Esqueça – se possível for – por alguns minutos sua religião (se você tiver uma). Vamos falar de um personagem na história: Jesus Cristo. Conta a história que um homem – concebido sem pecados – viveu 33 anos na terra sendo humilhado, fazendo caridade e espalhando o amor ao próximo. Não há relatos sobre a sua sexualidade. Leituras interpretativas da bíblia chegam até a dizer que ele poderia ter tido relacionamentos com Maria Madalena.
Isso aconteceu há 2019 anos. O tempo passou, é lançado o especial de Natal A Primeira Tentação de Cristo, do Porta dos Fundos, na Netflix. Na obra de ficção Jesus aparece com um jovem sonhador, ingênuo e gay. Foi o suficiente para que o especial se tornasse a produção brasileira mais vista da história da Netflix e também uma das mais odiadas pelos fanáticos religiosos.
As redes sociais viraram uma fogueira da inquisição condenando a sexualização de Jesus. Já vi outras esquetes de humor onde Jesus é representado como bandido, ladrão, traficante e mulherengo. No último dia 25, o grupo humorístico ganhou o Emmy Internacional pelo especial do ano passado, focado na Santa Ceia. Nele, Jesus era um mau caráter beberrão, e tinha um caso com Maria Madalena. Lembro quando esse especial foi lançado. A repercussão não chegou a um pó de traque da avalanche por ele ser gay. Jesus ser mau caráter podia, né?! O problema – vociferam os ignorantes – é ser gay.
No especial, Jesus (Gregório Duvivier) ganha uma festa de aniversário de 30 anos logo após retornar de uma viagem de 40 dias pelo deserto com o namorado, Orlando (Fábio Porchat). Durante a comemoração, Maria e José aproveitam para fazer uma revelação: ele foi adotado por José e seu verdadeiro pai é Deus.
Para Duvivier, as críticas à obra têm cunho homofóbico. “No especial de 2018, Jesus era mau caráter e não teve protesto, e neste ano ele é gay e fazem um escândalo. Me entristece perceber que, pra muita gente, Jesus ser gay é uma ofensa, quando na verdade é uma característica”, disse em entrevista à Folha de S. Paulo.
Essa semana ouvi de um motorista de aplicativo – que ostentava uma bíblia sagrada no painel do seu carro – que achava muito ‘errado esse negócio de Jesus ser viado’. Bradou aos sete ventos que era uma heresia e uma blasfêmia.
O mesmo motorista, minutos depois, não hesitou em dizer que mataria qualquer bandido se tivesse um arma, avançar o sinal vermelho, olhar para a bunda de uma mulher que andava na orla de biquíni (reduzindo a velocidade do carro e chamando ela de gostosa) – usou para abrir o vidro do carro a mão esquerda com a aliança de casamento. Ou seja, a sociedade tem dois pesos e duas medidas.
O que será que explica isso? Vivemos em um mundo de hipocrisia. A fé é usada como subterfúgio para endossar os argumentos desmedidos daqueles que querem reverberar suas opiniões. O respeito é seletivo. O machismo da nossa sociedade não permite que ‘Jesus tenha sido gay’. Repito: não há nenhum elemento histórico que fale sobre a sexualidade dele, mas será que se a narrativa da Porta dos Fundos fosse verdadeira os cristãos deixariam de adorar Cristo?
Se Jesus Cristo realmente tiver sido um homem gay o que os seus adoradores fariam? Será que o exemplo de amor, caridade e fé de Jesus só vale se ele não tiver sido gay? A seletividade de pensamentos é tão cretina que chegaram a fazer um requerimento de indenização por dano moral coletivo contra a Netflix por conta do especial. Só fico imaginando para onde iria esse dinheiro caso a Justiça desse ganho de causa nessa ação.
Nesse período de Natal acho que as pessoas deveriam seguir – realmente – os ensinamentos de Jesus. Amar, servir e fazer caridade de forma incondicional. Os relatos históricos indicam que Jesus foi um homem íntegro, tolerante e acolhedor. Se vivesse hoje poderia até não ser gay (ou ser), mas certamente seria um aliado das causas LGBTQIA+, do combate à violência contra a mulher e ao racismo, por exemplo.
Jesus Cristo é mara – gay ou não! O que ferra tudo é o fã clube dele !