Quando o BBB 22 começou, em janeiro, boa parte da comunidade LGBTQIAP+ teve a certeza de que pela terceira vez na história do programa uma pessoa LGBTQIAP+ ganharia o título do Big Brother Brasil. Mas o vale perdeu as cores e nesta terça-feira (26) venceu o ator e cantor arthur Aguiar, homem cis, branco, heterossexual e que traiu a mulher, Maíra Cardi, por pelo menos 16 vezes. Afinal, por que o Brasil escolheu Arthur?

Como você deve imaginar não há uma resposta única para essa pergunta. Há vários fatores que podem explicar essa decisão um tanto quanto controversa nesta edição do reality show global. Vamos por partes!

Transfobia nossa de cada dia
A travesti Linn da Quebrada, cantora e atriz, entrou no programa com a meta de superar a até então única participante trans que havia estado no reality, Ariadna Arantes, mas que foi eliminada na primeira semana do BBB 11. Nas redes sociais, assim que o nome de Lina foi confirmado, ela chegou com ares de campeã. Era, sem dúvida, a maior certeza que t´ínhamos de que dentro do elenco LGBTQIAP+ do programa ela era a favorita.

Ela entregou tudo que estava ao seu alcance. Foi coerente com seu jogo. Mostrou qualidades de campeã do BBB, que normalmente causaria uma empatia das torcidas como em edições anteriores. Acolheu, mas não foi integralmente acolhida. Foi , por diversas vezes, alvo de transfobia dentro da casa. Poderia ter gritado, bradado e se vitimizado, mas tomou a decisão de ser plena, íntegra e equilibrada. Fez seu nome com elegância e eloquência. Se tivesse se vestido no papel de vítima talvez o resultado tivesse sido outro.

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Linn da Quebrada – Foto: Reprodução/TV Globo

Muitos podem até achar que sua eliminação foi ‘coincidência’, uma ‘circunstância do jogo’ ou da torcida de Arthur, que se mostrou mais engajada fora da casa para eliminar participantes que ameaçariam o reinado do pãozinho, como Arthur começou a ser chamado.

Não, não foi! Linna foi a 12ª eliminada do programa com 77,6% dos votos contra Eliezer (homem branco, hetero e que protagonizou diversas cenas de desrespeito às mulheres, como Natália, por exemplo) e Gustavo (homem branco, hetero e que tinha muito mais desafetos na casa do que ela). Lina foi eliminada pela transfobia diária da nossa sociedade. Se ela fosse uma mulher cis, branca e loira o resultado seria outro.

Bruna, Maria e Luciano
Três participantes que se assumiram como pessoas bissexuais tiveram trajetórias bem distintas no programa, mas nenhum conseguiu avançar muito na competição.

O ator e bailarino Luciano Estevan, de 28 anos, foi o primeiro a ser eliminado. Sabemos que a eliminação na primeira semana é algo beeeem imprevisível, mas o racismo estrutural falou mais alto para os internautas votantes e também para as pessoas que estavam na casa que tinham mais de 15 opções de votos e o escolheram para o paredão.

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Luciano- Foto: Reprodução BBB

Logo que entrou na casa, nas redes sociais Luciano virou alvo de chacota por dizer que seu maior sonho era se tornar uma pessoa famosa. Os sonhos de pessoas negras são piada? Foi esse o recado que o Brasil deu na sua eliminação. Certamente se fosse um homem branco e hétero seu destino no reality show seria diferente. Ele, inclusive, chegou a ser eliminado no paredão que tinha Naiara Azevedo – que entrou na casa cancelada e com forte torcida contrária a ela especialmente na primeira semana.

Brunna Gonçalves é bailarina, influenciadora digital, e tem milhões de seguidores nas redes sociais. Ela é esposa da cantora Ludmilla e teve uma trajetória na casa de pouco envolvimento em tretas e confusões. Ganhou o título de planta dentro e fora da casa. Pelo que apresentou seria eliminada de qualquer forma. Infelizmente, acabou não entregando o que prometeu – a não ser quando lacrava dançando nas festas – mas sua ida ao paredão foi, digamos, peculiar.

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Bruna – foto: Reprodução

O participante Gustavo Marsengo entrou no programa pela casa de vidro e afirmou que iria movimentar o jogo colocando no paredão quem ainda não tinha ido. De todas as opções ele escolheu a Brunna, justamente uma mulher negra e bissexual. Será que foi coincidência? Fica aqui a reflexão!

Já a cantora Maria, que foi expulsa do programa após bater um balde na cabeça de Natália, certamente se não fosse expulsa acabaria sendo eliminada. O motivo? Machismo! Nas redes sociais era grande a movimentação pela saída de Maria. Diversas contas no Twitter criticavam o seu comportamento por ficar na casa com Eli, beber, dançar e não se importar em ser julgada.

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Maria Foto: Reprodução BBB

Métrica errada em Gil do Vigor
Assim que o estudante de Direito e natural de Crato, no Ceará, Vinícius  foi anunciado como participante do programa foi logo rotulado como o “Gil do Vigor da edição”, em referência ao participante gay da edição de 2021. Colocaram um sarrafo mais alto do que Vini podia alcançar.

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Vinny – Foto. Reprodução/BBB

Ele ainda foi alvo da homofobia estrutural mesclada com a baixa auto estima e decisões ruins no jogo. Ao contrário de Gil, que deu a cara pra movimentar o jogo, Vinny se ‘escondeu’ atrás dos participantes do quarto Lollipop e virou um ‘chaveirinho de hetero’. Teve sua trajetória toda invisibilizada pela homofobia estrutural, que é quando uma pessoa gay não consegue se mostrar com medo do preconceito existente na sociedade.

As traições do Arthur, a aliança rompida com Abravanel e a vitória

O quinto participante declaramente do vale que entrou no programa foi Tiago Abravanel, ator, cantor e neto de Sílvio Santos. Dificilmente pela sua condição financeira ele seria o campeão. Sabemos que o público do BBB se identifica com histórias de pessoas pobres e que precisam do dinheiro. Isso seria certamente um ponto de dificuldade de Tiago. Mas ele acabou desistindo do programa numa trama que envolve diretamente o novo campeão, Arthur.

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Arthur e Tiago – Foto: Reprodução/BBB

Logo que entrou na casa Arthur se aproximou de Abravanel, que tinha pautas simbólicas para a comunidade LGBTQIAP+. Ele representava todos os homens gays que sofrem de gordofobia. São estigmas fortes e complexos na nossa sociedade. Não performar o corpo padrão imposto pela sociedade tem impactos diários na saúde mental, nas rejeições diárias e na auto estima.

Foi justamente a administração dessas rejeições que Tiago não resistiu e apertou o botão de desistência do programa. Ao não ser escolhido por Arthur para ser sua dupla na prova do líder, Abravanel perdeu seu esteio dentro do programa. Sentiu-se abandonado como em tantas outras vezes em sua vida. Não teve forças para continuar.

Arthur Aguiar e a narrativa do ‘arrependido’

Antes de entrar no programa, Arthur traiu Maíra Cardi 16 vezes, sendo algumas, com prostitutas e enquanto ela estava grávida. Foi por isso que ele ganhou o programa? Por que ele foi escolhido ante todas as pessoas que estavam na casa? Por que estamos falando de traição que houve antes dele entrar no programa?

As respostas para essas perguntas vão exatamente nos pontos da narrativa que ele construiu para chegar no programa. Sempre que podia, dentro da casa, Arthur fazia questão de dizer que não queria ser julgado pelo que fez fora do programa. Ele não citou nominalmente as traições, mas a internet e os programas de televisão fizeram isso por ele.

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Arthur – Foto: Reprodução/BBB

Ele vestiu-se do personagem – e aí o mérito é dele – de homem arrependido. Talvez junto com a missão de ‘ajudar os pobres’ os brasileiros que escolhe quem ganha o BBB sempre foca suas energias naquelas pessoas que se colocam como vítimas ou arrependidas de algo que fizeram.

Arthur contou com a ‘ajuda’ de Jade Picon, participante que foi sua oponente, para se fortalecer nesse papel. Jade, provavelmente inspirada pelo movimento fora da casa de achar que um homem que traiu tantas vezes uma mulher estaria cancelado, mirou seu alvo nele e acabou o fortalecendo na sua narrativa de vítima. Isso ganhou eco na fogueira da internet que reverbera o machismo estrutural de achar que a mulher que se impõe e se opõe é amargurada ou outros termos que me recuso a escrever aqui.

Sabemos que ele foi treinado e se preparou bastante para entrar no programa para justamente tirar a mácula de ‘homem traidor’ e se colocar como ‘homem arrependido’. Deu certo. Fora da casa seu discurso foi embasado por sua esposa com quem ele admitiu ter reatado 15 dias antes do confinamento.

Ele soube jogar com as emoções do público e se aproveitou de um elenco que não teve a perspicácia de entender e não alimentar o seu jogo. O público gosta de fazer o ‘perdão’ e conceder a ‘caridade’. No caso dele, não a material e sim a moral que reflete a estrutura da nossa sociedade que é sempre benevolente com os erros cometidos por pessoas brancas e heterrossexuais.

Ah, e por último e não menos importante, destaque-se que Arthur venceu nesta final dois homens pretos: Douglas Silva e Paulo André. Nada mais simbólico do que isso para mostrar que a empatia do povo é bem seletiva.

Se Arthur fossse um homem negro ou gay, ele ganharia o programa? O Brasil seria condescende com um homem trans do jeito que foi com Arthur? E se fosse uma mulher que tivesse traído o marido? Fica a reflexão!

Nas 22 edições do programa, que assumiram publicamente sua sexualidade, saíram vitoriosos apenas Jean Wyllys, do BBB 5 que era gay, e Vanessa Mesquita, no BBB 14, que chegou a ter um romance na casa com a participante Clara Aguiar.

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