O amor não se submete a regras exatas. Não tem fato gerador, é desprovido de razões lógicas e tem, de forma congênita, um quê de imprevisibilidade. Não é possível a uma lei determinar com quem cada sujeito se relacionará, de qual maneira, em qual intensidade e por quanto tempo.
Infere-se, porém, que apenas com a Constituição Cidadã de 1988 que tal premissa consolidou-se no ordenamento jurídico nacional. A Lei Maior sacramentou o princípio da Pluralidade das Entidades Familiares, ultrapassando o conceito familiar a mera noção singular e heterossexual de casamento.
O conceito de famílias passou a abraçar, de forma expressa, além da modalidade casamentaria, a decorrente da união estável e a monoparental “ formada por um ascendente e um descendente. A proteção tornou-se inclusiva; e não exclusiva. Não demorou para os estudiosos do Direito Civil e, posteriormente, as Casas Judiciais Nacionais, incluírem outros arranjos, falando-se em um rol aberto de famílias. Dentre tais arranjos familiares, após longa luta e com demasiada resistência, incluiu-se a união homoafetiva.
A proteção homoafetiva, é bem verdade, começou no ramo previdenciário, quando, de forma inédita, foram deferidos benefícios. O Direito Civil, apenas de maneira tardia, curvou-se ao óbvio. Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal (STF), timidamente e em um voto relatado pelo Ministro Celso de Mello (ADIN 3.300/DF), verberou a possibilidade de inclusão. A virada copernicana, porém, aconteceu em 5 de novembro de 2011, quando do julgamento, pelo mesmo STF, da ADPF 132-RJ, Relatada pelo Ministro Carlos Ayres Britto. Esta tratou de aplicar à s uniões homoafetivas, por analogia, as mesmas regras das uniões estáveis heterossexuais, em todos os seus aspectos – alimentos, regime de bens, sucessões…
Desse precedente ao matrimônio, foi uma questão de tempo. Diante da possibilidade da conversão da união estável em casamento, não tardou para que pessoas envolvidas em uma união homoafetiva, emoldurada como estável, requisitassem a recategorização matrimonial. Após algumas decisões denegatórias, logo surgiram os primeiros permissivos. Com a pacificação do tema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o regulamentou (Resolução n. 175/2013). Hoje, portanto, no Brasil, é lícito e corriqueiro, como deve ser, a realização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, ocasionando os mesmos e os exatos efeitos dos casamentos heterossexuais. O fundamento é óbvio: somos todos iguais.
É bem verdade que ainda carecemos de uma reforma legislativa derredor do assunto. A Constituição Federal, por exemplo, ainda expressa ser a união estável heterossexual. Mas, oxalá, não tardarão os ajustes por parte do Legislativo. Destarte, como usualmente afirmado em sociologia do Direito, o Direito vem à reboque do fato social, e, nesse aspecto, já estamos à reboque há algum tempo…
Ao Direito não cabe fotografar, estática e exaustivamente, as formas de famílias. Às Ciências Jurídicas não cabe normatizar o que venha, ou o que não venha a formar uma entidade familiar. Ao Operador do Direito não convém impor as pessoas como se relacionar, com quem e de qual maneira… Ao Direito, sim, cabe regulamentar os efeitos e possibilitar, a todos, indistintamente, a busca de seu projeto de felicidade. Outras uniões existem e existirão, merecendo acolhida. Afinal, como bem enfatiza Georges Ripert, quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito.
*Texto escrito por Luciano Figueiredo, mestre em Direito Civil, professor da Faculdade Baiana de Direito.
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