Por Milton Júlio Carvalho, especial para o Me Salte*

Quando uma criança nasce, seja biológico ou adotivo, nasce também um pai. Caso o pai não nasça junto com o nascimento do filho, a falta será sentida por ambos, de muitas maneiras, as vezes ruins. O filho também sai de dentro do pai; o pai está contido no filho e o filho no pai, desde sempre; é uma comunhão entre seres, a ser reforçada na convivência cotidiana. Por isso, deve ser uma relação assumida com amor. Há homens que pensam que os seus filhos nasceram do seu bolso, ou seja, que basta pagarem pelos gastos, estarão criando seus filhos. Isso é um engano.

Sim, filhos exigem gastos financeiros que devem ser mantidos com responsabilidade pelo pai, mas não apenas. Há pai que transforma a responsabilidade financeira e outras, que deve ter em relação ao filho, em ira, em raiva contra o filho. Esse é o pai que não nasceu no homem; esse é o homem que teima em não aprender a ser cuidador e responsável por alguém contido nele. Pai não é apenas o provedor econômico, é também uma base afetiva para o filho, é responsável por auxiliar na organização, no equilíbrio e na harmonia da vida do filho.

Família Carvalho Campos – Da esquerda para a direita: Milton e Israel com seus filhos Davi e Rafa

Nasci como pai, para mim mesmo, aos 42 anos de idade. Após quatro anos, chegou o segundo. Não foi fácil pra mim, nascer como pai, muito em função do que a sociedade estabelece para ser pai: custear os gastos, estabelecer a lei, a obediência e o controle sobre o filho. Aprendi que ser pai é muito mais do que isso. Paternidade é cuidar; conversar; brigar também, repreender quando necessário; observar o filho; procurar conhecer os filhos nas suas qualidades e nos seus defeitos. O pai é pai todo tempo. Dever se preocupar com o bem estar do filho, com o que o filho come e deve fazer, sempre que possível, o alimento do seu filho e comerem juntos; deve também ter atenção com o que o filho ouve, o que o filho vê e o que sente. Aprendi que atenção é uma palavra importante na paternidade.

Ser pai também é gerir a liberdade do seu filho. Quando comecei a ser pai, passei a observar muitos homens na rua, quando estavam com os seus filhos e como cuidavam deles e vi muitos cuidadosos e atenciosos com os filhos. Vi como muitos davam aos filhos segurança e liberdade ao mesmo tempo, de maneira equilibrada. Assim, aprendi que o pai é também o gestor da liberdade do filho.

É aquele que auxilia o seu filho, por exemplo, a subir numa árvore, a tomar uma decisão na vida, e em uma ou outra situação, o adverte dos riscos, indica a maneira que considera ser mais segura e, o mais importante, diz que está ali para dar o apoio necessário as decisões que o filho tomar. Portanto, não é aquele que grita para criança: “você vai cair daí!” ou “você vai se arrepender!”, como se sua advertência de perigo fosse quase o desejo da queda, do fracasso do filho.

Quem faz assim, com o filho pequeno ou grande, afasta o filho e gera pessoas inseguras e frustradas por não terem coragem de tomar decisões que as fariam mais felizes. Pai não promove quedas para as vidas dos seus filhos, mas sim subidas seguras e apoiadas. Como poetizou Vinícius de Moraes: “Meu pai, dá-me a tua pequena chave das grandes portas”.

Meus filhos hoje têm 17 e 13 anos, respectivamente. Ainda não sei sobre o que serão do ponto de vista profissional, tenho apenas pistas, pelo que conheço deles. Mas, conheço os meus filhos e eles a mim e isso é um grande valor na nossa relação. Festejo quando acordam; quando criam, inventam coisas novas; valorizo o que falam, mesmo quando preciso fazer correções em alguns pontos; auxilio a expandir as suas possibilidades de vida.

O que acredito, com base no pai que fui e sou, é que os meus filhos serão bons homens para as pessoas que amarem e que, caso tenham filhos, serão ótimos pais. É isso, pai dá exemplo, ensina, não afasta, não silencia, não fragiliza os vínculos; dá as chaves para abrir portas na vida dos filhos. Ser pai é a melhor função que desempenho na vida, me faz feliz e realizado como homem.

*Milton é antropólogo e pai de Davi e Rafa.


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