Por Amanda Palma
(amanda.palma@redebahia.com.br)
Precisamos parar de naturalizar os relacionamentos abusivos. Precisamos parar de acreditar que a mulher deve carregar toda essa carga emocional e aceitar um relacionamento abusivo. E podemos começar de maneira simples: mudando o nosso discurso, mudando até as músicas que ouvimos.
Diante de casos aterrorizantes, como o das agressões sofridas por Clara Vieira, físicas e emocionais, e não lembrar que a vergonha que se sente nesse caso é fruto do pensamento machista. E ele está em todo lugar, nas pequenas coisas, ou nos versos de uma música.
Conheci na semana passada a música Propaganda, da dupla sertaneja Jorge e Mateus. Fiquei horrorizada. Não conseguia acreditar que a letra era aquilo mesmo que eu estava ouvindo. Para quem não conhece, aí vai um trecho:
“Ela ronca demais/
Mancha as minhas camisas
/ Dá até medo de olhar/
Quando ela tá naqueles dias
/ É isso que eu falo pros outros
/ Mas você sabe que o esquema é outro/
Só faço isso pra malandro não querer crescer o olho”
Quer dizer… o que a letra diz? Que a mulher é uma propriedade do homem, e para que macho nenhum cresça o olho, ele prefere desqualificar a companheira. Ainda tem dúvida? Tem mais um trecho:
“Tá doido que eu vou
Fazer propaganda de você
/ Isso não é medo de te perder, amor
/ É pavor/
É minha, cuido mesmo, pronto e acabou”.
Querido, esse cuidado a gente está dispensando, viu? Nada contra a dupla sertaneja e até gosto de algumas letras. Mas essa daí é difícil de aceitar.
Ah, mas é só uma letra de música… Você acha mesmo? Acha que não influencia ninguém? Acredite, influencia. O vídeo no Youtube tem 80 milhões de visualizações.
Além dessa, há uma infinidade de músicas. Mas há uma outra no sertanejo que me incomoda demais: “Vidinha de balada”. O pior: a música é chiclete, e as pessoas nem percebem que estão cantando sobre um relacionamento abusivo. Duvida? Vai mais uma prova com trecho da música:
“Desculpa a visita/
Eu só vim te falar/
Tô a fim de você/
E se não tiver, cê vai ter que ficar”
Como assim vai ter que ficar? Ninguém se apaixona ou gosta de alguém por imposição. Tentar impor sentimentos é ser abusivo. Se você ainda não se convenceu que a música vai por esse caminho, agora vai o refrão chiclete e absurdo:
“Vai namorar comigo, sim!
/ Vai por mim, igual nós dois não tem/
Se reclamar, cê vai casar também
/ Com comunhão de bens
/ Seu coração é meu e o meu é seu também”
Parece bonitinho, né? Tem até proposta de casamento… mas não é! Se você não vê nada de mais nas letras acima, ligue seu alerta, porque pode estar com uma visão distorcida do que é um relacionamento saudável e com amor.
Não deixemos que os pensamentos abusivos perdurem, independente do meio em que ele está sendo emitido. Isso é naturalizar o abuso, é naturalizar a violência.