“Ah, mas não é um Drag Race”, “Ah, mas as drags são fracas”, “Ah, mas Xuxa tá forçada”, “Ah, mas está longe de empolgar como o programa de RuPaul”
A internet é terra fértil para haters e infelizmente cada dia que passa os comentários são mais tóxicos e sem fundamentos quando o objetivo é somente criticar pela crítica. Tenho percebido esse movimento desde que o programa Caravana das Drags”, projeto original da Amazon Prime Video, foi anunciado. E, desde o último dia 14 de abril, quando os três primeiros episódios entraram no ar, o movimento de haters só fez aumentar.
Apresentado por Xuxa Meneghel e pela drag queen Ikaro Kadoshi, o programa reúne 10 drags queens brasileiras em um reality show composto por dois desafios por episódio. No casting, inclusive, há duas queens da Bahia: DesiRée Beck e Ravena Creole. Contudo, a onda de críticas ao programa tem sido bastante tóxica desmerecendo a produção com o casting nacional.
Sim, o programa Caravana das Drags tem fatos que podem ser criticados ( e falarei deles mais abaixo), mas isso não tira o mérito da atração e muito menos a qualidade das queens que estão no reality. Uma das críticas mais sem noção que tenho visto é que Xuxa estaria ‘forçada no papel de apresentadora”.
[A PARTIR DAQUI O TEXTO TEM SPOILERS]
Aqui cabem enormes parênteses”: Xuxa é uma das mais importantes comunicadoras do Brasil, tem na sua trajetória uma importante relação de respeito à diversidade e, sim, é extremamente importante ela ter sua imagem associada ao projeto como uma maneira de referendar o conteúdo. Sabemos que fora da nossa comunidade LGBTQIAPN+ isso é importante para que o projeto ganhe visibilidade ‘fora do meio’.
Vi críticas ao fato, por exemplo, de Xuxa se vestir de drag e ser batizada como Morgana Sayonara. Uma das pessoas disse: “Ah, mas ela não pode ser drag porque é mulher”. Mais uma crítica sem fundamento e arraigada de preconceito mesmo o autor de tal impropério sendo um homem gay. Sim, mulher pode ser drag. Sim, qualquer pessoa pode ser drag e aí é onde mora a beleza dessa arte tão relevante para a construção da nossa sociedade diversa. Os figurinos de Xuxa poderiam melhorar, sim! Mas se até a rainha Ru Paul erra porque Xuxa não poderia errar, né?
Outra tentativa de invalidação dos haters tem sido com relação ao “excesso” de presença de Ikaro em detrimento à Xuxa. Ora, ora! Aí é justamente onde mora outro despropósito das críticas. Ikaro é uma drag queen e sempre que aparece no programa está ali no papel de co-apresentação validando e tendo uma maior conexão com as drags justamente por ser uma delas. Sim, Ikaro tem que aparecer especialmente nessas interações mais artísticas com as queens – como tem acontecido nos desafios que abrem os episódios – os chamados closes.
As únicas críticas válidas que tenho visto, de fato, são com relação à edição e finalização do programa. Nessas eu assino embaixo! No episódio de estreia do bate-cabelo, por exemplo, foi muito ruim as queens dublarem a mesma música e praticamente não se mostrar o elemento. Pecou-se na finalização dos episódios e os arcos temáticos são pouco explorados nesse sentido. No episódio 3, quando DesiRée acha que vai ser eliminada, por exemplo, ela faz uma expressão muito boa, mas a imagem mostra isso em menos de um segundo o que tirou o impacto da cena. Esses ajustes de edição fazem a diferença e também merece uma equalização melhor da sonoplastia na hora das dublagens. Isso faria toda a diferença!
A comparação, ou melhor, a busca de algumas pessoas para que o programa fosse igual ao Drag Race, apresentado desde 2009, é outro disparate.O Ru Paul’s Drag Race tem sua identidade e não faria sentido o Caravana das Drags ser uma cópia. É óbvio que o reality brasileiro se inspira no formato americano – o que é natural pelo gênero. Contudo, não acho que a produção nacional esteja tão aquém assim. Em toda temporada de Ru Paul, por exemplo, no casting tem queens beeeem fracas e que acabam entrando só para fazer aquele volume e sair logo nos primeiros episódios. É o que deu para sentir nos primeiros lances de Caravana das Drags: tem queens mais frágeis artisticamente e que poderiam entrar no programa daqui uns 4 anos. Em Ru Paul, o All Stars prova isso há sete temporadas!
Achar que a produção do exterior é melhor só porque é do exterior é uma síndrome de demérito ao que produzimos por aqui. É um ranço desnecessário que impede as pessoas de terem uma boa diversão. Por fim, vejo muita gente que fica criticando as queens brasileiras mas não faz ideia do que é ser drag real. Nunca deve ter pisado num show de drag na vida! Ter visto 22 temporadas de Ru Paul não te faz uma drag queen!. É tipo fã de Grey’s Anatomy que acha que é formado em medicina só porque viu 18 temporadas do reality médico.
Vida longa à Caravana das Drags! E que venham outras produções que valorizem a nossa cultura!