designar de forma ampla o preconceito contra pessoas LGBTQIA+. De acordo com pesquisa publicada na semana passada, em 2021 homens gays representaram a maioria das mortes da comunidade LGBTQIA+ (45,89%), seguidos de travestis e mulheres trans (43,9%) e mulheres lésbicas (3,8%). Homens trans somam 2,53% desse percentual e bissexuais, 0,95%. O relatório foi produzido com dados coletados por ONGs devido a inexistência de registros governamentais com recorte para violência contra pessoas LGBTQIA+.
“Para que sejam elaboradas políticas públicas que tragam resultados efetivos à comunidade LGBTQIA+ é preciso coletar dados sobre essa população, identificar suas reais demandas e, para isso, criar ferramentas sensíveis aos marcadores sociais envolvidos (como gênero e sexualidade). Com esses marcadores é possível mapear a realidade e formular ações que atendam a quem mais sofre com a discriminação. Enquanto não existirem dados oficiais do governo sobre essas violências, o único caminho será usar os dados produzidos pela própria comunidade, como forma de ouvi-la e incluí-la no processo, até que sejam revistos os marcadores usados nas estatísticas oficiais”, pondera a pesquisadora.
As informações publicadas no Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ foram coletadas em parceria pela Acontece – Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). A ausência de números oficiais relacionados a crimes de homofobia indicam uma provável subnotificação dos casos – o que significa que há mais vítimas do que se pôde calcular. Para evitar a omissão desses crimes, denuncie.
Acesse o Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+
Canais de denúncia
Centro de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT (CPDD-LGBT)
Vinculado Secretaria de Justiça
Endereço: Rua do Tijolo, nº 08, no Pelourinho – Salvador
Atendimento: Segunda a sexta-feira, das 8h às 17h
Centro de Apoio Especial aos Direitos Humanos (CAODH)
Vinculado ao Ministério Público
Telefones: (71) 3103-6729 (Promotoria de Direitos Humanos) | (71) 3103-6400 (Geral)
Endereço: Avenida Joana Angélica, nº 1.312, Nazaré – Salvador/BA
Centro Municipal de Referência LGBT+ Vida Bruno
Telefone: (71) 3202-2750
Endereço: Av. Oceânica, nº 3731 – Rio Vermelho – Salvador/BA
Atendimento: Segunda a sexta-feira, das 8h às 17h
Observatório da Discriminação Racial e LGBT
Telefone: (71) 3202-2759 | Whatsapp: (71) 98622-5494
Endereço: Av. Carlos Gomes, no Clube de Engenharia da Bahia (nº 31) – Salvador/BA
Atendimento: Segunda a sexta-feira, das 8h às 17h
Denuncie no link: http://observatorioracialelgbt.salvador.ba.gov.br/denunciar
Denúncia contra Direitos Humanos (Governo Federal)
Disque 100