Quem vê Sulivã Bispo, 25 anos, na pele de Mainha (na websérie Na Rédea Curta – antiga Frases de Mainha) não sabe quantas histórias ele consegue carregar no seu corpo. Nos últimos anos já o vi diversas vezes no teatro com personagens performances dançantes ou até mesmo com simbologias de religiões de matriz africana. Mas, ontem, vi Sulivã na sua melhor essência: Madame Satã .
Satã é um dos representantes mais ilustres da malandragem da Lapa boêmia do Rio de Janeiro, da primeira metade do século XX. O personagem reúne, ainda, traços que o inserem em outras categorias, tais como negro, homossexual e marginal.
A comparação com Lázaro Ramos (que deu vida à Satã no cinema) parecia inevitável, mas o olhar de Sulivã com as vestes de Satã já na primeira cena em que aparece coloca isso em segundo plano.
A Satã de Sulivã tem a benção de Ogum e Iansã, dos caboclos e da luta dos movimentos sociais. O ator da Liberdade compartilha o palco com Thiago Almasy, Anderson Danttas, Silara Aguiar, Genário Neto, Antenor Azevedo, Victor Corujeira, Daddi Lima, Caique Copque, Gleison Richelle, Nitorê Akadã, Larissa Libório e Diogo Teixeira.
A maioria de atores negros em cena não é por acaso. Faz jus à história de Satã, de Sulivã e de toda tradição e sofrimento vivida pelos negros no Brasil – quiçá no mundo. Dirigido por Thiago Romero, o espetáculo é construído de forma ‘leve e dançante’ apesar da temática densa e que fomenta diversas reflexões.
O mito carioca João Francisco do Santos, mais conhecido como Madame Satã, ganhou as cores da Bahia nessa montagem teatral que fica em temporada no Teatro Martim Gonçalves (Rua Araújo Pinho, no Canela) até o dia 12 de agosto, de quinta-feira a sábado, às 20h, e domingo, às 19h.
Com dramaturgia de Daniel Arcades, coreografia de Edeise Gomes e direção musical de Filipe Mimoso, o espetáculo busca desvendar um complexo processo em que se imbricam a apropriação (e ressignificação) simbólica do malandro e a aplicação de estratégias biopolíticas sobre os corpos “fora da norma”. Corpos sarados – e em uma cena até desnudo – se mesclam às formas mais robustas em harmonia compassante.
Madame Satã é uma biografia musicalizada, que pensa a música como instrumento de debate e discurso da negritude. Apesar de ter um caráter biográfico, o musical não tem um compromisso de contar cronologicamente a vida da personagem Madame Satã. É justamente nesse ponto que acontecem os principais ganhos do espetáculo por ‘atualizar’ a trajetória vivida por Satã no início do século XX com as demandas e opressões que sentimos até hoje – especialmente sobre as minorias sociais.
“A dramaturgia da peça foi criada a partir das situações relatadas pelo próprio Madame. Não estamos nos baseando em factoides, mas em relatos e entrevistas que o Madame concedeu. Buscamos ouvir a voz dessa personagem mito carioca”, explica Daniel Arcades.
As composições criadas para o musical estão inscritas e escritas no ritmo do funk, da percussão, no samba do início do século XX (quando ainda era um ritmo criminoso), com a métrica de sambas populares. O objetivo principal da montagem é transitar pelo percurso de Madame Satã e promover uma reflexão sobre o poder de instrumentalização do corpo, tendo como horizonte a produção de subjetividades contemporâneas.
O espetáculo, que tem como base a poética do Teatro Documental e traz 13 atores em cena. Além de Sulivã Bispo merecem destaques as atuações de Thiago Almasy (especialmente quando vive um jornalista), Anderson Danttas (que ‘rouba a cena’ com seus passos coreográficos e corpo escultural) e Victor Corujeira (quando canta o hino de Edit Piaf).
Sulivã e Romero já trabalharam juntos nos espetáculos Rebola (vencedor do prêmio Braskem de Teatro 2016 na categoria Espetáculo Adulto e Texto), Kaiala, Anoitecidas, Delicado e mais recentemente no Frases de Mainha.
Madame Satã é uma personagem que se desdobra em incontáveis versões. A combinação de negro, homossexual e marginal da história de Satã na pele de Sulivã merece ser vista por todos no teatro. Das mentes preconceituosas às despidas de preconceito todas precisam desses 100 minutos de reflexão (apesar de problemas de áudio e de atraso que ocorreram na estreia).
Serviço
O quê: Madame Satã
Quando: 02 a 12 de agosto – quinta-feira a sábado, às 20h, e domingo, às 19h
Onde: Teatro Martim Gonçalves, Avenida Araújo Pinho – Canela
Ingresso: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) – www.sympla.com.br e na bilheteria (02 horas antes do espetáculo). Os estudantes dos cursos de Artes da UFBA têm acesso gratuito, sendo reservada uma cota de 20% da capacidade do espaço, neste caso, a retirada deve ser feita diretamente na bilheteria do Teatro até meia hora antes do início da apresentação, apresentando devida comprovação de matrícula na instituição.
Mais informações: @madamesataespetaculo
FICHA TÉCNICA
Concepção e Direção: Thiago Romero
Texto: Daniel Arcades
Orientação de Encenação: João Sanches
Assistência de Direção: Rafael Brito Pimentel
Direção Musical e Trilha Original: Filipe Mimoso
Elenco: Sulivã Bispo, Thiago Almasy, Anderson Danttas, Silara Aguiar, Genário Neto, Antenor Azevedo, Victor Corujeira, Daddi Lima, Caique Copque, Gleison Richelle, Nitorê Akadã, Larissa Libório, Diogo Teixeira
Músicos: Filipe Mimoso, Paulo Pitta, Weslei Gomes
Direção de Movimento: Edeise Gomes
Coreografia: Edeise Gomes e Elivan Nascimento
Assistência de Coreografia: Elivan Nascimento e Isis Carla
Cenário: Erick Saboia
Cenotécnicos: George Santana e Israel dos Santos
Costura Cênica: Agnaldo Queiroz
Figurino e Maquiagem: Tina Melo
Assistência de Figurino: Guilherme Hunder
Costura: Sarai Reis
Luz: Allison de Sá
Técnico de Som: Isaac Neves
Direção de Produção: Luiz Antônio Sena Jr.
Produção Executiva: Bergson Nunes
Bilheteria: Eric Lopes
Assessoria de Comunicação: Thèâtre Comunicação | Rafael Brito
Design Gráfico: Diego Moreno
Vídeos: Mayara Ferrão
Fotos: Diney Araújo
Realização: Teatro da Queda, Escola de Teatro, UFBA, PROEXT