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Uma casa é uma casa?

Por Ed. Vasco, arquiteto e designer de interiores

Este não é um texto sobre o Covid-19. Não é um texto sobre dores, medo, desesperança, angústias, ansiedades, pavor, falta de saúde, falta de amor, falta de abraços, falta de beijos, faltas. Penso que todos nós estamos saturados de más notícias, não é? Vamos falar de coisa boa? Então, é sobre amor e casa, palavras tão diferentes, mas que se amalgamam.

Se para muitos a casa é um lugar quase santo, templo de paz, bênçãos, alegrias, para outros é motivo de pavor, medo, desgastes físicos e emocionais, ou para alguns não há nada para chamar de casa. Então, seria a casa privilégio? Sim, ter casa é privilégio de alguns, e casa com nome de lar é privilégio para poucos.

Foto: Divulgação


Não importa como você chama a sua casa: toca, cafofo, muquifo, tenda, ninho, palácio, barraco, choupana, casa é o lugar que você volta, lugar que você se refugia às vezes de si mesmo. E às vezes a casa não é nem o espaço físico, mas um estado de espírito. Tem gente que é nossa casa, nosso lar. Às vezes um amigo, um amor, pais, mães fazem nos sentir em casa. Mas é melhor nos atermos à casa física mesmo, por que se não este texto vai dar pano pra manga. 


Antes do Covid-19 – sim, há um antes e depois dele – penso que a maioria de nós éramos visitas em nossas casas. Visita? Sim! Ou vocês acham que nossa rotina transloucada – sim, antes do Covid 19, nossa rotina, nossa normalidade não era normal, né?- em acordar para ir trabalhar e só voltar à noite para casa, e nos fins de semana correr para fora de casa para fazermos tudo que não deu tempo na semana, nos tornam moradores de nossas casas? V-I-S-I-T-A-S! É uma triste realidade, mas a grande maioria de nós não conhecia a própria casa.

Eu era tão visita em minha casa, que acabei por ter como animal de estimação uma lagartixa. Como eu pouco ficava em casa devido ao trabalho, ela era a verdadeira moradora. Ao chegar à noite, lá estava ela no sofá, impávida, tipo “oi, visita, quem é você?”. Era tanta ousadia, que coloquei o nome dela de Cleópatra, pois fazia a egípcia comigo, nunca me olhava. E Cleópatra foi crescendo tanto, que quase achei que ela era um calango, ou um jacaré e talvez um alligator tipo filme da década de 80.


Aí vem o desgraçado do Covid-19 e nos obriga a ficarmos em casa. Bom, se vou ficar em casa, a minha primeira providência foi: Cleópatra. Como tinha mais medo dela do que ela de mim, busquei coragem onde não tinha e consegui capturá-la com um providencial saco de lixo nas mãos com luvas. Soltei Cleópatra em um terreno baldio.

Confesso que matar a antiga moradora de minha casa nunca esteve nos meus planos. Soltei Cleópatra ainda pensando ser ela um alligator. Resolvido o caso Cleópatra, começou o martírio! O isolamento social e as conseqüências de fazer a casa virar minha casa.

A primeira caída de ficha foi ter de dispensar minha diarista, que não via chegar nem via sair. Como saio bem cedo e volto bem tarde, não nos encontrávamos nunca. Ela tinha a chave, deixava o pagamento em uma gaveta e, ao chegar à minha casa, encontrava TUDO arrumado, organizado, limpo como se “Jeannie é um gênio” tivesse passado lá.

Como quase todo filho da classe média brasileira entorpecido com nossa desigualdade, e sempre com alguém disponível para realizar as tarefas domésticas, com o isolamento social tive que aprender a cuidar não só da casa, mas de mim dentro da casa. Tenho até vergonha de falar isso, mas era como se vivesse em um hotel, onde duas vezes por semana tudo era limpo com um passe de mágica. 

O isolamento social me fez melhor como homem e cidadão. Hoje compreendo a importância de cuidarmos nós mesmos de nossas casas. Hoje vou ao supermercado feliz, por estar saindo de casa e por ser meu passeio semanal, escolher os produtos de limpeza, o que vou comer.

Pesquiso na internet as melhores soluções de limpeza, de comida saudável e hoje sinto que minha casa está me abraçando. Consigo sentir minha energia nela. Por que agora a vivo com intensidade, tocando-a. Consigo enxergar que ficar em casa pode ser o maior barato, sozinho ou com companhia.

Percebo coisas em mim que não percebia. Aprendi a ter mania de limpeza. Minha rotina é limpar casa diariamente, trabalhar, fazer exercícios onde e como puder na casa, fazer vídeo chamadas com clientes, família e amigos, ler, assistir a filmes e séries. Antes pensava que a vida só acontecia na rua, e agora vejo que a vida pode e deve acontecer dentro de casa também. 

O ato de sair para a rua para mim era libertador. Hoje consigo sentir liberdade dentro de casa. O ato de poder fazer reuniões com clientes por celular ou computador, resolver as demandas minhas e da casa também com o auxílio da tecnologia, poder descobrir cada cantinho da casa antes desconhecido para mim, me fez enxergar e ressignificar o ato de permanecer em casa nestes tempos.

Então, este texto é sobre amor, paz, bênçãos, esperança, saúde, abraços, confiança no amanhã, beijos e presenças. Dentro de nossas casas, quem for privilegiado para isso. Nestes tempos estranhos do Covid-19, é o que podemos oferecer de melhor aos outros, o bem! E quando tudo isso passar, por que vai passar um dia, que possamos sair às ruas e voltarmos para nossas casas de um jeito diferente, as chamando de lar.

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