Boipeba é um dos locais de colonização mais antigos da Bahia. Em 1537, os jesuítas fundaram a Aldeia e a Residência de Boipeba. Passados 482 anos do início da exploração da cidade pela colonização portuguesa – neste 7 de setembro de 2019 (dia em que se recorda a separação oficial de Brasil e Portugal ) – a população LGBTQI da ilha deu seu gripo de liberdade.
Um grito que estava entalado na garganta de Marias, Lumas, Alexias, Rodrigos, Rebecas e tantas outras pessoas LGBTQI que vivem na ilha e que nunca puderam se expressar em forma de uma parada para mostrar seu orgulho. Foi justamente o que ocorreu neste sábado (7) quando a pequena ilha ganhou ainda mais cores através da realização da primeira parada do Orgulho LGBTQIA.
Foram vozes coloridas puxadas em coro por uma banda montada em um quadricilo adaptado. Fazendo jus à simplicidade característica da ilha, o cortejo festivo passou pelos principais pontos da cidade levanto a mensagem de respeito à diversidade.
Sim, tiveram olhares atravessados. Não somente hoje, mas também nos dias que antecederam ao evento. Um morador, que preferiu não se identificar, relatou que por questões religiosas não apoiava a decisão de ser feita a parada na ilha. “Acho errado. Não poderia acontecer. Eu orei muito hoje para chover a ponto de cancelar”, bradou o homem que, contudo, não tirou o olho da bunda das mulheres trans enquanto conversava com a reportagem.
Felizmente ele foi a absoluta minoria. Gente como a dona de casa Carla Souza, que é moradora de Valença e veio passar o feriadão na ilha. “Quando eu cheguei na cidade tinha um buxixo do povo falando que ia ser ruim por conta das crianças. Vim pra porta para olhar e não estou vendo nada demais. Só estou vendo alegria e felicidade. É isso que as crianças têm que ver”, ressaltou.
O cortejo teve a participação de moradores e comerciantes LGBTQIA, turistas e também artistas transformistas de Salvador que participaram da parada: Karmaleoa, Malayka SN, Brendah Barbiere, Eva Sativa, Towanda Verde Frito, Violeta Black e Nágila Goldstar.
“Eu nunca tinha visto uma drag queen na minha vida. Achei muito bonito ter elas aqui e de forma integrada na nossa cidade. Precisamos ter mais respeito”, afirmou Jurandir Oliveira, 35 anos, morador de Boipeba.
O turista mineiro Jonatan Ribas, 28 anos, foi surpreendido durante sua viagem de feriadão com o cortejo da parada. “Eu vim para cá pensando que ia ficar um dias na calmaria, mas encontrei fervo todos os dias”, destacou Jonatan referindo-se ao festival da diversidade que foi inciado em Boipeba na quarta-feira com dezenas de atividades.
A parada foi festiva, importante e simbólica. Foi um ato de resistência – inclusive à chuva que caiu durante todo percurso – Contudo, é importante destacar que – assim como Boipeba – precisamos ainda avançar muito no sentido do respeito à diversidade. Pelas ruas da cidade vi receptividade, carinho e acolhimento. Da mesma forma vi muitos comentários, subjugações e vulnerabilidade da população LGBTQI da cidade diante da face mais cruel do preconceito.
Tomara que a ilha seja um reduto para que o amor e o cuidado que sobreponha ao ódio. Quem sabe um dia o grito seja só de alegria.
*O Me Salte viajou para Boipeba para a I parada do orgulho LGBTQI a convite do Grupo da Diversidade de Boipeba.