Esta coluna se chama Cheiro de Couro por um motivo: quem não lembra da vilã trash mais amada do Braseel, Nazaré Tedesco, dizendo a famosa frase ‘Sapatonas, sinto longe o cheiro de couro’, numa cena ao lado de um casal de lésbicas, na novela Senhora do Destino?
Pois: sapatão, 44 e couro estão intimamente ligados nessa frase épica: os sapatos, em 1900 e antigamente, eram feitos de couro. Assim, tá mais do que explicado porque Nazaré brilhou ao desenterrar essa descrição que poderia ser coroada como a mãe de todos os estereótipos a respeito das tombas.
Foi falando de estereótipos que eu resolvi voltar à ativa (ui!) aqui no Me Salte. É que, falando assim, em couro, sapatão, 44 etc., fica parecendo que toda lésbica é rigorosamente igual, segue aquele padrão onde todas mais ou menos se reconhecem – aos desentendidos, o lance do reconhecimento chama-se gaydar.
Quer dizer que, para ser tomba, tem que ser ‘novinha’ ou coroa descolada? Achei graça disso essa semana quando ouvi alguém contar uma história mais ou menos assim: a moça foi, toda cautelosa, sair do armário pra mãe, ao que recebeu uma resposta nesse naipe: ‘ Ô, minha filha, mas logo você? Olha… pelo amor de Deus, eu te amo do mesmo jeito, que quero que você seja feliz, mas eu esperava isso da sua irmã, que é toda largada, cheia de tatuagens! Você é tão feminina…’.
Explico: a moça em questão, que pulava para fora de Nárnia já recebendo essa para pensar a respeito, é adepta de vestidos floridos e sandálias rasteiras. Daí eu fiquei pensando cá com meus botões que boa parte das pessoas ainda acha que sapa que é sapa tem que ser novinha ou, pelo menos, uma quarentona descolada, que anda por aí de all star, fuma baseado, curte umas cervejas e adora um tombamento fino, cult. Sapa boa é sapa que dá pinta e que mergulha num banho de formol e fica ali pra sempre, como diz minha mãe, toda balzaquiana’, sem sair dos 30 e poucos, amém.
Não, gente, sapatão não anda com uma placa na testa escrito ‘sou sapa’. Aquela senhorinha do outro lado da rua, que você acha que nem vive mais, pode ser lésbica. Mãe Stella de Oxóssi, que, nas últimas semanas, esteve no centro das discussões, pode ter uma companheira, qual o problema? Aliás, foi uma profusão de ‘Oxe, e Mãe Stella é do babado?’, que eu espero terem sido só expressões de surpresa, não de intolerância e mais julgamentos e preconceitos.
Não é só isso. Aquela sua amiga que curte um saltão e tem o guarda-roupa mais cor-de-rosa da vida pode ser sapa. Aquela outra que se veste como uma mocinha romântica também pode ser sapa – sim, sapas são muito românticas, dá licença! Aquela outra que anda por aí desfilando vestidões lacrativos pode ser sapa. E aquela que você olha e fala ‘olha o caminhão’ pode ser muito, mas muito, mas MUITO hetero. E pode ser sapa também. Ou pode ser bi. Sei lá!
A gente costuma achar que o mundo é gay e ficar fazendo competição de gaydar pra ver quem acerta. Mas não, o nosso mundo é gay, mas o mundo lá fora é bastante diversificado e cheio de gente que não quer nem ouvir falar de calça boyfriend, blusão largo e óculos aviador. Lésbica não tem cara. Não dá pra escolher pela largura da calça ou pelo jeito de caminhar. Não dá pra deixar de ser sapa porque a juventude acabou. Não é assim que a coisa funciona. Sabe aquela história de envelhecer junto? A gente também pode.
E como sapa não tem cara, nome, cor, idade, tamanho de sapato e nem cheiro de couro ou de borracha, quero dizer que essa coluna, que eu espero alimentar com muito carinho e dedicação – olha a promessa de campanha… – é para todo mundo!
Beijo da Lola ;*
*Lola escreverá periodicamente no Me Salte sobre a vida das lésbicas. Se tiver sugestões basta enviar por e-mail para mesalte@redebahia.com.br