Por Yasmin Garrido*
‘Um pé no parlamento e milhares de mãos nas ruas’. Este é o lema da equipe que atua junto com Bruno Santana, 30 anos, segundo homem trans a assessorar um parlamentar da Câmara Municipal de Salvador nos 470 anos de fundação da casa que abriga dos vereadores da capital baiana. Ao lado de Marcos Mendes (Psol), ele pretende deixar uma marca registrada e defender a diversidade.
Mais do que fazer história, com o novo emprego onde tomou posse essa semana, Bruno se afasta da difícil estatística que outras pessoas trans e travestis enfrentam diariamente: a busca por um emprego formal. Formado em Educação Física pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), o assessor ingressou na vida política a partir do movimento estudantil, principalmente com questões voltadas ao grupo LGBT.
“O fato de compor essa equipe, sendo homem trans e negro, já mostra a dupla ação afirmativa e o compromisso social do mandato de Marcos Mendes”, destacou. Ainda segundo Bruno, o mandato é coletivo. “Marcos Mendes é o representante, mas ao lado existe uma equipe plural compostas não somente por pessoas LGBT, mas por ativistas, sem teto, negros, negras, mulheres cis, quilombolas, ambientalistas e candomblecistas, e isso é o que temos de mais potente”, afirmou.
Bruno ressalta que tem a intenção de “ocupar o cargo, enquanto homem trans, contribuir para dar visibilidade à população trans e travesti, que historicamente é marginalidade, desumanizada e excluída socialmente”. Ele, que é transativista, é um dos responsáveis por dar vida ao coletivo ‘De transs pra frente’, que tem como objetivo defender e estimular a resistência trans e travesti.
Bruno é, ainda, membro do Transbatukada, um movimento ativista composto por trans e travestis, além de fazer parte da Rede Trans Brasil. “De acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais ( ANTRA), o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, nossa expectativa de vida é de 35 anos. Apenas 2% da população trans e travesti estão nas universidades. Expulsas da escola, da família e do mercado de trabalho, vivemos às margens de um ‘cis-tema’ que nos patologiza, silencia, invisibiliza e nos extermina cotidianamente. Todas essas violências revelam a necessidade de lutarmos para construir uma sociedade que inclua todas as pessoas”.
O vereador Marcos Mendes, que assumiu mandato recentemente ocupando a vaga de Hilton Coelho (Psol), que foi eleito deputado estadual, acredita que a câmara precisa ser diversa. “É uma obrigação nossa expressar a diversidade na composição do nosso gabinete e garantir a oportunidade de visibilidade para todas as pessoas. Em geral, as pessoas trans ocupam os postos de trabalho mais precarizados. Ter o Bruno em nossa equipe é reverter essa lógica. Esperamos que outras pessoas trans possam ocupar a Câmara de Vereadores de Salvador. Nós, do Psol, estamos incentivando que outros gabinetes possam refletir essa diversidade”, destacou o edil.
Ocupação e resistência
Antes de Bruno, a CMS teve, em 2008, a eleição da primeira vereadora trans da capital baiana. Léo Kret teve, à época, 12.861 votos e ficou em quarto lugar na disputa por uma cadeira no legislativo municipal. Veja foto da posse de Léo Kret:
Depois dela, o vereador Suíca (PT) contratou Tuka Perez como assessora, em 2012. Ela, que é mulher trans nascida no bairro de Pernambués, em Salvador, ficou responsável por cuidar das pautas relacionadas às questões LGBT. “Eu atuava dentro da comunidade de Pernambués, com o movimento Linha de Frente e o vereador primeiro me convidou para comandar a primeira parada LGBT do bairro. Só depois disso veio o convite para ser assessora”, contou.
Ela afirmou que teve, no início, dificuldades em incluir o nome social no crachá, mas o problema foi rapidamente resolvido. “Eu usava o crachá com meu nome do registro, meu nome masculino, e isso me causava desconforto, porque muitas pessoas não entendiam que eu sou mulher trans”, disse.
Tuka, que hoje tem 35 anos e continua lutando como ativista pelas causas LGBT, também destacou que não foi fácil chegar até a posição de assessora parlamentar. “As pessoas faziam perguntas do tipo ‘por que ela está ali’, como se eu não tivesse a capacidade de ocupar o cargo. Eu sofria preconceito, mas consegui conquistar meu espaço na Câmara e o respeito de todos”, declarou.
Quanto à chegada do assessor Bruno, Tuka disse que “se for para somar forças na defesa da causa LGBT, é uma felicidade muito grande”. Ela também afirmou que a Câmara e, de certa forma, a política, ainda é um ambiente que precisa quebrar muitas barreiras do preconceito. A partir desta sexta-feira (15), Tuka Perez vai ter o nome modificado no registro, com a ajuda do mutirão realizado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia.
Já o primeiro homem trans que atuou como assessor parlamentar na Câmara Municipal de Salvador foi Vida Bruno, 44 anos, conhecido por estar à frente dos movimentos que defendem os direitos da população LGBT. Ele atuou ao lado da ex-vereadora e atual deputada estadual Fabíola Mansur.
Vida Bruno, que nasceu em uma família com 18 filhos, de origem humilde, ingressou na Universidade Católica do Salvador, em 1998, para o curso de bacharelado e licenciatura em História. “Foi a universidade que me permitiu ter contato com o movimento estudantil e me possibilitou fazer parte do grupo de criação da ‘Bolsa Ucsal’, que beneficia alunos de baixa renda”, contou.
Foi a partir da atuação na política estudantil, que Vida Bruno decidiu se candidatar a vereador, nas eleições de 2012. “Não tive problema em lançar a candidatura com meu nome social”, disse. Com a derrota nas urnas, surgiu o convite de Fabíola Mansur para que ele fizesse parte da equipe dela, principalmente na defesa dos direitos da população LGBT.
“Na Câmara, nós fomos discutindo internamente as formas de atuação e posicionamento político e social. Como homem trans dento da Casas Legislativa, muito mais importante do que a luta em si, é o método que você usa. Então, eu escolhi o caminho pedagógico, por meio de uma cultura de trazer o esclarecimento de questões referentes ao público LGBT”, explicou.
Ainda de acordo com Vida Bruno, que hoje é um dos gestores do Centro Municipal de Referência LGBT, “tudo aquilo que é desconhecido, é coberto por um preconceito”. Por isso, o papel nele na CMS se deu em torno dos movimentos e ações voltados para educar a população quanto às questões LGBT. “A gente precisa manter o chip da população atualizado com o século XXI”, destacou.
Vida Bruno também mencionou que as dificuldades da população LGBT, na maioria das vezes, começa dentro de casa e se estende para a sociedade. “Primeiro tem a questão da escolaridade, já que grande parte da comunidade mais afetada pelo preconceito tem baixo grau de instrução”. Mas, para ele, o que mais dificulta a inserção no mercado formal ainda é o preconceito.
“Todos somos merecedores de ocupar todo e qualquer espaço que estiver em nossos sonhos e ter um futuro mais justo e seguro. Para isso, é fundamental discutirmos políticas para inclusão social e a quebra do preconceito dentro da sociedade, evitando a informalidade da população LGBT”, explicou.
A assessoria da CMS afirmou que o setor de Recursos Humanos da Casa não dispõe de informações sobre a identidade de gênero ou orientação dos funcionários e parlamentares, não podendo afirmar se, além destes, outros membros da comunidade LGBT passaram pelo legislativo municipal.
Vida de risco
Nos últimos 10 anos, o Brasil teve um aumento de 125% nos registros de mortes de pessoas LGBT. Apenas em 2018, foram 420 mortes, número que só fica atrás de 2017, quando o número de casos chegou a 445, o recorde do país. Os números são do Grupo Gay da Bahia e alimenta o banco de dados há 39 anos.
Em 2018, das 420 mortes, 76% foram homicídios, enquanto 24% se referem a registros de suicídio. Os números, de acordo com o GGB, colocam o Brasil no topo do ranking dos países quando o assunto é crimes contra as minorias sexuais. Deste total, foram 191 mortes de gays, 164 de trans, 52 de lésbicas, 8 de bissexuais e 5 de homossexuais (mortos por serem confundidos com LGBT).
Os estados que notificaram o maior número de homicídios e suicídios de LGBT em 2018, em termos absolutos, foram São Paulo, com 58 vítimas, Minas Gerais, com 36, Bahia e Alagoas, com 35 cada, e o Rio de Janeiro, 32 mortes. No lado oposto do ranking, com os menores índices estão Amapá, com 1 morte, Acre e Roraima, com 2 cada.
Já no rol das mortes de pessoas trans, os registros mostram que 81 vítimas eram travestis, 72 mulheres transexuais, 6 homens trans, 2 drag queens, 2 pessoas não-binárias e 1 transformista. Mas, se for feita uma análise proporcional entre o número de gays no país e a quantidade de pessoas trans, é possível afirmar que o risco de uma pessoa trans ser assassinada é 17 vezes maior do que um gay.
Perfil das vítimas
De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia, das mortes de LGBT registradas em 2018 no país, a faixa etária predominante é entre 18 e 25 anos, representando 29% das vítimas. Do total, 77% das mortes foram de pessoas com até 40 anos.
Já em relação à cor das vítimas de LGBTfobia, 213 eram brancas (58,4%), 107 pardos (29,3%) e 45 pretos (12,3%). Quanto à categoria sexológica, a população transexuais e travestis negras lideram o ranking nacional das vítimas, representando 47% das mortes, seguidas por gays (48%) e lésbicas (28%).
Para o presidente do GGB, Marcelo Cerqueira: “ser travesti já é um agravante de periculosidade dentro da intolerância heteronormativa e machista dominante em nossa sociedade, e mesmo quando um gay é morto devido à violência doméstica ou latrocínio, é vítima do mesmo machismo cultural que leva as mulheres a serem espancadas e perder a vida pelas mãos de seus companheiros, como diz o ditado: viado é mulher tem mais é que morrer!”.
Nome social
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a reconhecer somente em março do ano passado o direito de transexuais e travestis utilizarem o nome social. A mudança acontece, porque antes, para a atualização dos documentos, era necessário laudo médico comprobatório da condição de trans ou a cirurgia de mudança de sexo.
Nesta quarta-feira (13), o STF vai votar a criação de uma lei específica que criminalize a homofobia, assim como acontece, hoje, com o racismo e a intolerância religiosa. Se aprovada, a criação da norma caberá ao Congresso Nacional.
A Defensoria Pública do Estado da Bahia vai realizar, nesta sexta-feira (15), um mutirão para atender à população trans que deseja adotar o nome social e a alteração do gênero nos documentos. A unidade móvel vai ser instalada na Estação da Lapa e os atendimento, que são por ordem de chegada, acontecem entre 10h e 13h.
Apenas pessoas a partir de 18 anos podem participar do Mutirão de Retificação de Nome e Gênero. É necessário comparecer ao local com RG, CPF, comprovante de residência, certidão de nascimento, certidão dos quatro cartórios de protestos e títulos e documentos, certidão de quitação eleitoral, certidão da Justiça Federal (Cível, Criminal e Execução Penal), Certidão da Justiça Estadual (Cível, Criminal e Execução Penal).
E, nesta quarta-feira (13), vai acontecer o Sine Bahia Móvel LGBT, que oferece serviços intermediação de mão de obra ao público LGBT, emissão de carteira de trabalho, inscrição para cursos de qualificação, atualização do nome social na CTPS. A ação acontece no Casarão da Diversidade, no Pelourinho, entre 9h e 15h. é imprescindível apresentar carteira de trabalho, RG, CPF, comprovante de escolaridade e residência.
*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier
3 Comentários
Cadê o pinto? Homem sem pinto não é homem.
Tácio,
Se seu conceito de masculinidade está vinculado à genitália acho que você precisa se informar melhor. Ser homem não é ter um pênis!
Pra nós só nos interessa é ser honesto (a) e gostar de trabalhar pelo povo o caralho que a pessoa faz com sua vida pessoal não é da minha conta.