Vinícius Nascimento
Instagram: @eusouvinino

A arte é uma ferramenta poderosa. Serve para protesto, entendimento, transformação de vida e, principalmente, resistência. Que o diga Hiran, rapper natural de Alagoinhas, no interior da Bahia, que teve a vida transformada pela arte e será uma das atrações da 19ª Parada LGBTQIA+ da Bahia, que acontece neste sábado, 05, a partir das 18h, em edição especial virtual. O evento vai discutir o ‘Racismo na comunidade LGBTQIA+’ e terá transmissão pelas redes sociais do CORREIO e do Me Salte.

Além de Hiran, as artistas Matheuzza (atriz, educadora e pesquisadora nas questões de raça, sexualidade e gênero); Bagageryer Spilberg (apresentadora, transformista e realizadora de concursos de beleza); e Malayka SN, que é DJ, visual artist e drag; junto com as cantoras Doralyce e Josyara irão performar na Parada deste ano, que terá ainda três mesas de debates (veja programação completa abaixo).

A arte atravessou a vida de cada uma dessas pessoas de formas diferentes. Hiran diz que a música é o que tem de mais sagrado em sua vida e chega antes de qualquer coisa: relação com a família, com parceiros afetivos e até de seu lugar no mundo enquanto jovem gay e preto. 

Hiran buscava referências no rap no começo da carreira; agora ele é referência (Foto: Fernando Young)

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“Eu penso sempre que se eu não tivesse qualquer uma das possibilidades de diálogo eu conseguiria existir mesmo infeliz, mas sem a música eu não teria nada. Nada iria suprir as minhas necessidades, os meus vazios”, afirma.

Hiran diz que não foi fácil trilhar esse caminho e que por diversas vezes esbarrou em falta de referências que atrapalharam o ritmo de seu trabalho. No início da carreira, foi hostilizado em rinhas e rodas de rima por ser gay. Olhava para os grandes nomes do rap e não enxergava ninguém que falasse das coisas que queria falar, ou ninguém que pudesse ser a sua inspiração.

“É muito difícil ser o primeiro. As coisas mudaram bastante quando conheci o som de Rico Dalasam, aquilo foi transformador. Uma mudança acontece quando você se vê em uma referência que mostre de onde partir, o que fazer. Sem isso, tudo se torna muito intuitivo e as coisas são mais difíceis”. 

Josyara é uma das cantoras que dará canja no evento (Foto: Acervo Pessoal)

Pensamento crítico

Por mais que a arte seja transformadora na vida de muitas pessoas pretas e LGBTQIA+, Malayka SN é enfática ao declarar que a arte não vai salvar a vida de todo mundo. Apenas alguns casos isolados e insuficientes quando se olha para todo um contexto de violências, marginalização e falta de oportunidades.

Uma transformação de verdade, para a artista, passa por um projeto político-pedagógico eficaz, um governo eficiente e uma economia que pense e inclua essas pessoas. “A gente entende que a arte é um mecanismo que pode abrir portas para muitas coisas, mas que ela sozinha não basta”, afirma Malayka.

Outra cantora que também participa da Parada é Doralyce (Foto: Guilherme Paim)

Artista não-binária, Malayka tem uma crença muito forte na força do trabalho coletivo e diz que iniciativas como o Afrobapho e a cena drag de Salvador ensinaram muito a ela. Uma dessas coisas é o senso de coletividade para consumir, divulgar e acreditar no trabalho de outras pessoas negras e LGBTQIA+, para construir um ciclo positivo.

“Antes de qualquer coisa que vão me recortar, eu sou uma pessoa negra numa sociedade racista. Se eu não consumir a minha própria cultura e amar a minha própria essência, dificilmente vão fazer isso por mim. Não só consumo produtos e ideias pretas, como também propago. É um dos nossos legados ancestrais. O negro e a negra estiveram e fizeram muitas coisas na história do mundo, mas às vezes nem sabemos porque, ou omitiram ou foi roubado”, enfatiza. 

Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba e pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Cultura e Sexualidade da Universidade Federal da Bahia (Nucus/Ufba), David Souza afirma que a utilização da arte como meio de transformação e ascensão social para pessoas negras não é nenhuma novidade na história do Brasil e que iniciativas como o Bando de Teatro Olodum ou o Teatro Experimental do Negro, de Abdias Nascimento, são bons exemplos de que essa história não é de hoje.

A 19ª edição da Parada LGBTQIA+ terá ainda a participação da atriz Matheuzza (Foto: Divulgação)

Com a arte em mãos, pessoas negras buscam valorização de seus corpos, narrativas e a construção da ideia de que podem ser referência e podem ser diferentes do que a realidade impõe. Mas, apesar da vontade e dos casos de sucesso, o pesquisador pondera que ainda é muito difícil para uma pessoa de pele escura e LGBTQIA+ conseguir espaço dentro da arte, principalmente em comparação às pessoas brancas.

“Pessoas LGBTQIA+ negras têm um duplo estigma na sociedade. Ou seja, perdem duplamente os acessos e possibilidades para uma ascensão ou mudança social. No entanto, é fato que a arte tem um caráter libertador e, através dela, pessoas negras têm a oportunidade de escrever novos roteiros, fazer denúncias e se descobrir”, aponta David. 

O projeto Diversidade tem realização do GGB, produção Maré e parceria e criação de conteúdo Correio/Me Salte e Movida; e patrocínio do Grupo Big e Goethe Institut.

SERVIÇO:
19ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ da Bahia
Quando: 5 de dezembro, sábado;
Horário: Das 18h até 20h.
Onde: ao vivo nos canais “Me Salte” e Jornal CORREIO* (Instagram, Facebook e Youtube);

PROGRAMAÇÃO COMPLETA:

Debates:

*Mesa 1 – Bichas pretas
Alan Costa – Formado em Letras Vernáculas pela UNEB, atua como produtor cultural e artístico na cena soteropolitana.
Ismael Carvalho – Criador de conteúdo digital, cofundador e diretor de criação da Preta Agência de Comunicação.

*Mesa 2 – Negras, lésbicas e masculinizadas 
Jandira Mawusí – Pedagoga pela UNEB, idealizadora do Coletivo Merê, é uma das representantes da Caminhada Contra o Ódio e o Racismo Religioso que acontece há mais de 15 anos em Salvador.
Bruna Bastos – Integrante do grupo de pesquisas Rasuras UFBA, pesquisa e estuda Letramentos de Reexistência produzidos por lésbicas negras. É idealizadora da página @sapatonaaentendida onde dialoga sobre lesbianidade e Afroperspectiva.

*Mesa 3 – Transexuais e travestis negras não trabalham apenas em salão 
Érika Hilton – Primeira vereadora trans e negra eleita de São Paulo. A mulher mais votada da cidade com 50.508 votos, pelo Psol.
Inaê Leoni –  Mulher trans, negra, baiana de Salvador.  Licenciada em Teatro da UFBa, em 2010, começou a estudar canto de modo sistemático.

*Performances artistíticas:

Matheuzza (atriz, educadora e pesquisadora nas questões de raça, sexualidade e gênero); Bagageryer Spilberg (apresentadora, transformista e realizadora de concursos de beleza); as cantoras Doralyce e Josyara; o rapper Hiran, uma das maiores identidades do rap nacional; e Malayka SN, que é DJ, visual artist e drag.

GLOSSÁRIO LGBTQIA+

Transgênero – É um conceito abrangente que engloba grupos diversificados de pessoas que têm em comum a não identificação com o gênero designado no seu nascimento. Esses grupos não são homogêneos dado que essa não identificação se dá em graus diferenciados e reflete realidades diferentes. Mais recentemente o termo também tem sido utilizado para definir pessoas que estão constantemente em trânsito entre os gêneros. O prefixo trans significa “além de”, “através de”;

Transformista – Pessoa que se veste com roupas associadas ao gênero oposto movida por questões artísticas;

Pansexual – Alguém que sente atração por pessoas de todas as identidades de gênero. O prefixo ‘Pan’ significa “todos”;

Gênero – O termo gênero aplica-se aos contextos e às reflexões em que as dinâmicas de relações sociais entre homens e mulheres, em sua diversidade, são colocadas como tema. Por meio da afirmação da diversidade, a categoria gênero permite a pluralidade, de modo que, além das subcategorias homens e mulheres, seja possível também reconhecer e incorporar outras expressões correlatas, como as travestis, por exemplo. Cabe frisar, portanto, que gênero não é sinônimo de mulher ou de homem e não se restringe a um modelo único de feminilidade e masculinidade;

Gênero Neutro – Alguém que não se reconhece em um gênero específico;

Identidade de Gênero – Maneira de sentir e se apresentar para si e para as demais pessoas na condição de homem, mulher, uma mescla de ambos ou nenhum. Nem sempre está de acordo com a genitália da pessoa ou o gênero atribuído a ela ao nascer;

Identidade Sexual – É como cada pessoa se expressa através da sua orientação sexual, sentimentos ou atitudes em relação ao sexo. É como a pessoa se percebe sexualmente e vive sua sexualidade;

HSH – Sigla referente aos homens que mantêm frequentemente ou esporadicamente relações sexuais com outros homens, independente de terem identidade homossexual. É um termo bastante utilizado no campo da saúde pública porque se refere à prática sexual e não à identidade sexual. Da mesma forma, em relação a mulheres nessa situação, cujo termo correto a ser utilizado é mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM).

Fonte: Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab)

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