Silva é uma brisa leve sobre o mar. É alma canceriana dizendo que vai ficar tudo bem. Ao mesmo tempo é rosa às duas da tarde com vista para o pôr do sol da Baía de Todos os Santos. Aos 30 anos, o canceriano Silva é vinho tinto em noite de frio, mas também é suco de laranja ao entardecer. Capixaba de nascimento e se tornando ‘baiano de coração’, o cantor de voz mansa e olhos firmes é essência da calmaria e da renovação da Música Popular Brasileira (MPB).
Sentado diante do mar de Salvador – onde se apresentará no próximo domingo (3) no projeto Bloco do Silva (veja mais informações no final da reportagem) – o cantor conversou com o Me Salte sobre sua relação com os baianos, políticas para os LGBTs, sexualidade e também sobre os planos para carreira.
A conexão do artista com a Bahia tem se mostrado mais forte nos últimos tempos. Aqui, gravou seu mais recente clipe – Brisa -, lançado em dezembro de 2018. Mas essa sintonia não vem de agora. Ela foi gestada na sua infância quando conheceu a obra de Dorival Caymmi. Foi maturada – junto com sua formação musical clássica intercalada com a descoberta das obras de Caetano Veloso, Gilberto Gil e João Gilberto.
“Sou facilmente conquistado por pessoas gentis e isso é o que mais tem na Bahia e aqui é o lugar que eu me sinto melhor tratado de todos que eu já passei. Aqui tem um calor no jeito das pessoas que eu me identifico desde pequeno. Minha casa sempre foi uma escola de música e sempre tocávamos (Dorival) Caymmi. Quando eu ainda era bem novinho conheci João Gilberto e fiquei apaixonado. Depois de um tempo conheci Caetano e Gil. Minha conexão com a Bahia já começa aí. Os meus artistas prediletos são baianos”, derrete-se Silva que está lendo atualmente Capitães da Areia, de Jorge Amado.
O clássico autor baiano já é velho conhecido de Silva. Na verdade, segundo ele faz questão de frisar, a cultura baiana sempre esteve circundando a sua vida nas mais variáveis formas de arte. “Tudo que é produzido na Bahia sempre repercutiu muito em Vitória [capital do estado do Espírito Santo, onde o cantor nasceu]. Minha infância, que foi nos anos 90, sempre consumi muito o que a Bahia produziu. Eu tenho essa relação emotiva com a Bahia depois de muito tempo e agora depois de adulto estou criando mais essa conexão”, relembra Silva que destaca que a Bahia tem inspirado a formação de novos projetos para sua carreira artística a exemplo do clipe Brisa – que foi gravado totalmente na Bahia.
Sempre sereno, Silva faz questão de enfatizar que sua relação com a Bahia não é uma ação de marketing ou de possível apropriação cultural. “Ainda falta muito para ser baiano. Meus amigos até brincam dizendo que a dancinha tá boa, mas que ainda falta muito para ser baiano. Eu não quero me apropriar da Bahia. Não quero de repente aparecer com uma conta [de orixá] no pescoço e dizer que sou baiano. Eu sou super respeitoso com isso. Sei que não sou baiano, mas sou apaixonado pela Bahia. A Bahia tem um ouro musical”, conta Silva destacando dentro da nova sonoridade da baiana de Larissa Luz, Luedji Luna e Xênia França, no projeto Aya Bass.
Circulando em Salvador desde o final do ano passado, Silva escolhe o pôr do sol visto do Forte Santa Maria na Barra como seu cantinho preferido na capital baiana. Da fila do supermercado à prainha do Museu de Arte Moderna, ele tem feito a alegria dos fãs que ‘esbarram’ com ele pela rua. “Isso que eu acho incrível em Salvador. Isso é diferente de outros lugares. Outro dia eu encontrei Seu Jorge no meio da rua e fiquei quase meia hora falando com ele. É uma coisa que não vai acontecer em outro lugar. As pessoas aqui têm uma troca grande de energia”, destaca Silva que revela se encantar com a luz alaranjada do sol de Salvador. Nos momentos de quietude ele diz que prefere ficar em casa vendo um filme e apreciando a vista do mar do apartamento que está hospedado na região central de Salvador.
De Claridão a Brasileiro
Silva iniciou sua projeção nacional através da música com o álbum Claridão (2012). Na sequência veio Vista pro Mar (2014), Júpiter (2015), Silva Canta Marisa (2016) e Brasileiro (2018). Em todos, apesar da transformação estética, há algo em comum: o canto do amor.
O álbum com covers das músicas de Marisa começou após uma série de shows em setembro e um programa no canal Bis foi o primeiro impulso mais forte para o grande público da qualidade musical do artista. Foi um encontro de almas cancerianas. “Começou sem muitas pretensões mercadológicas. Foi uma coisa que aconteceu por acaso depois que fizemos o programa de TV e virou até DVD. Marisa soube, viu o programa e me escreveu agradecendo o programa. Aí viramos amigos, compomos juntos e gravamos juntos. Era uma pessoa que eu já me entendo como fã desde sempre e depois que eu a conheci fiquei mais fã ainda e decidimos gravar o disco”, relembra Silva.
Antes disso, seus shows eram prioritariamente focados em suas composições. O capixaba revelou que sentiu receio com esse passo musical especialmente por não ter tido a experiência tradicional de muitos cantores que é passar pelos barezinhos. “Para mim fazer esse trabalho com as mansões de Marisa foi um desafio e me fez crescer muito como músico. Depois disso eu me vi outra pessoa”.
O encontro com Marisa, segundo Silva, o deixou mais brasileiro. Afinal, ele começou a carreira artística no Brasil após passar dois anos estudando na Irlanda, na Europa. “Minhas referências eram muito gringas. Então, graças a Marisa eu me conectei de volta com as coisas que eu vivia na infância. Até a Bossa Nova eu tinha esquecido no sentido de possibilidade de criação”.
Se Marisa conectou Silva com a MPB clássica o feat da canção Fica Tudo Bem (2018) que ele gravou com Anitta foi a explosão sensorial e amplificação de públicos para o cantor. “São duas divas de gerações e lugares completamente diferentes. Depois da parceria com Marisa eu vi muitas pessoas de cabelos brancos no meu show. Depois da parceria com a Anitta eu comecei a ver gente muito mais nova no meu show. Ficou uma coisa muito misturada. Eu achei isso maravilhoso. Eu nunca gostei de ser uma pessoa prateleirada em um nicho. Quero continuar lutando para não ficar numa prateleira só”, explica Silva que é formado em violino clássico.
Quando adolescente, ele achava que seria um músico de concertos clássicos, mas foi cooptado pelos vocais e pela música popular.
“Nunca achei que deveria fazer música para poucos. Sempre achei que deveria fazer música para o maior número de pessoas”, conta Silva que também toca violino, piano, violão e guitarra
Apesar da ansiedade de produção de mais trabalhos, Silva destaca que está com cautela pensando no trabalho que sucederá Brasileiro, lançado no ano passado e que ainda tem músicas ‘pouco trabalhadas na mídia’.
“Eu nunca tiro férias. Meu irmão, que é meu empresário e que compõe muitas coisas comigo, diz para eu ter calma porque eu já termino um álbum e já quero começar o outro. Nos últimos anos eu sai emendando um trabalho no outro. Dessa vez eu quero experimentar mais coisas. Quero vir para a Bahia com calma, conhecer músicos daqui e pensar. Eu prefiro não me programar muito, mas eu não gosto de repetir. Então, eu acho que o próximo trabalho vai ser diferente de todos os outros. Tem artista que não enjoa e que toca a mesma coisa por 20 anos, mas para mim é muito importante mudar”.
Silva revela que não é muito ‘apegado’ com as canções. “Tem coisas que eu fiz que não gosto mais tanto hoje, mas também amo muito algumas coisas que já fiz. Sou muito de fase no gostar das canções. Eu gosto muito atualmente de uma música chamada Prova dos Nove, que me foi apresentada por causa da minha sogra que namora do compositor. Gosto muito e me emociono muito com Duas da Tarde”, fala Silva que namora Fernando Sotele, com quem está na Bahia.
Sexualidade, arte e mercado LGBTs
Diante da onda de conservadorismo que atingiu o Brasil, Silva destaca que como artista sente que seu trabalho pode ajudar outras pessoas, inclusive os LGBTQIA+ a se sentirem mais fortalecidos.
“Está uma loucura. O ano mal começou e parece que já se passaram seis meses. Eu comecei a sentir a importância do meu trabalho para as pessoas LGBTs em 2016 quando eu fiz o clipe Feliz e Ponto, que foi quando eu comecei a falar da minha vida pessoal. Depois do clipe [onde ele aparece beijando homens e mulheres] eu comecei a receber muitas mensagens de pessoas dizendo que se inspiraram para assumir sua sexualidade. Depois isso eu comecei a ver a responsabilidade de falar sobre isso. Eu tento e me esforço para isso não virar marketing na minha cabeça. Eu tenho pavor disso. Não julgo quem faz, mas para mim eu tomo muito cuidado para que isso seja uma coisa sincera e que venha de mim”, argumenta Silva lembrando o clipe que hoje tem mais de 5 milhões de visualizações.
Quando é importante falar eu falo. Acho importante como artista eu me posicionar nesse momento. Quero ajudar como eu puder. Quero ajudar as pessoas a passarem por essa situação diante de conservadorismo no país sem se destruírem. Tenho muitos amigos que entraram em depressão nos últimos tempos por conta de política.
Com amor e com leveza. É assim que Silva acredita que pode colaborar com que as pessoas LGBTQIA+ vivam em paz em momentos tão tensos. “Eu acho que eu posso colaborar com a leveza. Quero contribuir com o que eu puder. Não podemos pirar. Eu acho importante ter todas as linhas nesses momentos. Eu acho que a música pode chegar num lugar diferenciado. Quando você pega uma música, uma melodia e leva para uma pessoa que é contra isso tudo de forma inteligente você abre o diálogo. Tem que saber o jeito certo de chegar nessas pessoas. É essa minha contribuição. Sou calmo, sereno e tranquilo. Eu acho que nós devemos nos juntar. Cada um do seu jeito. Precisamos somar. Isso vai fazer como que vivamos melhor”, argumenta Silva.
Nascido e criado em uma família evangélica, Silva revela que ao assumir sua homossexualidade em casa teve momentos difíceis. “Foi dificílimo me assumir para eles. Eu tenho uma relação com a minha família muito boa. Artisticamente eu devo muito aos meus pais. Minha mãe sempre foi muito criteriosa com o estudo de música. Minha família é evangélica até hoje e é por muitas gerações. Quando eu tinha 21 anos, voltei da Irlanda e terminei a faculdade de violino. Fui a primeira pessoa da minha família a fazer a ruptura e quebrar os paradigmas. Eu agradeci muito a eles, inclusive, pela base filosófica que eles me deram porque foi ela que me permitiu poder questionar isso”.
Eu sempre conversei com meus pais sobre esses assuntos mais difíceis com muito carinho. Eu detesto brigar. Quando você tem o respeito você recebe respeito de volta.
Silva diz que usou o respeito e a tranquilidade para conquistar o respeito da família. “Eu sempre respeitei muito meus pais. Acho que por isso que eles passaram a respeitar as minhas escolha. Eles podem não gostar, não concordar dentro da verdade deles o que escolhi para mim. Mas, apesar de não concordarem com tudo que eu faço na vida eles me respeitam muito. Na época do clipe Feliz e Ponto, por exemplo, rolou um pouco de atrito, mas conversamos”, relembra o cantor.
Silva carnavalesco
Neste domingo (3), a partir das 16h, o cantor Silva aporta em Salvador com o projeto Bloco do Silva, no Trapiche Barnabé. No show, ele receberá como convidadas a banda Ilê Ayiê e a cantora Daniela Mercury.
Além do seu repertório, Silva promete uma conexão com a Bahia do seu passado. “Ao lado de Daniela e do Ilê estou muito bem acompanhado. Eu escolhi para o repertório músicas que tocam comigo, com a minha emoção. O show é bem animado. Até a parte mais quieta é uma parte que todo mundo canta junto. Só tem muita que mexe comigo, que fala comigo na minha adolescência. Tem muita canção da Banda Eva, Moraes Moreira, Cheiro de Amor, Caetano Veloso e muitos outros”, adianta Silva.
O cantor – que revela adorar ensaios e subir no palco com tudo da apresentação roteirizado – percebeu que ainda precisa se integrar melhor com a forma de fazer ensaios de Verão em Salvador. “Eu sou super do ensaio e de programar, mas percebi que aqui na Bahia o negócio simplesmente acontece. Eu tô levando assim e ver como vai ser. Eu sei que vai ser bonito”, adianta Silva sobre essa parte do ‘módulo avançado de como ser baiano’.
SERVIÇO:
Bloco do Silva
Onde: Trapiche Barnabé
Quando: 3 de fevereiro, a partir das 16h
Atrações: Silva, Daniela Mercury e Ilê Ayiê
Ingressos: R$60 – R$100; vendas pelo site Eventbrite