Por Jane Fernandes*
Nascido em Alagoas, o cineasta Ulisses Arthur, 23 anos, acaba de concluir sua formação em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), mas já tem grandes acontecimentos na sua carreira. Seu As Melhores Noites de Veroni foi selecionado para a competitiva nacional no Festival de Brasília deste ano e o CorpoStyleDanceMachine recebeu menção honrosa no CachoeiraDoc 2017. Centrado na figura de Tikal, um morador de São Félix que desafia convenções, o curta CorpoStyleDanceMachine participa da Competitiva Baiana do Panorama Internacional Coisa de Cinema que terá exibição nesta segunda-feira (12) às 15h na Sala Walter da Silveira.
Como conheceu Tikal?
Quando fui morar no Recôncavo da Bahia em 2012, comecei morando em São Félix, e o Tikal é de São Félix, então todos os dias eu encontrava ele na ponte indo pra Cachoeira, ou pelas ruas das duas cidades. Sempre admirei muito ele e aos poucos fomos nos aproximando e nos tornando amigos, eu fazia algumas visitas a ele e ele a mim.
Na sua avaliação, qual a importância de mostrar personagens como Tikal no cinema?
Em tempos de cura gay e censura à manifestação LGBT nas artes, a presença de Tikal nas telas é um grande ato de afirmação e resistência. É importante ter filmes sobre LGBTS por que além de ser um registro pungente dessas vidas que tanto lutam e reivindicam espaços, esses filmes são pontos de luz que iluminam esses tempos sombrios.
A ideia de fazer um filme com ele surgiu imediatamente? Se não, como surgiu?
A medida que eu ia conhecendo ele, me vinham muitas ideias na cabeça, mas eu demorei muito pra achar uma forma que fosse poderosa pra contar a história dele, queria fazer um filme que contemplasse a exuberância e potência dele. Comecei a montar um acervo de imagens do Tikal que circulavam pela internet, pelos whatsapps e a mesma medida que eu achava imagens lindas dele dançando e brilhando nas festas, também achava imagens constrangedoras de ataques verbais a ele, cheios de homofobia. Então, foi um processo lento de dois anos de pesquisa e entendimento do que ele representa nessas cidades.
Quais aspectos despertaram o desejo de fazer CorpoStyle DanceMachine com Tikal?
Meu maior desejo era contar um pouco da sua história e dos desafios que ele enfrenta e enfrentou pra ser quem ele é, ao mesmo tempo trazer pra tela do cinema o mistérios de Tikal que é o seu maior charme.
Como foi a recepção dele à ideia?
Como a gente já conversava há muito tempo, ele confiava bastante em mim. Nosso filme é uma produção independente que se baseava muito nos encontros com ele, não tínhamos uma agenda de filmagens fixa e nem um rigor de gravação, marcávamos encontros e fazíamos imagens, por exemplo, nas filmagens de CorpoStyle, tomamos uns bons drinks e fizemos uma mini-festa, para além do filme tínhamos uma vivência que era bem bonita, o filme foi se mostrando aos poucos. Fora que eu tinha uma preocupação muito grande em como acolher ele, partilhando com ele algumas escolhas estéticas e sempre atento as questões éticas do documentário.
O rosto de Tikal só aparece claramente nos instantes finais do filme. O que guiou a escolha desses enquadramentos?
O Tikal me ensinou uma lição valiosíssima de cinema: Aprenda a compreender o mistério. O mistério estava o tempo todo na fala dele e esteve presente no processo do filme por que nunca soube ao certo se teria filme. Então, a ideia era trazer o mistério pra estética do filme, era fazer um pouco do jogo que o cinema faz; esconder e revelar. Mais importante que mostrar o corpo em sua totalidade era evocar as narrativas secretas que constroem e fortalecem esse corpo.
*Colaborou para o Me Salte