Ariane Senna está acostumada com pioneirismo. Depois de se tornar a primeira mulher transexual a se formar em Psicologia em Salvador ela agora alçará mais um voo de primeira vez. A partir do próximo mês será a primeira trans a estudar no mestrado de estudos étnicos e africanos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia.
Vice Presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT da Bahia, Ariane conta que a ficha ainda não caiu diante da conquista. “É um filme que vem na minha cabeça, de onde vim, de tudo o que passei. Está conseguindo mais um passo na minha trajetória. Me sinto uma missionária ao estar podendo abrir tantos espaços para que amanhã depois outras trans possam estar adentrando. Sei que não é fácil e nem será: me recordo bastante de quando estive na banca e um dos professores me perguntou do tamanho do desafio que eu iria encontrar ao estar em um programa que não tem experiência com questões de transexualidade, respondi para ele que sim e, aqui estou!”, relata Ariane.
A busca pelo programa, segundo a psicóloga, aconteceu por ele ter o viés em raça e etnia. “Com ele, buscarei me aprofundar mais em temas relacionados ao campo de estudos étnicos e africanos. A minha inserção nesse programa se dá pela necessidade de eu me apropriar mais também do meu lugar enquanto mulher negra. Chegou um momento em que passei a perceber e refletir da dupla opressão que passava e passo, primeiro por ser mulher trans mais também por ser negra. Isso me instigou a cada vez mais buscar conhecer teorias que me fortaleçam para enfrentar mais essa opressão na prática”, destacou.
Não acredito que foi em vão o fato de eu ter me tornado a primeira mulher transexual a se formar em psicologia na cidade de Salvador, a primeira a estrelar na parada LGBT levando o tema e a visibilidade trans, a primeira a se tornar uma vice presidenta no conselho Estadual LGBT da Bahia e a agora a entrar em um programa de mestrado que assim como a maioria, ainda é muito fechado e tampouco discutido as questões trans (Ariane Senna).
Para conquistar a vaga Ariane contou com a ajuda das oficinas montadas pelo projeto Transformando a Pós do grupo de pesquisa em Cultura e Sexualidade (CUS). O projeto teve coordenação do professor Leandro Colling, coordenador do CUS, e de Viviane Vergueiro que é ativista transfeminista, professora e pesquisadora em identidades de gênero e diversidades corporais no Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade da Universidade Federal da Bahia (CuS-UFBA).
“O Cus resolveu fazer esse projeto em função da Ufba ter criado as cotas para pessoas trans. Além de explicar como fazer um projeto acompanhamos a produção dos projetos, sugerindo bibliografias e metodologias. As pessoas trans ainda são raríssimas na pós, mas não é só por isso que é importante ter elas nessa área. O mais importante, na minha opinião, são os conhecimentos que essas pessoas podem produzir a partir das suas vidas singulares”, argumenta Colling.
Ariane frisa que a conquista não é apenas dela. “Isso é uma vitória não só minha, mais de todas as mulheres trans, negras e periféricas de Salvador que a partir de hoje verão e terão mais um caminho para adentrar. Sei que se pensarmos na quantidade de habitantes trans na cidade e no ano que estamos vivendo ainda se comemorar o pioneirismo de uma transexual pode ser para muitos uma vergonha, mas é algo também de nos alegrar, se pensarmos que diante de tantos retrocessos resistimos e estamos ocupamos espaços. Sei também que já temos muitas trans doutoras e escritoras no Brasil e no mundo mas ao olharmos para quem são elas e de onde vem, logo perceberemos o motivo de comemorar a chegada nesses espaços de uma mulher trans, negra e periférica e que, assim como a maioria, vem de um único caminho: a prostituição. Então, parabéns para nós trans que estamos podendo transitar da prostituição para a academia. Ainda são poucas! Por isso temos que comemorar!”, finaliza.