Por Mirian Hapuque e Adeloyá Magnoni
O equinócio de primavera no hemisfério sul e de outono no hemisfério norte acontecem na mesma data que marcam as celebrações do orgulho bissexual. A invisibilização dessa orientação é tamanha que pouquíssima gente sabe, inclusive os próprios bissexuais que o 23 de setembro foi escolhido por marcar a data da morte do psicanalista austríaco Sigmund Freud, pai da psicanálise, pois foi o primeiro a reconhecer a bissexualidade. A data foi instituída no ano de 1999, na 22° conferência mundial da ILGA (Internacional Lesbian e and Gay Association) e seus criadores são os ativistas bissexuais Wendy Curry, Michael Page, Gigi Rave Wilbur. Esse marco busca dar reconhecimento, naturalização, visibilidade e celebração da comunidade bissexual.
O apagamento da bissexualidade parte da falsa premissa de que essa orientação não merece igual inclusão às dissidências sexuais e de gênero por haver uma acusação de passibilidade hétero, de que se “escolhe” esse lugar para evitar o confronto com os homofóbicos, ao passo que para os heteronormativos a bissexualidade é igualmente inaceitável, já que a sociedade é monossexual – só admite atração por um único gênero. Essa orientação se apresenta como uma dissidência sexual, ou seja, pessoas Bi são monodissentes.
A forma monossexual a que somos compulsoriamente orientados a viver a sexualidade e os afetos fazem com que a bissexualidade seja tratada e vista como perversão e promiscuidade e não seja considerada de fato uma orientação sexual completa e integral, sendo os sujeitos bissexuais sempre tratados como meio-lésbicas ou meio-gays que tem medo de assumirem sua homossexualidade, ou como sujeitos indecisos e em processo de descobertas e experimentações. Existem escolas das áreas da psiquiatria e dos estudos de gênero e sexualidade que defendem a tese de que todos carregam a predisposição à bissexualidade. Sigmund Freud já defendia isso seu trabalho capital sobre sexualidade humana em 1905.
Outro ponto a ressaltar é a hiperssexualização de pessoas Bi, principalmente negras, pois nem todo bissexual sente vontade de fazer um ménage à trois, assim como nem todo Bi é adepto da poligamia, muitos são monogâmicos e fiéis em seus relacionamentos e não há nenhum dado conclusivo de estudo e pesquisa que comprovem que a comunidade bissexual é a principal disseminadora de DST´s como dizem. Fora que não conseguem conceber homens afeminados atraídos por mulheres e mulheres “testosterônicas” atraídas por homens, mostrando um total engessamento dos estereótipos binários de gênero ao lhes supor uma monossexualidade.
Os mitos e os preconceitos até aqui levantados e que circulam no imaginário coletivo ajudam a construir uma falsa representação da bissexualidade, contribuindo para o preterimento dos bissexuais nas relações afetivas. Até o signo utilizado para representar os bissexuais são os unicórnios, seres míticos e não reais, deixando óbvia a negação dessa vivência, mas que fique claro: bissexuais existem à revelia das falácias e dos mitos.
Pesquisas recentes da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres publicadas na revista científica “ Journal of Public Health” verificam que mulheres bissexuais são mais marginalizadas. De acordo com as pesquisas, as bissexuais têm 64% mais chance de desenvolverem distúrbios alimentares, 37% tem mais chance de praticarem automutilação e 26% mais chance de desenvolverem depressão dos que lésbicas, pois estar no armário contribuí para o adoecimento psíquico e mental.
Muitos mitos foram construídos e contribuem para o alicerçamento de preconceitos, discriminação e não aceitação tanto na comunidade LGTQI+ quanto na sociedade como um todo. Algumas pesquisas realizadas nos Estados Unidos mostram que pessoas bissexuais estão muito propensas a desenvolver depressão, ansiedade e consequentemente cometerem suicídio, ficando atrás apenas da comunidade trans. O que nos faz lembrar também do Setembro Amarelo que vem se firmando para alertar sobre os altos índices de suicídio, principalmente dentro da comunidade LGTQI+.
E como prova disso, Mirian Hapuque, que começou a escrever esse artigo não conseguiu concluí-lo justamente porque está chorando o “suicidamento” de um jovem amigo de 24 anos, gay, que acabou de se formar em medicina e não suportou mais a rejeição familiar à sua orientação sexual e às vésperas da Parada LGBTQI+ de Salvador deu fim ao seu sofrimento levando junto sua vida. No Setembro Amarelo, no Outubro Rosa, no Novembro Azul e em todos os outros meses, que possamos amar mais, respeitar mais e sermos mais empáticos, pois vidas são sagradas e estão se perdendo por ignorância e preconceito. Quantos médicos, quantas engenheiras, quantas cientistas mais perderemos para a LGBTQIfobia?