Natal. Sala cheia, todos confraternizam ao redor da mesa. O clima é de alegria até chegar aquela vizinha. De imediato as mãos se separam e em instantes você vira o amigo do seu namorado. Daí vem o Ano-Novo, Carnaval, Dia das Mães, Dia dos Pais, funerais, cirurgias, batizados de bonecas …. e em todos os eventos que você está presente sempre você é taxado como o amigo (por mais peculiar que seja ser o único de ‘fora da família’) da pessoa que está ao seu lado por séculos.

Esse texto é para falar das famílias que acolhem seus filhxs LGBTQIA+, seus parceirxs, mas que ainda omitem/escondem diante das situações públicas a existência dessas relações.

Sim, sim! Pode parecer até uma coisa incoerente falar de aceitação dentro de famílias que já convivem de forma harmoniosa com relacionamentos homoafetivos. Essas famílias já pularam a primeira barreira – a do preconceito interno – mas muitas têm dificuldade de passar a segunda barreira: a língua dos vizinhos e do mundo externo.

Falo isso por conhecimento de causa. Já passei isso com antigos namorados e até mesmo agora com meu marido – e olhe que já estamos casados desde 2016. Às vezes, essa negação do vínculo para o mundo externo vem disfarçada de proteção. ‘Vocês vão ficar falados’, ‘Vai virar o comentário da cidade’, ‘Não vão parar de encher o saco de vocês’….

As desculpas são muitas e muitas vezes elas têm até um fundo de sentido diante da circunstância vivida. Mas, infelizmente, essa negação colabora com a proliferação do preconceito propagado de forma tão intensa no mundo exterior.

A partir do momento que a própria família negligencia a nossa existência enquanto casal abre precedente para as críticas e agressões da patrulha da moral e dos bons costumes. Infelizmente vivemos numa sociedade onde as pessoas se acham no direito de julgar e apontar o que eles acham que é certo. Ninguém é obrigado a reconhecer a existência de casais LGBTQIA+, mas todos precisam respeitar nossa presença no mundo. Isso fica ainda mais evidente e urgente quando essa negação acontece dentro da nossa casa onde já estamos acolhidos e resolvidos.

Certa vez em um mesmo jantar na casa de um então namorado vivi uma crise séria de identidade: a cada novo convidado no aniversário da minha então sogra eu ganhava um título novo! Em menos de um hora eu fui o amigo, o colega de colégio, amigo do trabalho, o jornalista amigo da irmã…. Tudo menos namorado. E olhe que foi um namoro de pelo menos uns 3 anos e todas aquelas pessoas já me conheciam de outras situações familiares. O motivo? Jamais saberei. Mas sabemos que no fundo uma das principais razões é o medo de expor a intimidade para aqueles que não necessariamente vão nos acolher com afeto.

E o que dizer de um casal de amigas – casadas desde 2015 – que vivem em um apartamento de UM QUARTO – obviamente com uma cama de casal – mas que as famílias insistem em dizer para os vizinhos que elas são ‘apenas amigas’? Elas moram no mesmo prédio que parte da família de uma delas. Uma certa vez elas, inclusive, abriram a casa delas para o aniversário de uma tia da família – que convidou os vizinhos do prédio. Na cena do jantar uma vizinha fofoqueira pediu para ver o apartamento e perguntou porque só tinha uma cama no quarto. A tropa do deixa disso foi logo explicando que era uma questão de espaço e cada uma dormia para um lado da cama como ‘amigas’.  Na hora de lavar a louça depois do jantar, quando o tema veio à baila, as tias justificaram que a negativa era para protegê-las de tretas no condomínio com os vizinhos evangélicos.

Entendo e respeito essa postura defensiva, mas acho que temos que parar de pensar na vizinha fuxiqueira ou no amigo do amigo que é homofóbico! Vamos fazer esse povo se engasgar com a farofa do Natal. Vamos pegar o boy pela mão, apresentar como namorado e não reprimir nossas manifestações de carinho para debaixo da mesa.

Não há como não se entristecer ao ver todos os primos e primas lacrany com seus respectivos e você ter que se esconder na fantasia de amigo e se limitar a tocar, beijar e abraçar seu amor às escondidas mesmo dentro daquele ambiente acolhedor.

O exemplo precisa vir de casa. Nossas famílias precisam ultrapassar essa barreira!

*Ilustração: Morgana Miranda/ME SALTE – CORREIO

2 de maio de 2018

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