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Conheça a história do jornalista baiano que se tornou drag queer na Coreia do Sul

Por Raquel Saraiva, especial para o Me Salte 

Nix causa estranhamento por onde passa. Nos encontramos num café em Salvador. Enquanto conversávamos, as pessoas não paravam de cochichar olhando para ela. “Me defino como drag queer, que é uma drag não binária. Assim me sinto mais fluída para transitar por onde eu quiser”, ela explica. E mesmo em meio a extravagantes drags, ela se destaca: longas e pontiagudas unhas, roupas e maquiagem com referência punk e dark, e acessórios de papel de formas retas completam o look. Bem diferente do tradicional visual feminino adotado pelas queens.

nix 7 - photo Arthur Zozimo

“As pessoas esperavam que eu usasse cabelão e uma maquiagem feminina. Às vezes digo que vou me montar e elas exclamam ‘você vai começar a fazer drag!’, como se eu não fosse uma. Elas não me vêem como parte do grupo”, conta Tiago Canário.
O jornalista soteropolitano de 29 anos deu vida a Nix há um ano, na Coreia do Sul, como um hobby. “Eu era tão diferente no país… Abracei isso e usei como potência”, lembra. Hoje ele diz se sentir mais confortável e satisfeito consigo: “Fazer Nix me mudou. Eu me sinto mais livre e sob menos pressão”, confessa.

Graduado pela Ufba, ele foi para Seul, capital da Coreia do Sul, em 2013, após conseguir uma bolsa de doutorado em comunicação. A ideia inicial era continuar o trabalho do mestrado, desenvolvido na Facom (Ufba) – pesquisando histórias em quadrinhos. Hoje, estuda criação e manutenção de imagem do artista em redes sociais e já conseguiu um emprego – vai começar a trabalhar na área de comunicação no início do mês de janeiro.

Referências
O soteropolitano usou a falta de expectativa e o estranhamento dos coreanos em relação aos estrangeiros e a drags ‘não femininas’ a seu favor. “Eu não tava lá para satisfazer ninguém. Não queria sair de um julgamento, de ser estrangeiro e gay, e entrar em outro, de ter que ser feminina”, conta. Desenvolveu um estilo próprio a partir de referências de clubkids, mangás, animes, cultura pop asiática e artistas que trabalham com papel.

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“Gosto muito da Milk, que tem um estilo andrógino, e do estilo punk/gótico da Sheron Needles [drags americanas que participaram do reality show RuPaul’s Drag Race]. No Brasil, minhas referências são Alma Negrot e Pandora Yume, do Rio de Janeiro, e Nina Codorna e Malayka SN em Salvador. Me identifico muito com o coletivo Casa Monxtra, que busca mostrar uma beleza diferente da beleza de shopping”, destaca.

Nix 5 - photo Kim Jinhyuk

Cena coreana
De nacionalidade coreana, Nix fez apenas uma apresentação em Salvador, no Âncora do Marujo, em 2016 – a segunda será nesta sexta (22) na San Sebastian no especial de natal da Haus Of Gloom. Tiago tinha familiaridade com o universo drag e sentia falta de se expressar artisticamente. Em uma galeria de arte ele teve a primeira oportunidade de se apresentar.

Nix ainda aparece mais em editoriais de revistas e museus que em bares. Tiago fala que Seul conta com dois bares onde os shows são regulares, aos sábados. “Os locais disponíveis para shows continuam sendo muito poucos, então mesmo com poucas drags, a competição por espaço lá é muito maior”, afirma.

Em geral, as drags performam duas ou três músicas na Coreia – cada uma com uma roupa, peruca e conjunto de acessórios diferente. As performances em casas de shows e boates no país asiático são pontuais. “Eu não sei como as drags soteropolitanas dão conta. É muito puxado. Aqui as pessoas fazem shows de 3h, lá você se apresenta em 10 minutos”,  revela. Por noite, em Seul, as drags ganham em média U$ 100, além das gorjetas – quase 5 vezes mais que o valor recebido em Salvador, e com duração de 5% do tempo de um show na capital baiana.

Nix - photo Kim Jinhyuk

Ser LGBT
Para ser melhor aceita, Nix performa músicas da cena pop americana, que é conhecida e assumida como padrão na Coreia. “Artistas estrangeiros são tratados com um pouco de desdém”, explica. “As drags asiáticas e femininas são muito mais bem recebidas. Eu consegui espaço por outras vias – através das redes sociais, de editoriais em revistas, entrevistas, e aí as pessoas começaram a reconhecer o que eu fazia”, lembra.

“Com as drags, acho que existe mais estranhamento que preconceito, em especial pelas pessoas mais velhas. Nunca ouvi falar de casos de violência lá, diferente daqui. Lá eu me monto e vou de ônibus. No máximo as pessoas comentam ou tiram fotos. Nunca me xingaram”, conta Tiago. Perguntado se Nix toparia entrar num ônibus em Salvador, ele rapidamente diz que não. “Lá o preconceito é de estranhamento, aqui é de agressão”, ele responde.

Embora se sinta mais seguro no país asiático, Tiago revela que se sente pouco amparado. “Em Salvador tem mais troca de informações, eu saio daqui mais inspirada… você cresce mais! Lá, além da cena ser muito pequena, as pessoas são mais fechadas, não se ajudam tanto. Me sinto solitário”, diz.

Nix fará apresentação única em Salvador! Confira:
O quê: Jingle Bell Hog
Quando: sexta-feira (22)
Horário: 23h59
Local: San Sebastian
Valor: gratuito (com nome na lista – www.sansebastianoficial.com.br )

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