Por Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia
Após decisão do Conselho Nacional de Justiça, aprovada em maio de 2013, que regulamenta as uniões entre pessoas do mesmo sexo, de lá para cá, em quatro anos, 19.522 casais LGBT formalizaram a união. Foi o que revelou a pesquisa “Estatística de Registo Civil”, realizada em 2016, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 14 novembro de 2017, chamando a atenção da sociedade para o tema.
Esses dados são animadores. Sem dúvida, um grande avanço na conquista e manutenção dos direitos, o que é importante para a manutenção do pacto social. Por outro lado, esses dados são tímidos, considerando o Brasil e suas alteridades sociais, geográficas e econômicas. Sem ter intenção de desqualificar os dados, muito pelo contrário, mas reconhecendo que é importante existir casamentos homoafetivos, porque essa instituição ajuda a diminuir os estigmas por apresentar o amor romântico como uma normalidade e igualdade das relações homoafetivas em seus territórios de identidades e vivências, comunidade, trabalho, educação e vida social.
Em que pese uma relativa normalidade, a partir da decisão do casal em assumir a relação considerando um panorama social favorável, seria interessante analisar as reações sociais a essa conquista, e outras, talvez relacionando com o aumento de casos de violência homofóbica e intolerância. De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia, a cada 24 horas um LGBT é assassinado no Brasil. Isso sem dúvida provoca um a retração na formalização das relações homoafetivas, mesmo que muitos LGBTs vivam informalmente a relação, mas diante do recrudescimento da homofobia, não se sintam encorajados a tomar a decisão, ou mesmo ainda não sintam a necessidade de fazer isso. Quando falo em normalidade penso em perspectiva, porque o que sabemos é que ainda falta muito para a sociedade brasileira chegar nesse nível, ver essa realidade como normal.
O estudo não revela os aspectos que originam essas uniões, não se refere às expectativas dos casais LGBTs, que são absolutamente diferentes das expectativas dos casais heterossexuais. Discutir essas expectativas é um aspecto importante porque elas são por demais distintas e revelam o quanto é falsa a ideia de que essas uniões destroem outras. Isso não é verdade.
As uniões LGBTs são forjadas primeiramente na amizade e em seguida no amor romântico, isso no sentido bem clássico. “O amor romântico vende um ideal de parceiro perfeito, que tem a responsabilidade de nos fazer felizes e suprir necessidades sociais e sexuais”, talvez isso não possua muita diferença, mas o aspecto da amizade, sim.
O modelo das uniões LGBTs é focado na amizade. Não existe necessariamente a expectativa de gerar filhos, mesmo que eles possam vir junto com o relacionamento, ou inseridos por métodos como a adoção, por exemplo, mas eminentemente a família são os amigos, o amor não é necessariamente o romântico, isso porque essencialmente quando dois homens ou duas mulheres se unem, formalmente, não estão pensando em dividir patrimônio. Mesmo que isso seja uma condição para garantir direitos sociais, respeito, inclusão e proteção segura na ausência de um dos cônjuges.
É falsa a ideia que os LGBTs querem se unir da mesma forma que os casais heterossexuais. Mesmo que pesem as estatísticas, os outros arranjos afetivos são consideráveis e não foram considerados na análise. Nesse universo multicolorido e polimorfo abriga em si mesmo o revolucionário. Os casais LGBTs rompem com a fantasia do sistema de um modelo supostamente opressivo de casamento heterossexual e faz a separação de amor e sexo.
Amor não é sexo e nem propriedade. Isso revela que é possível construir outros tipos de relações, inclusive dentro da relação formal, como “truelove” ou o “poliamor”, que é o amor dividido entre outros. Isso é parte da felicidade e da elevação do amor, de um ao outro, seguindo uma receita bem simples que é entendimento de que por mais amor, sexo, carinho, atenção que uma pessoa ofereça à outra, pode não ser o suficiente, porque o outro pode ter desejos, vontades, fantasias e às vezes o parceiro não é capaz de oferecer isso. Não há possibilidade de um tesão ser compartilhado com uma única pessoa a vida inteira.
Isso é uma prisão idealizada pelo sistema heteronormativo, que oprime a condição feminina a uma norma imaginária, cruel, condicionando a liberdade a condição de mãe o que mesmo que a maternidade seja um desejo de muitas mulheres, nos relacionamentos os filhos aprisionam dentro de um espaço supostamente de liberdade, o lar. Tudo isso é absolutamente diferente da maneira e das expectativas que ocorrem as uniões LGBT em suas vivências cotidianas.
Eu tenho a dimensão de que falar e escrever sobre essas coisas é como se andar sob o fio da navalha sem cortar os pés, ou ainda em um campo minado. Arrisco dizer que os LGBTs são românticos também, mas numa nova dimensão e isso deu um novo significado ao amor, o que obviamente não é o mesmo significado do amor heterossexual. Então, qual é a real de tanto barulho, já que são coisa distintas?.
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