Por Gabriel Amorim*
Foram mais de 80 dias tido como uma das vítimas da tragédia de Brumadinho, que matou 231 pessoas quando uma barragem se rompeu em 25 de janeiro deste ano. Na sexta-feira (19), porém, o agricultor Evandro Schwirkowsky, 23, deixou de fazer parte da lista de 41 pessoas que ainda seguem desaparecidos. Há, segundo o Instituto Médico Legal de Belo Horizonte, 530 pedaços de corpos que ainda precisam ser identificados.
O catarinense, que decidiu passar todos esses dias em Salvador, sem fazer qualquer contato com a família, diz que teve um motivo forte para fazer o que fez. “Essa situação que eu criei foi necessária. Ou eu fingia que estava morto ou eu ia morrer de verdade. Meu pai, minha família, eles têm um ódio, um nojo de mim”, relatou o jovem ao Me Salte, canal de notícias LGBTQIA+ do CORREIO, referindo-se ao fato de sua família não aceitar que ele é homossexual.
Todo conflito com a família surge do relacionamento do jovem que há seis anos é casado com outro homem. A relação, com Edemilson de Jesus Silva, 34, não é aceita pelos familiares de Evandro. Diante da resistência, o agricultor decidiu procurar uma maneira de sair de Corupá, em Santa Catarina, cidade onde morava. Junto com seu companheiro, mudou-se para Salvador em janeiro deste ano.
No fim de janeiro, Evandro foi à Brumadinho ainda em busca de uma oportunidade de emprego em uma cidade nova. “Sempre gostei dessa coisa de viver em uma cidade mais tranquila”, conta.
No entanto, horas antes da tragédia que abalou o país, o jovem pegou o caminho de volta à Salvador. Na capital baiana a decisão que mudaria o rumo da sua história: não fazer contato com nenhum parente. Nem mesmo o companheiro sabia da sua volta até a última segunda-feira (15), quando Evandro o procurou.
“Quando soube da tragédia tive a ideia de ficar desaparecido, para minha família se livrar de mim, e pararem as ameaças, para eles pararem de me perseguir, sempre, para onde eu ia eles iam atrás de mim. Então eu tive essa ideia, dessa bobagem”, desabafa.
O jovem, resolveu colocar o plano em prática, e passou a viver em Salvador, contando com a ajuda de algumas pessoas. O agricultor, no entanto, prefere não revelar por onde passou nesses 80 dias. “Não quero comprometê-los, mas graças a Deus me ajudaram nesse tempo”, conta.
Quase três meses depois, Evandro decidiu que era hora de voltar. “A vida que eu estava vivendo não era vida, precisar ficar preso, quando sair ter que andar de cabeça baixa, com medo”, desabafou. “Eu coloquei na minha cabeça: eu quero viver”.
Foi então que o catarinense entrou em contato com o companheiro. “Foi uma sensação de alívio, fiquei muito feliz, mas também bem chateado, acho que não precisava ter sido assim. Sofri mais que todo mundo, a gente ia fazer seis anos juntos, sem nunca ter se desgrudado um do outro”, explica, ainda abalado, Edemilson, companheiro de Evandro.
“A gente conversou muito até eu conseguir que ele deixasse eu avisar a família. Eu ainda estou buscando entender. Mas é uma sensação boa. Por não ter acontecido nada de grave. Tudo que eu esperava de ruim não aconteceu. Ele está ciente das consequências e vai arcar com elas. Eu estou aqui para ajudá-lo. A gente vai superar juntos mais uma vez, reconstruir a nossa vida, aqui”, disse Edemilson.
Relação conturbada
Evandro e o companheiro moram em Salvador desde o início de 2019. Os dois saíram de Santa Catarina onde moravam, depois que as ameaças do pai de Evandro se intensificaram. “Eu fui para Florianópolis trabalhar e ele ficou sozinho em casa para tomar conta da criação que a gente tinha”, explicou Edemilson.
Juntos, os dois cuidavam de uma plantação de bananas. Sem o companheiro, Evandro passou uma semana sozinho vivendo um pesadelo. “Meu pai chegou a me ameaçar com foice, invadiu a minha casa, ele nunca aceitou a minha orientação sexual, o meu casamento. Eu entrei em desespero”, conta o jovem.
Depois das intensas ameaças, aquela já era a segunda vez que o casal se mudava para se afastar da família do jovem. Antes, já haviam aberto mão de um de um primeiro imóvel onde moravam. Os dois voltaram a Corupá apenas quando os avós de Evandro, que o criaram, pediram que ele estivesse por perto. Os idosos cederem parte de seu terreno para que Evandro e o marido construíssem uma nova casa. “Quando meus avós faleceram minha vida virou um inferno. Meu pai não me aceitava, me obrigou a vender a casa para ele por 3 mil reais”, detalha.
Agora, mesmo depois de toda a história envolvendo a tragédia de Brumadinho, a relação conturbada com a família parece não estar perto de uma solução. O rapaz conta que mesmo depois de ter dito a família que estava vivo não foi procurado pelo pai. “Só falei com a minha prima. Meu pai não me procurou, minha tia que diz por aí em reportagens que me criou, não entrou em contato comigo”, conta o rapaz.
Arrependimento
“Eu sei que eu fiz uma burrada. Mas quero saber de alguém que nunca tenha errado. Eu acho que todo mundo erra, e todos merecem perdão. Eu me arrependo do fundo do meu coração, é um arrependimento que não tem tamanho”, afirma.
Morando com o companheiro na Bahia, e pronto para reconstruir a vida, o jovem faz um pedido para a família. “Eu quero colocar minha vida para frente, achar um emprego, construir uma nova casa, a terceira da minha vida, e que Deus coloque um pouco de amor no coração da minha família. Que eles aceitem a homossexualidade das pessoas, que não mintam na frente de uma TV dizendo que não tem preconceito. Isso é mentira. Todo mundo me julga mas ninguém passou pelo que eu passei”, finalizou.
* Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier e da subeditora Fernanda Varela