Nos últimos 100 dias, a dona de casa Rosângela Silva, mãe do homem trans Thadeu Nascimento, o Têu, de 24 anos, viveu uma peregrinação na busca por respostas pela morte do seu filho. Foram muitas as idas à polícia e ao Ministério Público na tentativa de descobrir o que aconteceu no dia 5 de maio de 2017, quando o corpo de Têu foi encontrado sem vida e com sinais de tortura no bairro de São Cristóvão. Todas as idas e vindas até hoje foram em vão. Nesta terça-feira (15) completam 100 dias do assassinato e, até agora, ninguém foi preso pelo crime.
“Esses dias foram muito apreensivos com muita angústia. Só me dizem que a investigação está andando e que é sigilosa. Eu ando com os nervos à flor da pele”, relata a mãe de Têu. Ao Me Salte, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que “as investigações estão avançadas e que não se pode falar mais do que isso pra não atrapalhar”. A Polícia Civil informou também que não vai se pronunciar para não atrapalhar as investigações.
O laudo de exame cadavérico foi enviado pelo Instituto Médico Legal (IML) para a Polícia Civil no dia 20 de julho. No documento, que o Me Salte teve acesso com exclusividade, a perícia concluiu que o corpo tinha várias perfurações provocadas por arma de fogo na cabeça e no peito. O corpo também foi encontrado com as mãos amarradas para trás, o que indica que Têu sofreu agressões físicas. O laudo não confirma se o corpo foi estuprado – uma hipótese que foi levantada pelas investigações no início.
O laudo – onde consta o nome de registro civil de Têu – aponta ainda que ele morreu de hemorragia interna e externa consequente de politraumatismo por transfixação por múltiplos projéteis de arma de fogo. “Preciso que seja esclarecido o crime que tirou a vida de Tadeu, meu filho amado”, argumenta Rosângela.
O IML, segundo descrito no laudo, também solicitou exames toxicológicos e de alcoolemia, mas os resultados não foram enviados pelo Laboratório Central de Polícia Técnica até a conclusão do laudo. Esses dados ajudariam na investigação do caso e poderiam ajudar a descobrir se ele havia sido envenenado, por exemplo. Apesar da mãe sempre citar o filho com o nome masculino em todas as entrevistas que concede desde o dia da morte, a Polícia Civil informou que “em nenhum momento foi afirmado à polícia que ela tivesse um nome social masculino’.
O coletivo Famílias pela Diversidade, que reúne familiares de pessoas LGBTs, se une nessa busca por uma solução. “A nossa busca é por respostas para que esses crimes não caíam no esquecimento. Vemos nossos meninxs sendo massacrados por conta de um ódio insano, a exemplo de Têu Nascimento. Ele só queria ser feliz!“, afirmou a organização, em nota.
O que houve?
“Sou feito de amor, principalmente de amor próprio”. Essas foram as últimas palavras publicadas por Têu em uma rede social na noite de 4 de maio. No dia seguinte, ele seguiria para o trabalho como vendedor, mas não chegou para trabalhar. Amigos tentaram contactá-lo, mas não tiveram sucesso. Sua casa, no bairro da Fazenda Grande 3 (Cajazeiras), foi invadida. Levaram uma televisão, reviraram o imóvel, mas deixaram a mochila onde estava até a marmita que ele levaria para o trabalho.
Quando vai parar?
E o contador de morte de pessoas LGBTs no Brasil não para. Ele segue com uma velocidade entristecedora. Dados do Grupo Gay da Bahia (GGB) indicam que, só este ano, 249 pessoas LGBTs já foram assassinadas. Dessas, 29 foram na Bahia. Têu foi o único homem trans morto desta lista.
Os números deste ano são alarmantes já que 144 pessoas transexuais e travestis mortas no Brasil em 2016. O risco de uma pessoa trans ou travesti ser assassinada é 14 vezes maior do que um gay. Segundo agências internacionais, a exemplo da Trans Respect Versus Transphobia World Wide, mais da metade dos homicídios de transexuais do mundo ocorrem no Brasil.
Cadê o núcleo especial?
A SSP, através da Superintendência de Prevenção à Violência, informou, em janeiro, em nota enviada ao Me Salte, que está em processo de implantação do Núcleo de Atendimento Qualificado à s Vítimas de Preconceito Racial, Intolerância Religiosa e da População LGBT, que funcionará no âmbito da Polícia Civil, reforçando o suporte a estes públicos desde o primeiro atendimento na delegacia até o acolhimento na rede de apoio constituída por diversos órgãos estaduais. Contudo, já estamos em agosto e isso ainda não saiu do papel.