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Ativista trans sofre reações adversas após uso de silicone industrial: ‘Medo de morrer’

Por Gabriel Moura, especial para o Me Salte

Era um dia comum para a ativista social Ariane Senna, 29 anos. Ela estava em casa quando sua colega de quarto, mulher trans igual a ela, recebeu a visita de uma bombadeira – nome dado à cirurgiãs clandestinas que aplicam silicone. Ao chegar e fazer o procedimento na amiga, a aplicadora começou a tentar convencer Ariane a fazer o mesmo. “Está vendo essas manchas aí em seu bumbum? Eu tiro rapidinho. Ele também está pequeno e caído. A gente precisa botar ele para cima”, dizia. Após pressão e comentários negativos sobre seu corpo, a ativista cedeu.

Este episódio aconteceu no dia 12 de janeiro deste ano. Desde então não só as manchas seguiram, como também apareceram ferimentos, deformações, vermelhidão e, principalmente, uma ardência forte na região. “Não estou conseguindo nem sentar de tanta dor”, relata a ativista em entrevista ao Me Salte.

Acontece que, além do procedimento não ter sido feito por uma profissional capacitada e sem condições ideais de higiene, foi implantado silicone industrial, cuja aplicação não é recomendada para uso estético. Sua aplicação é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pode causar deformações, dores, dificuldades para caminhar, infecção generalizada, embolia pulmonar e, em casos mais graves, a morte.

Ariane sabia dos riscos. Inclusive as tais manchas nos glúteos eram resultado de uma aplicação mal sucedida em 2018. Ela é militante conhecida pela causa das mulheres trans e travestis, inclusive saindo como candidata à vereadora de Salvador nas últimas eleições, é formada em psicologia, está estudando o mestrado e possui diversas leituras sobre o tema. Nada disso a impediu de ser vítima da pressão estética.

“Todas sabem dos riscos ao aplicar. Porém a aceitação corpórea de uma mulher trans já é um processo complicado, de se enxergar no espelho e se ver pertencendo àquele corpo. E existe o padrão que nós precisamos ser bombadas, com peito grande e bunda grande. Por isso digo que a questão do silicone industrial e das bombadeiras precisa ser vista não só como uma questão estética, mas sim um problema de saúde física e mental. É uma questão de auto-aceitação”, defende Ariane.

Aplicação equivocada

Além da substância naturalmente fazer mal e não ser indicada para pessoas, ela foi aplicada de forma errada no corpo de Adriane. O silicone precisa ser injetado no músculo, mas no caso dela foi colocado embaixo da pele. 

Com isso alguns calombos foram formados, deixando o bumbum reto, pois o silicone não seguiu o formato arredondado do glúteo. Durante esse mais de um mês de aplicação, Ariane fez, todos os dias, massagem no local para corrigir a imperfeição, mas o problema apenas diminuiu, não cessou.

“Semana passada uma amiga me disse que após um mês o silicone já endureceu e não tem mais jeito. Me desesperei. Durante todo esse tempo estou em contato com a bombadeira, que fica dizendo que é normal, que vai passar. Aí ela passa alguns remédios para aliviar a dor. Atualmente eu estou vivendo à base de corticóide”, relata Ariane.

Atendimento médico
Com todas as reações negativas, tudo que Ariane quer agora é retirar a prótese. Aí surge um outro problema: a falta de atendimento médico. A ativista chegou a procurar um enfermeiro, que disse não saber como atendê-la. Ir a um hospital público de Salvador também não é uma alternativa neste momento. 

“Todos sabem como a gente é tratada nesses locais. Quando não mandam a gente para casa tomar uma pilha de remédios, fazem uma cirurgia e tiram de qualquer jeito. Temendo uma infecção hospitalar, que poderia até mesmo me matar, preferi seguir com a automedicação”, explica.

Pesquisando na internet e conversando com amigas ela chegou a encontrar alguns profissionais que sabem como realizar o tratamento, porém todos particulares. Ela, como boa parte das vítimas desta prática, não possuem planos de saúde ou dinheiro para bancar a consulta. 

“Nós não temos solução para isso. Porém precisamos pautar esse assunto, falar sobre, para quando dar uma merda, como deu comigo, ter tratamento. Tem médico que não quer mexer, que diz que não sabe como atuar. Enquanto os profissionais de saúde não estudarem esse tema, as travestis vão seguir se automedicando, se bombando e correndo riscos ao construir nossas identidades corporais de forma clandestina”, defende.

Problema de saúde pública
Segundo a secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), desde 2017 apenas 5 pessoas foram internadas por complicações com implantes mamários na Bahia. Porém, o problema é bem maior. Como a maior parte das aplicações é feita de forma clandestina e a maioria das vítimas não busca atendimento, os números ficam distantes da realidade.

Até na própria academia e nos debates que Ariane participa o tema é tabu. Muitos tratam essa questão do silicone como algo do passado, da década de 70, que não é mais visto hoje em dia. Para desmentir isso, a ativista cita o caso de uma amiga dela de 22 anos que realizou o procedimento. No caso desta jovem o implante desceu e foi parar nas pernas, causando uma deformidade no local.

Ela atribui essa falta de diálogo sobre o assunto a dois pontos: primeiro que a maioria das garotas que realizam o procedimento não querem admitir o enxerto, mesmo com uma imperfeição visível. E também ao fato de ser algo ilegal, pois a prática ilegal da medicina por parte das bombadeiras é crime.

“Demorou muito para eu ter coragem e vir aqui falar com você, ter coragem de denunciar essa prática. As minhas próprias amigas trans e travestis me diziam para não falar. Mas eu percebi que contando a minha experiência posso fazer com que alguma menina não passe pelo que eu passei”, reflete.

“Tudo passa pela também por onde cada uma veio. Eu fui expulsa de casa aos 13 anos e desde então minha vivência foi com as travestis na rua. Elas diziam que eu precisava ganhar corpo, pois se não seria apenas um ‘viadinho’. Então fiz implantes nos seios e glúteos para me adequar àquele padrão, e isso causa reflexos em mim até hoje. Mas parte das meninas trans de hoje já está com a consciência que não precisa fazer alterações bruscas em seu corpo por pressão estética – apenas tomar hormônio, ou nem isso, ficando de barba mesmo -, para ser mulher. Não é nossa aparência que define nosso gênero”, defende Ariane.

Ajude Ariane: Se você tiver como ajudar Ariane entre em contato pelo e-mail: contatocomarianesenna@gmail.com

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