Fui criado em uma casa que só tinha mulheres na maior parte do tempo. Meu pai – que era motorista de ônibus – vivia viajando e ficava pouco tempo em casa. A educação doméstica maciçamente feminina tem vantagens e desvantagens. A principal desvantagem é que na maioria dos casos, mesmo que de forma involuntária, somos condicionados a sermos machistas. A cultura de que o ‘homem é o reizinho da casa’ tem um grave risco de criar babacas que pensam que as mulheres existem no mundo para servir os homens.

A principal vantagem vem numa mescla de sorte e discernimento. Rosa, minha santa babá, sempre ligava meu alerta para que eu não virasse um machista escroto. Uma das lições mais simples que ela me ensinou foi abaixar a tampa do vaso sanitário (demanda clássica de quase todas as mulheres que convivem com homens em casa).

Para muitos homens isso parece besteira. Afinal, se a mulher precisa mijar sentada por que ela não abaixa a tampa? Aí é que mora o erro, meu amigo! Quando você deixa sua tampa levantada e obriga a mulher a deixar ela abaixada para usar, você está reforçando uma postura de que você é a prioridade. E nós não somos!

Rosa sempre me dizia: ‘as mulheres não foram feitas para servirem os homens’. E isso não é uma questão de ser ‘cavalheiro’. É uma gestão de percepção do nosso papel na sociedade. Esses comportamentos, ao longo da vida, culminam na formação de homens que ‘têm certeza’ que podem fazer o que querem com as mulheres a exemplo do que aconteceu com Silvio Santos que neste final de semana assediou a cantora Claudia Leitte.

Antes de cantar, a artista convidada tentou abraçar o dono do SBT que a interrompeu dizendo: “Esse negócio de eu ficar dando abraço me excita e eu não posso ficar excitado”.

Visivelmente constrangida, Claudia tentou contornar a situação dizendo que o sentimento era “uma excitação de euforia, alegria né?”. Sem pudor, Silvio respondeu: “Não, é excitação mesmo”. Sem reação, Claudia Leitte disse: “Agora eu acho que meu marido tem uma razão para ficar chateado”.

Provavelmente você deve ter pensado ‘ah, que bobagem’, ‘ah, isso é mi-mi-mi’ ou qualquer discurso acéfalo do gênero que corrobora com o que o Silvio fez. Desde domingo tenho ouvido alguns homens falarem que é um exagero. Eles pensam de forma naturalizada. Infelizmente fomos criados para realmente naturalizar esse tipo de situação. Mas isso não deve ser encarado como algo ‘natural’.

O assédio da fala e das ações são os primeiros passos para reforçar a postura de tratar a mulher com algo inferior. Não assediar uma mulher com seu comentário babaca não é favor a ninguém. É sua obrigação enquanto ser humano. A mulher, obviamente, não deve ser visualizada como um produto que você pode fazer o que quiser.

Ah, e antes que você contemporize o assédio de Silvio Santos como ‘coisa da velhice’, digo que aqui mora um grande equívoco que também faz parte do machismo existente na nossa sociedade. Quando somos crianças/jovens e temos comportamentos machistas é comum haver uma contemporização de que é ‘coisa de moleque’, ‘brincadeira de criança’ e ‘coisa de homem’.

Silvio tem 87 anos. Ou seja, já é um homem crescido. Quando assediou Claudia ou em todas as outras vezes que fez comentários preconceituosos a turma do deixa disso já foi logo dizendo ‘é coisa da idade’, ‘perdeu o filtro’ ou ‘está velho demais para mudar’. Pensando desse jeito os homens poderiam deixar de ser machistas quando mesmo?

Silvio é um dos maiores comunicadores do mundo. Ele é inteligente o suficiente para conseguir discernir que o que ele fez com a Claudia é assédio. Mas será que ele quer enxergar isso? A hora de deixar de ser machista é agora. Usar da sua idade, condição social ou posição para assediar uma mulher não pode ser encarado de forma natural.

Tenho vergonha de ser homem (e aqui não estou falando de orientação sexual) quando vejo esse tipo de situação no ‘estilo Silvio Santos’ ser tratada como algo natural. Me envergonho por cada vez que achamos que as mulheres devem fazer algo para nos servir. O assédio às mulheres não pode ser naturalizado. Não deve ser encarado como algo que está posto na sociedade e que é imutável.

Claudia é só a ponta do iceberg e foi assediada, ao vivo, em um programa de televisão comandado pelo dono da empresa. Há muitas Claudias sendo assediadas a todo momento. Se você não quiser fazer parte dessa turma de babacas o momento é agora. Não se sinta obrigado a amplificar as vozes do machismo. Você pode e deve buscar conhecimento e humanidade no seu coração. Leia, reflita e pense.

Desejo que vocês, assim como eu, tenham muitas Rosas perto de você. E se você não teve nenhuma Rosa para lhe educar sempre se faça uma pergunta antes de agir com uma mulher: ‘se a situação fosse ao contrário eu agiria desse mesmo jeito?’. Se a resposta for não recolha seus pensamentos e suas ações. Afinal, o princípio básico da vida deve ser o respeito às pessoas acima de qualquer coisa.

Pense, reflita e não seja babaca!

Uma dica a mais: leia sempre as colunas de Flavia Azevedo, do CORREIO, e comece a refletir sobre seu machismo.

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