Durante dois anos o professor e psicólogo Gilmaro Nogueira pesquisou perfis na internet através do portal do chat do Uol, um dos mais conhecidos pelos adeptos de pegações pela internet. Como resultado, ele lança hoje à s 17h o livro “Caças e pegações on line: subversões e reiterações de gêneros e sexualidades”  no auditório do Pavilhão de Aulas Glauber Rocha (PAF3), campus de Ondina. Além do lançamento do livro (que contém 312 páginas e é lançado pela editora Multifoco), haverá palestra sobre as potências dos estudos queer, feita pelo professor Leandro Colling. Além disso, ocorrerá um debate da plateia com Gilmaro  e uma apresentação artística da drag Aimée Lumière. A atividade faz parte da programação CUS no Maio da Diversidade.  O livro será vendido por R$ 45 (apenas em dinheiro).
Em entrevista ao Me Salte, o pesquisador explica que a maior parte dos homens que buscam relações com homens se dizem heterossexuais. “Homens que gostam de penetrar mulheres e com outros homens gostam de ser penetrados. Não estou desconsiderando que muitos desses homens fogem do rótulo gay por causa do preconceito, mas também não acredito que o cu dos homens heterossexuais, sejam insensíveis. Acho que são tão sensíveis que não se pode tocar, brincar, etc. As proibições visam proteger essa área, mas muitos desobedecem as regras”, explica o psicólogo que analisou 172 perfis para desenvolver o livro.
Veja abaixo entrevista com o pesquisador:
Me Salte – Quanto tempo durou sua pesquisa e de que forma ela foi realizada?
Gilmaro Nogueira- Essa pesquisa é fruto de uma pesquisa de mestrado no Programa Multidisciplinar Cultura e Sociedade “ Ufba. Durou dois anos, com uma técnica chamada de netnogrfia que é uma espécie de vivência, submersão online. Durante esse período utilizei chats, sites de relacionamentos, etc.
MS – Qual o perfil principal das pessoas que buscam interações nos aplicativos de pegação?
GN – Não tem um perfil específico, são pessoas muito diversas, de classe, raça e gênero diversos, mas como uma busca comum: um corpo malhado, masculinizado e viril. Outros corpos também são desejados, em menor número, tais como: pessoas com mais de 40 anos, gordos e ursos,
MS – As pessoas tendem muito a mentir e/ou omitir informações nesses bate-papos. Como as pessoas reagem quando isso acontece?
GN – As pessoas tendem a simular comportamentos e informações. A maior parte dos homens que buscam relações com homens se dizem machos, mas pessoalmente poucos sustentam esses comportamentos idealizados, o que gera frustação. Com o avanço da tecnologia, os usuários investem em som e vídeo, para ouvir a voz e ter certeza que não mia (não tem voz afeminada) ou que é platado (durinho, masculinizado). Quase todos os homens dizem ter mais de 20cm de pênis. Até o bairro onde moram é omitido, pois geralmente as pessoas dizem que moram na Paralela, quando na verdade é Mussurunga, Sussuarana, São marcos, etc. Isso ocorre por dois motivos: 1) o preconceito contra pessoas de classes populares e com pessoas que não se adequam ao perfil de masculinidade 2) as vezes as pessoas acreditam que tem determinado perfil, porque o mesmo é valorizado, então tem sujeitos que realmente acham que atendem ao ideal de masculinidade “ todos conhecemos um gay que imagina ser discreto ou macho, mas que não engana ninguém, rs.
MS – Você cita que há muitos homens que buscam interações anais com outros homens e que são classificados como hetero. Como isso é possível?
GN – Então, eu fiz um texto dois anos atrás, com o título de: Hétero passivo é tendência que deu muito o que falar. Foi um dos achados da pesquisa, a grande quantidade de homens que gostam de ser penetrados e se classificam como héteros. Eu não criei essa categoria, apenas respeitei a identidade desses homens. Uma filósofa, Beatriz Preciado, já tinha dito que chegaria o dia que os heterossexuais se rebelariam e dariam o cu, pois o cu do heterossexual é castrado, é negado esse prazer. Acho que chegou esse dia. Os heterossexuais estão descobrindo que dar o cu é bom. Homens que gostam de penetrar mulheres e com outros homens gostam de ser penetrados. Não estou desconsiderando que muitos desses homens fogem do rótulo gay por causa do preconceito, mas também não acredito que o cu dos homens heterossexuais, sejam insensíveis. Acho que são tão sensíveis que não se pode tocar, brincar, etc. As proibições visam proteger essa área, mas muitos desobedecem as regras. Não considero também que a homossexualidade e a heterossexualidade seja a forma adequada de dividir a humanidade e os homens, as pessoas são muito mais singulares. Essas caixinhas são invenções humana. Veja, a heterossexuaidade já foi compreendida como promiscuidade, depois passou a ser entendida como padrão de sexualidade normal, isto significa que as identiidades, por serem invenções humanas, mudam no decorrer do tempo, e que a heterossexualidade muda. A heterossexualidade hoje, comporta dar o cu “ é a revolta dos cus. E se essas identidades são criações humanas, porque os sujeitos não podem reinventá-las?
MS – Como você fez o levantamento dos perfis para a pesquisa e a busca das pessoas?
GN – Analisei 172 perfis de sites de relacionamentos e conversei com pessoas no chat do portal uol.
MS – Há muitos questionamentos sobre o desenvolvimento de trabalhos de pesquisa que envolvem a sexualidade. De que forma você encara essas críticas e de que forma acredita que sua pesquisa pode ajudar as pessoas?
GN – Muitas críticas ocorrem porque algumas pessoas não compreendem o valor das pesquisas em ciências humanas e sociais, outras porque as pessoas tem preconceitos mesmo. Negrxs, mulheres, LGBTs ao entrarem nas Universidades verificaram que o que se dizia e se produzia sobre esses grupos era resultado de pesquisas estigmatizantes, com problemas éticos e metodológicos. Muita gente questiona as etnografias e autoetnografias sobre sexualidade. Quase a totalidade dos acervos bibliográfico das Universidades foram produzidos por homens brancos, heterossexuais e europeus, que estabeleceram seu modo de vida como padrão normal do comportamento. As pessoas que criticam os estudos sobre sexualidade não criticam esses estudos que promovem a heterossexualidade como única experiência saudável, nem acusam esses homens de fazer uma ciência que beneficiem seu grupo.
MS – Seu trabalho com psicólogo ajuda, né?
GN – Como psicólogo, mas não apenas para minha profissão, conhecer o comportamento e a cultura das pessoas é fundamental para entender os sujeitos. A sexualidade é uma dimensão importante da vida e não podemos dizer que entendemos a sociedade senão compreendemos também a forma como essa vivencia sua sexualidade, seus movimentos singulares e mutáveis. Uso minha pesquisa para afirmar a importância dos movimentos sociais, do agrupamento e luta comum, mas para evidenciar que cada sujeito é único, que os rótulos criados por cientistas preconceituosos do século XIX não descrevem as pessoas, elas são muito mais ricas, complexas e surpreendentes. Gosto de evidenciar que embora os homens que fazem sexo com homens subvertam regras e normas estabelecidas, em suas práticas sexuais, eles reiteram normas que violentam homens afeminados, ou seja, com tantas mudanças, as bichas afeminadas continuam sendo violentadas, hierarquizadas e isso não é aceitável.