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Liberdade de Gênero: nova série do canal GNT mostra a vida de pessoas trans

Texto: Laura Fernandes*

Quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse falava: quero ser uma mulher, que nem minha mãe e minha irmã. A fala da youtuber Amanda Guimarães, 28 anos, talvez soe diferente quando o leitor souber que a jovem do Rio Grande do Sul foi identificada ao nascer como pertencente ao gênero oposto ao que ela tem como identidade.

Era muito estranho olhar no espelho e não me reconhecer, revela Amanda no primeiro episódio da série Liberdade de Gênero, que estreia dia 19, à  s 21h30, no canal GNT. O programa vai ao ar todas as quartas e seus dez episódios têm direção de João Jardim, também responsável por séries como Amores Livres, Compulsão e Família É Família. Essa última, inclusive, teve nova temporada anunciada por João para 2017.

Uma das 14 pessoas entrevistadas em Liberdade de Gênero, Amanda expõe a difícil trajetória que enfrentou até se transformar em uma mulher transexual articulada, confiante e fenômeno na internet, com um canal no YouTube que ultrapassa 300 mil assinantes e 1,5 milhão de visualizações.

Casada, radicada em Hong Kong, na China, e com seu primeiro livro lançado, Amanda conta que nem tudo são flores. Na série documental de João Jardim, ela volta para a casa da mãe no interior de Gravataí e relembra a infância, quando corria pela sala de casa com uma calça na cabeça, para fingir que tinha cabelo grande.

Em depoimentos tranquilos, bem resolvidos e impactantes, Amanda comenta o momento inicial de negação da família que hoje a apoia e relembra os olhares, as risadinhas e as piadas preconceituosas enfrentadas na escola e nas ruas, além de contar para as câmeras como se descobriu uma mulher.

Documentário

Foto: Divulgação

Mulher heterossexual
Fizeram um teste comigo: pegaram um moletom do Mickey, outro da Minnie e me perguntaram qual eu queria. Com 5 anos, como sempre gostei de rosa, claro que me agarrei no da Minnie. Aí me disseram ˜não, tu não pode pegar esse moletom! Esse moletom é de menina, tu é menino e vai ter que usar esse aqui™. Daí eu desabei no choro e foi aí que veio o primeiro pensamento de não, eu não sou uma menina, conta.

De repente, Amanda entendeu que tinha algo diferente em sua vida e o contato com a internet revelou um outro mundo onde talvez pudesse se encaixar. Putz! Sinto atração por meninos, então devo ser um menino gay!, constatou na época. Mas tem alguma coisa errada, porque não consigo me ver ficando com um menino, sendo um menino…, percebia Amanda. Nesse período, ela revela que à  s vezes fazia xixi só uma vez por dia para evitar ter contato com seu próprio pênis.

Amanda não é gay, ela é uma mulher heterossexual. Então, ela não se aceitava no corpo de homem e essa condição de homossexual para ela não funcionava, relata a irmã de Amanda, a professora Melissa Borges, durante o episódio de estreia de Liberdade de Gênero.

Até chegar no dia em que Amanda decide viajar sozinha para fazer sua cirurgia de redesignação sexual na Tailândia, no continente asiático, a série narra toda a história da youtuber através de depoimentos dela e da família, com quem nutre uma relação amorosa e equilibrada.

A gente pegou momentos cotidianos, tentou documentar a inserção dessas pessoas trans dentro das famílias delas. Todas têm relações afetivas sólidas, são bem amadas, fugindo do estereótipo das pessoas trans, destaca o diretor João Jardim, 52, cuja carreira cinematográfica inclui filmes como Getúlio (2014), Lixo Extraordinário (2010) e Janela da Alma (2001).

Isso faz muita diferença, porque o mundo é hostil com os homens e mulheres trans e se você volta para casa e é aceito, respeitado, fica muito mais fácil lidar com esse mundo. Esse acolhimento é muito importante para essas pessoas descobrirem quem elas são, opina João, ao contar que o equilíbrio emocional guiou a seleção dos 14 personagens que são entrevistados em Liberdade de Gênero.

Nem homem, nem mulher
Outras histórias marcantes costuram a série, como a de Liniker, 21, vocalista da banda paulista Liniker e Os Caramelows. Além de preferir ser tratado no artigo feminino, Liniker define seu gênero como fluido, não binário (nem homem, nem mulher) e conta que usa maquiagem e roupas femininas porque é assim que se sente bem.

Já o funcionário público cearense Sillvio Lúcio, 52, nasceu mulher e há 12 anos se identifica como homem trans. Casado há 16 anos com uma mulher, que acompanhou sua transição, diz que não se definiu homem trans antes por pura falta de conhecimento. Sempre me senti diferente e foi conhecendo a história de outras pessoas que eu me identifiquei, conta Sillvio.

Outra entrevistada que se destaca é a psicanalista e escritora Letícia Lanz, 64, que mora em Curitiba e é casada há 40 anos com uma mulher. Mãe de três filhos e três netos, Letícia conta que só fez a transição de gênero após 30 anos de casamento, quando um infarto a fez assumir sua identidade.

Nasci macho, sempre quis ser mulher e gosto de mulher. Então eu era uma aberração até para o gueto. Não me incluo nem como homem, nem como mulher, nem como trans. Eu sou Letícia Lanz, uma construção de mim mesma, diz com tranquilidade. Outra coisa: eu não nasci no corpo errado, eu nasci na sociedade errada. Meu corpo está certo, completa a psicanalista.

Essa série é realmente muito diferente. Ela é mais revolucionária, ressalta João Jardim, ao comparar Liberdade de Gênero com suas outras séries, responsáveis por abordar temas como as novas configurações familiares, os novos tipos de amor (como o poliamor) e as compulsões.

Aceitação
Gênero que marca a nova série de João Jardim, o documentário permite que o entrevistado conte sua história sem intermediações. Ali você tem uma primeira pessoa contanto como é esse processo de aceitação física, psicológica e afetiva, explica o diretor. Existe a mão do diretor, mas cada um conta sua história, sem um repórter traduzindo aqueles universos, completa.

Então João reforça que a ideia de Liberdade de Gênero é sair da visão superficial e mergulhar na rotina dessas pessoas transgênero, para que se entenda a realidade delas e se conheça como são incluídas na sociedade. Essa série aproxima essas pessoas de nós mesmos. Essa pessoa é igual a mim, a qualquer um de nós, só que ela é transgênera, ela não é uma doente, pontua.

Afinal, essas questões estão em cada vez mais em pauta porque a sociedade está se revisando, ou por que está cada vez mais conservadora? As duas coisas, responde João, ao afirmar que existe uma revolução provocada pelas redes sociais – que permite que as pessoas tenham voz e encontrem espaço – e uma reação conservadora a tudo isso.

Como tem mais gente indo para esses lugares, vira uma ameaça. Mas o importante de abordar esses temas é dar uma normalidade para eles, tirar a aura de que podem ser uma ameaça. Os interesses têm que ser debatidos, defende.

Veja um trecho da série:

*Texto publicado originalmente na edição impressa do jornal CORREIO

Jorge Gauthier
Jorge Gauthier
Jornalista, adora Beyoncé e não abre mão de uma boa fechação! mesalte@redebahahia.com.br

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