Celebração foi idealizada pela Defensoria Pública da Bahia e ocorreu na Faculdade de Direito da UFBA nesta sexta-feira (2)

Gabriel Moura*

Em tempos de guerra, casamentos coletivos são comuns, pois os homens que não desejam ir para a frente de combate, vão aos montes para a porta das igrejas, já que os casados, geralmente, estão entre os últimos a serem convocados de forma compulsória. Também com um grande conflito envolvido na narrativa, 12 casais LGBT+ sacramentaram seu amor em uma cerimônia coletiva organizada pela Defensoria Pública da Bahia, nesta sexta-feira, 02.

Mas há diferença entre as guerras tradicionais e a que os recém-casados enfrentam diariamente. O inimigo não se trata de uma nação rival, mas sim do preconceito. Se os noivos mencionados anteriormente planejam fugir do campo de batalha, a cerimônia de ontem foi repleta dos mais nobres combatentes prontos para encarar o “front”. A arma deles não são canhões ou metralhadoras, mas algo que ainda, infelizmente, fere os mais conservadores: o amor.

Sob o teto do auditório da Faculdade de Direito da UFBA, onde ocorreu a cerimônia coletiva, um lugar onde se aprende sobre lei e justiça, os 24 apaixonados celebraram o direito de se amar. Sete casais de mulheres e cinco de homens, para quem o casamento não é apenas um símbolo de amor, mas de resistência.

Os amantes iam, um por um, para a frente do juiz, onde diziam seus votos, diziam “sim”, trocavam as alianças e davam o tão esperado beijo. Todos os casais arrancavam sorrisos, lágrimas e aplausos de quem assistia à cerimônia. Até quem foi acompanhar apenas um par de noivos se emocionava com os outros 11.

Número de casamentos LGBT+ aumenta

A união civil entre pessoas do mesmo sexo é regularizada desde 2011. Nos últimos anos, o número de casamentos LGBT+ só tem crescido no Brasil. De acordo com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), que reúne dados dos registros civis feitos em cartórios do país, houve aumento de 25% nessas uniões no Brasil de janeiro a outubro de 2018, em comparação com o mesmo período do ano passado: de 4.645 para 5.816. Se considerarmos só de setembro para outubro, o crescimento chega a 36%.

Para 2019, a expectativa é de um aumento ainda maior, principalmente após a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República no final do ano passado. Em dezembro de 2018, mês seguinte às eleições, houve 2,6 mil casamentos homoafetivos, 323% a mais do que em dezembro de 2017, quando foram celebradas 614 uniões.

A porta voz e a acompanhante

A artista Leanza Calazans, 22, e a recepcionista Luciele Cristina, 28, estavam entre os sete pares de noivas. Tímida, Luciele afirmou logo no início da entrevista ao CORREIO que ela permaneceria mais calada durante o bate-papo. “Ela é a porta voz do casal. Eu sou só a acompanhante”, brincou.

Elas se conheceram numa festa em 2015 e, apenas 15 dias após o primeiro encontro, já estavam morando juntas. “Desde o primeiro momento já percebemos que éramos feitas uma para a outra”.

Apesar da ardente paixão, o começo do relacionamento teve seus perrengues, principalmente por causa do pai de Leanza. “Mas é sempre uma se segurando na outra. Sempre houve o diálogo e um bom convívio, o que é importante – principalmente num casamento LGBT. Como nós somos duas mulheres, tem a questão de termos personalidade forte, além da TPM”, brincam as noivas.

Sem soltar a mão uma da outra, a ‘porta-voz’ e a ‘acompanhante’ já planejam os próximos passos após o casório: terem três filhos e viajar o mundo inteiro com eles. Se nem na hora de decidirem o momento para morarem juntas elas seguiram o padrão, na hora de dizer o “sim” elas também fugiram do habitual. “Prometo que ela não me ameaçou para aceitar”, garantiu Leanza em frente ao juiz.

Eu conheci ele no Tinder

Já a história de Robson Ferreira Silva, 23, e Thiago Silva Ferreira, 31, não começou da forma mais romântica. Ambos deslizaram para a direita e deram match no Tinder. Mas, o problema não foi eles terem o aplicativo de relacionamentos como cupido e sim o primeiro encontro, que na verdade foi um desencontro.

Foto: Arisson Marinho/Correio

Foto: Arisson Marinho/Correio

“O negócio já começou mal. A gente marcou num lugar, aí eu cheguei. Ele demorou e eu fui embora. Depois que me piquei pra casa, ele chegou… Um desencontro total”, relembra Robson.

Mas uma grande coincidência mostrou que o relacionamento deles estava escrito nas estrelas: ambos fazem aniversário no mesmo dia – 5 de outubro. E, por causa deste feliz acaso, não desistiram um do outro e decidiram marcar um segundo “date”, que desta vez foi concluído com êxito tão grande que Thiago pediu Robson em namoro e os pombinhos já saíram de lá compromissados e poucos meses depois, estavam morando juntos.

Só tinha uma última barreira a ser quebrada: a mãe de Robson saber. Mas ela permaneceu no escuro durante muito tempo e só foi descobrir o relacionamento dos dois nesta quinta-feira (1), exatamente um dia antes do casamento. “Claro que ela já desconfiava né, mas só fui abrir o jogo ontem. Aí foi tudo de uma vez. ‘Olha, mãe: sou gay, estou morando com Thiago e a gente vai se casar amanhã’. Felizmente ela reagiu super-bem e inclusive está aqui para nos prestigiar”, comemora Robson.

Pedida pelo Zap

Acostumada a receber no ‘zap’ correntes de “bom dia” no grupo da família, a professora Ana Paula de Oliveira, 36, viu uma mensagem inusitada em seu aplicativo. Sua companheira Rosilene Santos Pereira, 49, enviou uma foto da cerimônia de casamento coletivo LGBT+ com os seguintes dizeres: “Vamo?”. “E o pedido vai ser assim é?”, indagou imediatamente Ana. “É…”, confirmou Rosilene. “Então bora”, aceitou a professora.

O pedido não foi digno de um filme de romance, mas foi perfeito para as duas, para quem casar no papel não passa de uma mera formalidade após sete anos juntas. Num relacionamento que, aparentemente, seria apenas mais um amor de Carnaval, festa onde se conheceram em 2010, elas decidiram mudar o rumo da coisa.

Em 2012, dois anos após o primeiro e único encontro, Rosilene ligou para Ana Paula e disse o famoso “oi, sumida”. Elas marcaram um encontro e deu certo. Repetiram a dose do Carnaval e ficaram novamente. A professora garante que não deixou de pensar em Rosilene desde aquele fevereiro. “Só não a chamei para sair por ‘coisas da vida’”, conta.

Juntas há 7 anos e felizes com a cerimônia, elas comemoraram o fato de terem se casado junto com outros 11 casais LGBT+: “Isso aqui é um ato político, de afirmação. Estamos vivendo um momento difícil no Brasil para a nossa comunidade. Você ouve os comentários das pessoas sobre nós e a maioria são cruéis. Nos comparam a pessoas ruins, como ladrões, como se não tivéssemos sentimentos ou famílias. As pessoas precisam entender que em todas as relações existe amor e o que nos fortalece neste dia é olhar todos esses 12 casais que estão aqui porque se amam”, comemora Rosilene.

Surpresa

Se Rosilene pediu Ana pelo WhatsApp, nem isso Mário Henrique Deiró, 27, fez. Ao saber que haveria a cerimônia coletiva, o técnico de enfermagem inscreveu a ele e ao jornalista Uilton Souza da Conceição, 38, no casamento. Após deixar tudo nos conformes, simplesmente informou. “Ei, então, nós vamos casar tal dia, tal hora, em tal lugar numa cerimônia coletiva. Vamo?”. Com uma intimada dessas, não tinha como dizer não.

Mas Uilton garante que sempre teve a vontade de registrar no papel o amor entre eles, que começou através de uma escolha quase aleatória. Eles possuem amigos em comum e em um determinado momento se encontraram na casa de um deles. O amigo pediu para Mário apontar para o sofá, onde havia três rapazes, e escolher um deles para ficar. Ele imediatamente escolheu Uilton – talvez a melhor escolha de sua vida.

Foto: Arisson Marinho/correio

Foto: Arisson Marinho/correio

O primeiro encontro deles foi marcado poucos dias após este “jogo da roleta”. Só que ele já começou em clima de despedida, já que Uilton ia para São Paulo, onde participaria de um prêmio. No “date”, que aconteceu pouco tempo antes da viagem, Mário pediu para que o jornalista entregasse a ele uma coisa que fosse muito valiosa, para que quando voltasse, fosse buscar. “Você”, respondeu Uilton. “Ali que ele me ganhou”, lembra Mário, emocionado.

*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier

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