O publicitário Adriano*, 29 anos, está há 61 dias sem sair de casa. Só compra coisas por delivery e dá banho de água sanitária até nos sacos plásticos. Mas, na última semana, o medo de contrair o novo coronavírus foi vencido pela ‘necessidade’ de transar. Já foram dois encontros sexuais. “Eu não aguentava mais. Já estava subindo pelas paredes. Não resisti. Baixei o aplicativo e transei com um boy. Foi a glória”, relatou Adriano, que é morador do bairro da Pituba, campeão de casos da covid-19 em Salvador.
A ‘escapadinha’ de Adriano* não é solitária. O Me Salte conversou anonimamente com algumas pessoas que têm furado a quarentena para satisfação dos desejos sexuais. Independentemente da orientação sexual, gêneros e faixas etárias – ouvimos pessoas de distintas referências – a tensão sexual para essas pessoas se tornou maior do que o medo da doença que já matou mais de 15 mil brasileiros (sendo 286 óbitos na Bahia, dados até ontem).
O vendedor Túlio*, 32 anos, já furou a quarentena pelo menos 9 vezes. Ele garante que ‘toma todos os cuidados’ e que sempre leva para os encontros – além da camisinha – o álcool em gel.
“É um risco de tenho que correr. Eu nunca fiquei mais de uma semana sem transar. Quando me vi quase um mês em casa sem sexo não aguentei. Tento escolher para transar sempre caras conhecidos que afirmam também estar em isolamento”.
As escapadinhas não se restringem aos homens gays. As puladas da cerca do isolamento tem atingido gente de todas as orientações sexuais. É o caso do educador físico Giovanni*, 29 anos. Ele mora sozinho, no bairro do Rio Vermelho, e não consegue dizer ‘não’ para as crushes.
“Eu tenho pelo menos umas quatro peguetes fixas. Estão todas isoladas e eu também. Organizei um fluxo para não ficar na mão e também fazer aquelas assistências. Se eu não fizer outro vai lá e faz e eu perco. Tenho muita testosterona. Não aguento ficar sem transar nem dois dias”, destacou Giovanni que montou uma ‘estação de limpeza’ na entrada do seu apartamento. “Da porta elas já tiram a roupa e vão direto para o banheiro. É bom que já adianta as preliminares”.
A professora Diana*, 31 anos, está solteira há seis meses depois de ter vivido um relacionamento de 3 anos. Logo que ‘passou o luto’ pelo fim do casamento veio a quarentena. A consciência social do coletivo foi embora depois de 34 dias de isolamento.
“Eu estava toda certinha. Respeitando o isolamento social, mas eu comecei a sentir muito tesão e não aguentei. Baixei o Tinder e comecei a conversar com uns homens. Achei um vizinho do meu condomínio. Sei que não deveria ter ido por conta da exposição ao vírus, mas fui. E foi bom. Me arrependo porque desde que fui lá todo dia tenho a sensação de que peguei o coronavírus”, relata a professora que depois dessa experiência deletou o aplicativo e bloqueou o vizinho no WhatsApp para não cair em tentação.
A terapeuta tântrica Satta Flor, que ao lado de Mahaprabhu coordena o projeto TantrAmor, defende que quem não está conseguindo ‘controlar os instintos’ sexuais precisa parar e fazer uma reflexão e buscar também uma conexão com seu próprio corpo.
“O instinto de domina ou você domina o instinto? Se o instinto tem te dominado e a carência tem falado mais alto, sejamos repetitivos: terapia vai ser sempre uma solução mais assertiva para descobrir o que está por trás disso. Para além desse contato com a autorresponsabilidade e autoconhecimento, você pode investir em outros artifícios para não se expor desnecessariamente, afinal a tecnologia está a nossa disposição para romper qualquer barreira física”, explica a terapeuta.
Satta sugere opções: “conversem, façam chamada de vídeo, explorem a criatividade. Se você não se sente confortável com isso, dê conta da própria demanda ingerindo em literatura erótica, brinquedinhos para apimentar sua masturbação, cursos que te ensinem a alcançar patamares mais elevados de prazer na modalidade solo. Escolha o que faz sentido para você, mas fique em casa”.
Nudes, máscaras e militância nos apps
Os aplicativos de pegação estão em chamas com gente a todo momento disposta a quebrar o isolamento social por algumas horas de sexo. Para saber como andava o clima nos aplicativos gays – afinal de contas esse canal é voltado prioritariamente para o público LGBTQIA+ – fiz uma imersão no Grinder.
Em 24 horas foram 64 interações com outros homens que se mostraram dispostos a tudo para furar a quarentena e aplacar a tensão sexual. Obviamente, nenhuma interação avançou do virtual para o real.
A pressão sexual está tão grande que as pessoas estão criando soluções quase que medievais deixando de lado a afetividade da relação sexual. “Não precisamos ter contatos com as vias aéreas. Você vem de máscara e eu fico com a minha. Sem beijo”, propôs Valter*, 22 anos, segundos antes de me bloquear após eu dizer que estava no aplicativo fazendo pesquisas para essa reportagem.
O médico Robson Reis, infectologista do Hospital Aliança e professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, destaca que há risco de contágio pelo novo coronavírus em qualquer tipo de contato físico, inclusive durante a relação sexual.
“No ato sexual há um risco aumentado porque há contato muito próximo e também a troca de secreções. Se os casais morarem em casas diferentes há o risco do contágio no deslocamento e também da casa da pessoa que você está se deslocando. Há o risco também para casais que moram na mesma casa e que por exemplo uma das pessoas tenha que sair para trabalhar e voltar. Se essa pessoa não tomar os cuidados na rua pode ter risco ao seu parceiro”
Reis explica que o risco da contaminação é especialmente no contato respiratório e de mucosas. Não há, contudo, estudos que falem da contaminação da covid-19 por secreções sexuais. “Não existe ainda na literatura algo que diga que o suor, secreções vaginais ou o sêmen transmitam o vírus”.
A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) afirmou que não há nenhum dado de quantidade de casos de transmissão que possa ter ocorrido por conta de encontros sexuais. Contudo, reforça que o isolamento social é a principal ferramenta de combate à pandemia.
Tem solução para tudo….
Há muita gente que decidiu seguir à risca as recomendações de distanciamento social mesmo que isso exija uma certa ‘sublimação sexual’. Foi o que vez o técnico industrial Alfredo*, 42 anos. “Sou mais velho e acho que a experiência traz uma certa resignação. Nenhuma mulher nem homem vale minha vida. Eu estou me virando sozinho e sublimando os desejos sexuais. Estou ficando fitness. Toda vez que tenho vontade de transar eu pulo corda. Já estou fera na corda” , conta Alfredo que é bissexual.
A distância está, inclusive, impactando relacionamentos recém-começados. “Eu comecei a namorar no dia 2 de março. Com menos de 15 dias começou o isolamento. Meu namorado trabalha em hospital. Está indo trabalhar para salvar vidas e decidimos que só vamos nos ver pessoalmente quando tudo isso passar. É uma prova de amor e cuidado. Eu estava solteiro há 3 anos. Acho que foi por isso que teve a pandemia. Sou solteiro convicto e decidi namorar. O planeta se vingou”, contou Alfredo aos risos – de nervoso.
“No final das contas eu tenho medo do namoro não vingar depois da quarentena separados. Agora, só resta torcer”, completa Alfredo.
A terapeuta sexual Sarta explica que a cautela é a melhor companheira nesse momento para os relacionamentos.
“Se vocês ainda não são independentes e por isso podem “brincar de casamento” ficando embaixo do mesmo teto durante a quarentena e estão com medo da distância separar, precisam se questionar em que estrutura essa relação foi construída. Se a distância é um motivo de distanciamento, de término, de perda de interesse, será mesmo que vale à pena colocar em risco a própria saúde em nome de uma relação que não sustenta os desafios da vida? Sinta como chega esse questionamento no seu corpo. Não está fácil para ninguém. Não é um momento simples, tampouco gostoso, mas é uma oportunidade de amadurecer e questionar o que verdadeiramente importa. Para nós, é sair dessa vivos ao lado de quem amamos. Esperamos que para você também”, define Satta.
A estudante de mestrado Vanessa*, 28 anos, decidiu antecipar os planos de vida com a namorada Bianca*, 31, por conta da quarentena. Elas começaram a namorar em novembro do ano passado e queriam até o final de 2020 morar juntas.
“Quando começou a história de isolamento social percebemos que isso iria demorar muito. Decidimos morar juntas logo para não ficarmos separadas e também sem sexo esse tempo todo. Foi a melhor solução. Já temos 59 dias de casadas e aqui em casa é quarentena com sexo todo dia”, conta Vanessa.
SE LIGUE, SE CUIDE E FIQUE EM CASA – De acordo com a Sesab as formas de transmissão do novo coronavírus ainda estão em processo de investigação, mas já se sabe que acontece de pessoa para pessoa. “Qualquer pessoa que tenha contato próximo (cerca de 1 metro) com alguém com sintomas respiratórios está em risco de ser exposta à infecção”, defende a Sesab.
A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer por contato pessoal com secreções contaminadas, como:
O período médio de incubação por coronavírus é de 5 dias, com intervalos que chegam a 12 dias, período em que os primeiros sintomas levam para aparecer desde a infecção.
*A pedido dos personagens foram usados pseudônimos na reportagem.